A insólita história da Síndrome da Fadiga Crônica e o
Poder Persuasivo dos Gigalaboratórios Farmacêuticos
Adalberto Tripicchio MD PhD
Introdução
George Beard (1839-1883) utilizou pela primeira vez o termo neurastenia (astenia = fraqueza; neurastenia = fraqueza dos nervos) numa conferência apresentada em 1868 na New York Medical Journal Association e publicou-o, posteriormente, no Boston Medical and Surgical Journal como uma doença peculiar aos norte-americanos, principalmente do Leste e Nordeste do país. Desde então, iniciaram-se discussões e polêmicas, que atingiram o clímax nos primeiros anos do século XX.
A concepção de neurastenia por Beard foi influenciada pela teoria da irritabilidade e exaustão do sistema nervoso, criada por John Brown (1735-1788), na qual ele supunha que o tônus do sistema nervoso poderia variar de um estado estênico para um estado astênico.
Histórico
A astenia nervosa foi objeto de descrição muito tempo antes de Beard. Já na Grécia antiga, Hipócrates descreveu a doença de Scythes, que se constituía de uma astenia geral ligada a lesões dos órgãos genitais pela equitação. Mais tarde, Galeno denomina esta doença de hipocondria, e Boissier de Sauvage, ampliando a teoria de Galeno, faz uma separação entre a hipocondria e uma entidade clínica astênica. Também Esquirol, Baillarger e Falret descrevem astenia na melancolia e Brachet, a astenia decorrente de traumatismo. Em 1764, foi descrito em França, or Bouchut, uma doença com sintomatologia equivalente à da neurastenia; foi chamada de neuropatia.
É, no entanto, com Beard que a doença é divulgada e ganha popularidade. Ele escreveu, em 1866, EIectricity as a tonic; em 1871, Stimulants and narcotics; e o seu clássico American nervousness with its causes and consequences, em 1881, que foi traduzido para o alemão por Neisser quase imediatamente após o seu aparecimento nos USA. Concomitantemente, Silas Weir Mitchell's (1829-1914) desenvolve o chamado rest treatment (tratamento pelo repouso), que requeria do paciente o isolamento completo, temporário e em silêncio absoluto. Esse tratamento teria uma relação com a neurastenia de Beard, isto é, o desenvolvimento deste tipo de tratamento existiu dentro da mesma concepção que influenciou a criação do conceito de neurastenia por Beard. Em 1880, publica A practical treatise on nervous exhaustion (Neurasthenia) e desde então o termo neurastenia fica indissoluvelmente ligado a esta síndrome de exaustão nervosa.
A descrição clínica da neurastenia por Beard foi muito ampla, comportando mais de 50 sintomas e sinais que podem ser agrupados em sete principais categorias:
1) exaustão geral com cansaço e sensação de peso nas pernas;
2) espasmos musculares, cefaléias e dores musculares;
3) medos mórbidos;
4) insônia;
5) desinteresse;
6) diferentes manifestações do sistema nervoso autônomo;
7) sintomas isolados como impotência sexual, frigidez, irritabilidade, dispepsia, náuseas, alterações visuais, e por aí vai.
Charcot reclassifica os sintomas descritos em Beard isolando os mais importantes, aos quais confere o status de patognomônicos (sinais e sintomas específicos, necessários e suficientes para designar uma determinada doença). São eles: astenia neuromuscular, as raquialgias com topografia cérvico-lombar, as cefaléias permanentes, as dispepsias com sonolência, a presença de certa distensão abdominal, constipação e, finalmente, um estado mental mórbido onde se destacava uma astenia intelectual com falhas de memória e uma afetiva, tristeza e irritabilidade. Para ele, a presença dos sintomas secundários dependia dos órgãos dos sentidos afetados, assim como, dos aparelhos respiratório, cardiovascular e genital.
No fim do século XIX, alguns autores começam a dividir a neurastenia e criar outros conceitos a partir dela. Chaslin cria a noção de confusão mental; Pierre Janet descreve a psicastenia, uma espécie de viver sentimental da neurastenia; Barnheim distingue uma psicastenia, depressiva, uma psiconeurastenia e uma neurastenia simples, enquanto Hartenberg separa as neurastenias constitucionais das neurastenias adquiridas. Estes últimos conceitos tiveram uma grande aceitação entre vários autores. Fleuri (1905) considera a neurastenia uma doença acidental provocada por uma intoxicação, uma decepção moral ou um surmenage (estafa, fadiga, esgotamento, astenia) físico. Gilberto Ballet descreveu quatro formas clínicas da neurastenia: genital, traumática, cérebro-espinhal e feminina.
Freud, que já em 1884 utilizava os conceitos de neurastenia, destaca-a da neurose de angústia. Para Freud, a neurastenia teria uma clara etiologia sexual. Apontava a masturbação habitual como uma alteração da vida sexual que conduziria à neurastenia do homem, não só por uma fraqueza sexual, mas, sobretudo pela incapacidade de tolerar o aumento da tensão sexual. O orgasmo, constantemente renovado ao nível dos órgãos periféricos, empobreceria o sistema psíquico numa tensão sexual, provocando cefaléia, astenia, impotência etc. Um outro aspecto importante seria o coito interrompido (onanismo), que acabaria por levar a uma frustração do orgasmo, frustração esta que desenvolveria não a neurastenia, mas a neurose de angústia.
Durante a guerra de 1914, inúmeras observações de neurastenia foram constatadas nos soldados. Reich, em 1926, admite uma base conflitual como causa da neurastenia. Os sintomas neurastênicos seriam resultantes de um mecanismo de conversão. À mesma época, Benon, conservando as características da neurastenia, através de uma analogia com a fadiga muscular, considera a astenia psíquica como um resultado do acúmulo cerebral de catabólitos.
Podemos dizer que 1920 é a data que marca o início da diminuição do prestígio da neurastenia, aumentando concomitantemente o interesse pelos estados ansiosos. Curiosamente, este desinteresse pelos conceitos de neurastenia existiu principalmente nos USA, pois na Europa ainda era possível encontrar inúmeras descrições da parte de diversos autores (clínicos, em geral) de estados neurastênicos, apesar de algumas vezes estas descrições existirem sob outras rubricas. Runderson (1950) observa que o desaparecimento da neurastenia dá-se através da substituição deste conceito pelo conceito de estados de fadiga (cansaço) relacionados com situações complexas que criam dificuldades afetivas mais ou menos inconscientes, além de uma série de alterações funcionais menores.
Um dos últimos autores a abordar a questão da neurastenia, numa tentativa de conciliação de tese orgânica e psicogenética, foi Brun, em 1956. Para ele, a "fraqueza irritável" (heredo-constitucional) é a matriz da neurastenia e se traduz por uma fadiga intelectual e afetiva. A alteração fundamental, devido a um desequilíbrio neurovegetativo (melhor dizer, autonômico) , é acompanhada de uma disfunção na barreira hemato-encefálica, a partir da qual o quadro clínico pode evoluir para uma forma psíquica mais elaborada de uma neurose do tipo hipocondríaca. Brun distingue a neurastenia constitucional, revelando uma predisposição mórbida inata ou adquirida, devido a conflitos infantis e à neurastenia de surmenage, com diferentes formas clínicas.
Nos USA, berço do conceito de neurastenia, este termo desaparece da primeira edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM I) da American Psychiatric Association (APA). Esta classificação enfocava as doenças como um processo "dinâmico", ao invés de doenças "estáticas". Nesta classificação, os sintomas de fadiga e peso nas pernas, os quais tinham sido considerados previamente como característica central da neurastenia, foram incluídos na categoria de Psychophysiology nervous system reaction.
O curioso é que, na segunda edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM lI), a neurastenia ressurge, sendo encontrada da seguinte forma: "A neurose neurastênica (neurastenia) é caracterizada por queixas de fraqueza crônica, fatigabilidade fácil e, algumas vezes, exaustão. Diferentemente da neurose histérica, as queixas dos pacientes são verdadeiramente perturbadoras para eles, e não há evidência de ganho secundário. Difere da neurose ansiosa e dos distúrbios psicofisiológicos pela natureza da queixa predominante. Difere da neurose depressiva pela moderação da depressão e pela cronicidade de sua evolução."
Na Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde (OMS = WHO), na sua 9ª revisão (CID-9), o termo neurastenia é mantido entre os transtornos neuróticos, no dígito 300.5: Neurastenia ou Debilidade Nervosa. No draft da 10ª Revisão da Organização Mundial de Saúde, o termo neurastenia é mantido, vide abaixo.
F48.0 Neurastenia - síndrome de fadiga (o mais correto é síndrome de fraqueza)
Variações culturais consideráveis ocorrem na apresentação deste distúrbio, e dois tipos principais ocorrem com considerável superposição. Em um tipo, o principal aspecto é uma queixa de fatigabilidade aumentada após um esforço mental, freqüentemente associada a uma diminuição no desempenho ocupacional ou a problemas de eficiência em tarefas do dia-a-dia.
A fatigabilidade mental é tipicamente descrita como uma desagradável intromissão de associações ou lembranças perturbadoras, dificuldade de concentração e, geralmente, pensamento ineficiente. No outro tipo, a ênfase é em sensação de fraqueza corporal ou física e exaustão após um esforço mínimo, acompanhado de uma sensação de dor muscular e da incapacidade de relaxar.
Em ambos os tipos, uma variedade de outras sensações físicas desagradáveis são comuns, tais como, tontura, tensão, cefaléia e sentimento de instabilidade geral. São também comuns: preocupação sobre diminuição do bem-estar físico e mental, irritabilidade, anedonia (incapacidade de ter prazer) e vários pequenos graus tanto de depressão quanto de ansiedade. O sono está freqüentemente perturbado em suas fases inicial e média, mas pode ocorrer também hipersonia (sono em demasia).
Orientação diagnóstica
Para um diagnóstico definitivo, são necessários os seguintes requisitos:
a) queixas persistentes e perturbadoras de aumento de fatigabilidade após esforço mental; ou
b) queixas persistentes e perturbadoras de fraqueza corporal e exaustão após o mínimo esforço, acompanhadas de sensações físicas desagradáveis (dores musculares) e incapacidade de relaxar;
c) ausência de sintomas de ansiedade ou depressão suficientemente persistentes e severas que venham a preencher os critérios que caracterizam quaisquer desses distúrbios especificados nesta classificação."
Na DSM III como na DSM IlI-R, o termo neurastenia não aparece citado diretamente, mas aquilo que era considerado neurastenia aparece distribuído em diversos itens como dysthimic disorder e chronic depressive disorder, entre outros.
Muitas críticas foram feitas ao conceito de neurastenia, e podemos entender o fato de ter dado origem a diversas outras síndromes como resultado de uma definição clínica sem consistência suficiente. Por exemplo, como se explica a existência de sintomas tão variados, atuando em sistemas diferentes, fazendo parte de uma mesma doença? Esta relação da neurastenia com outros distúrbios clínicos já havia se revelado no Practical Treatise, incluindo, entre as doenças que poderiam ser relacionadas com a neurastenia, a nevralgia, a opiomania, a melancolia, a histeria, a histeroepilepsia, o alcoolismo e por aí vai longe.
Nemiah entende que talvez os modernos clínicos do Campo Psi, influenciados pelas teorias psicodinâmicas envolvidas com sintomas fóbicos, obsessivos e afins, tenham voltado sua atenção e aprofundado seus conhecimentos nestes sintomas, ignorando praticamente processos mais elementares envolvidos em fraqueza, cansaço e exaustão. Conclui: "Qualquer que seja a resposta a estas questões, o fato é que, à medida que a nosologia (estudo das doenças) psicopatológica evolui, a neurastenia foi progressivamente desnudada de sintomas até ao ponto de desaparecer inteiramente do cenário clínico.
Agora, ela retorna numa forma acentuadamente atenuada e limitada, como se vê pela definição oficial, à fraqueza, fadiga e exaustão. Alguém pode perguntar o quanto de útil tem esta categoria diagnóstica. Com que freqüencia são encontrados os sintomas especificados (tão comuns como sintomas concomitantes a outros fenômenos neuróticos) como uma síndrome isolada, em forma pura? É difícil responder com qualquer grau de certeza. O interesse recente pela neurastenia tem sido tão pequeno que essencialmente não existe, assim como não existem estudos clínicos modernos que forneçam informação confiável sobre suas características como síndrome.
Talvez, o valor de refocalizar-lhe a atenção esteja na possibilidade de que um renovado interesse científico para o fenômeno da fadiga, da exaustão e da fraqueza neurótica proporcionará uma compreensão das relações psicossomáticas envolvidas - relações acerca das quais é conhecido muito menos do que acerca da ansiedade e da depressão. No que se segue, portanto, deve-se ter em mente que qualquer generalização clínica pode ser, na melhor das hipóteses, tentativa e deve ser considerada um ponto de partida para posteriores investigações."
Contudo, do ponto de vista clínico é indubitável, como afirma Brawn em seu trabalho sobre neurastenia no Tratado de Neurologia de Bunke & Forster, que existe uma grande quantidade de pessoas nas quais episodicamente se apresenta uma perturbação das funções nervosas originadas por causas que conduzem, em última instância, a uma fadiga exagerada e a um esgotamento (Erschöpfung) da força funcional, manifestada por uma síndrome cujas notas essenciais são a vivência de fadiga, irritabilidade, mal-estar geral com insônia e desinteresse objetivo.
Esta é, em definitivo, uma síndrome vital na qual os casos leves tendem a uma espontânea e rápida compensação com repouso e vida rústica. Dentre as causas mais freqüentes de seu aparecimento, ressalta este autor o excesso de trabalho, a falta de repouso, infecções e outras somatoses, conflitos amorosos e matrimoniais, dificuldades e prejuízos econômicos, traumas de acidentes, conflitos jurídicos e econômicos, alimentação defeituosa etc.
Quadro clínico
O início do distúrbio pode ser súbito ou gradual, assim como os sintomas podem ser episódicos ou persistentes, sem remissão por um longo período de tempo. A característica central da síndrome como um todo é sua tendência para a cronicidade e, freqüentemente, à severa incapacitação do paciente. Em função dos inúmeros sintomas descritos na neurastenia, torna-se muito difícil estabelecer um quadro clínico específico, principalmente pelo fato de que muitos desses sintomas, como já foi citado, acabaram por ser absorvidos por outras rubricas. No esforço de agrupar estes sintomas, Mirouze, baseado numa tipografia aproximativa em que Beard descrevia uma série sintomática ("síndrome de fraqueza irritável"), relaciona:
1) Uma sensação profunda de fadiga matinal, o que pode ser muitas vezes confundido com a angústia e o mal-estar geral que acometem o paciente com depressão maior, em função da variação circadiana desta doença (o ritmo biológico da serotonina). Os pacientes acusam uma fatigabilidade corporal e psíquica com diminuição da sua vontade de fazer coisas, ficando com o desejo de ficar entregue ao cansaço na cama;
2) Alterações do sono, com insônia noturna e a presença de sonolência diurna. Esta insônia é favorecida por um temor à insônia, que leva o indivíduo a uma progressiva excitação à medida que chega o momento do repouso noturno;
3) As alterações sexuais encontradas são, a impotência e a frigidez. É importante destacar que a impotência nem sempre vem acompanhada da perda do desejo sexual. Freud vê precisamente no excesso de poluções masturbatórias a gênese da neurastenia. Porém, segundo outros autores, parece que o que ocorre é o oposto, isto é, que o mal-estar que estes pacientes apresentam provoca secundariamente uma reativação do desejo masturbador, já que esta manobra quase automática, além de um gozo compensador, conduz a uma lassitude e sedação momentâneas do mal-estar inicial (que se observa, por exemplo, nos presos que se encontram forçosamente reclusos em celas de isolamento;
4) Cefaléia, principalmente do tipo constritiva, chamada crânio-neurastênica, onde há um aumento da sensibilidade do couro cabeludo, dores na nuca e na coluna vertebral, as chamadas raquialgias neurastênicas;
5) Alterações sensoriais diversas que vão desde dimetrias com presença de pontos luminosos que se deslocam diante dos olhos, até uma astenopsia neurastênica, que é o chamado "olho irritável", com queixas de dores nos olhos durante a leitura. Pode existir também sensação de voz abafada ao falar, além de outras manifestações neste campo;
6) As alterações psíquicas são caracterizadas por dificuldade de concentração intelectual, sentimento de tristeza e desespero, instabilidade afetiva geral, angústias fóbicas numerosas (espaço, doença, luz, meio de transporte etc.). A dificuldade de concentrar a atenção no trabalho mental e a impressão de perda da memória, impressão esta, na realidade, produzida por um duplo mecanismo: estreitamento do campo dos interesses perceptivos que origina diminuição da capacidade de fixação de estímulos e, por outro lado, aumento dos fenômenos de inibição cortical que dificulta enormemente a tarefa evocativa das recordações, constituem queixas muito freqüentes deste tipo de paciente.
Não obstante, essa suposta dificuldade mnêmica não é efetiva, já que os enfermos conservam bem todos os dados referentes à evolução de uma doença, inclusive com detalhes, medicamentos tomados, conselhos, propostas, orientações dos médicos etc. Porém, realmente chama a atenção, a freqüência de queixas insistentes sobre dificuldades mnêmicas, sendo estas talvez das mais comumentes encontradas nas consultas aos clínicos em geral. Nos casos mais severos de síndrome neurastênica, foram descritos também a falta de sentimento do eu, que, chegando a extremos, provoca no paciente a sensação de despersonalização, como se sua própria pessoa lhe fosse estranha.
Apesar da síndrome de despersonalização poder apresentar-se também, como elemento mórbido integrante de outros quadros clínicos, especialmente de feição psicótica, algo como esquizofrenias, melancolias, epilepsias etc., acredita-se que a presença mais freqüente desta síndrome ocorra nos estados neurastênicos, o que coincide com diversas parestesias e algias cefálicas, impressão de alheamento da realidade, pobreza autoscópica, exacerbação da angústia com tendência à auto-agressão para comprovar que "ainda é possível sentir o corpo" ou com as chamadas espelhofobias, ou seja, o horror à visão de sua imagem física que permite comprovar que o paciente não é mais quem era anteriormente.
Nos casos em que a impressão de despersonalização ocorre de uma forma crítica, deve-se pensar que pode se tratar de um equivalente comicial devido a um espasmo vascular talâmico. Outras vezes, a base fisiopatológica pode ser uma disorexia central, indo da anorexia à bulimia, os dois extremos deste transtorno (GD Stockings), ou mesmo pode se tratar de um quadro hipoglicêmico. Mas, se o sentimento de haver perdido o eu persiste, sem existir uma típica síndrome de Cottard, coincidindo com os restos dos sintomas neurastênicos, teremos de pensar preferencialmente em uma explicação psicogênica (suicídio simbólico da personalidade frente a uma situação difícil ou intolerável - Mira y Lopes);
7) Alterações da motricidade: agitação psicomotora, pseudo-ataxias, tremores e fibrilações musculares, paralisias temporárias etc.
8) Alterações da sensibilidade: hipersensibilidade da gengiva e dos dentes com precocidade de cáries dentárias, formigamento, nevralgias erráticas e vagas, hipersensibilidade freqüentemente paradoxal dos mecanismos. Sobressai a presença de hipersenbilidade da coluna vertebral, constituindo a "síndrome de irritação espinhal", com raquialgias variáveis e sensação de peso lombar;
9) Alterações autonômicas: alterações cardíacas que dão o chamado "coração irritável ou erético" com taquicardia e desequilíbrio vasomotor. Estas alterações encontradas no "coração irritável" deram Iugar a outras denominações conhecidas como "coração de soldado", "síndrome de Da Costa". Atualmente, estão mais detalhadamente descritas dentro do transtorno do pânico (ataque de pânico). Hiperidrose palmoplantar, alterações da sede, hipersalivação, secura da pele e das articulações, hipersensibilidade geral ou local em função das variações de temperatura;
10) Alterações digestivas: nota-se muitas vezes uma disfagia caracterizada por dificuldade à deglutição - os pacientes relatam não poder engolir. Existem também queixas de uma dispepsia astênica que costuma provocar dores variáveis, acalmadas pela alimentação e por ansiolíticos.
11) Alterações biológicas: naquela época descritas como a presença, na urina, de oxalatos, uratos e fosfatos. Hoje, uma série de dados biológicos têm identificado a presença de fadiga crônica como sintomatologia principal neste grupo de pacientes.
Para George Beard, a doença seria resultado de um enfraquecimento da força nervosa, o que geraria no sistema nervoso central um funcionamento caótico, sendo a causa desta fraqueza energética o "surmenage físico e mental" criado pelo modo de vida do povo americano, submetido a uma industrialização rápida que o forçava a despender brutalmente energia nervosa, cuja possibilidade de recuperação era insuficiente.
Frente a esta sucessão de descargas energéticas, o fluxo constante de movimentos seria criado, distinguindo-se um grupo de indivíduos não-nervosos, que, com uma resistência maior à propagação deste fluxo, teriam tendência a localizar alteração em uma afecção funcional por vezes somática, e os indivíduos nervosos, cujo influxo seria responsável por alterações funcionais variadas e generalizadas, George Beard descreveu algumas variedades de neurastenia, entre as quais: a neurastenia cerebral ou cérebro-astenia, com desgaste cerebral e sintomatologia psíquica, afetiva ou intelectual; uma neurastenia espinhal ou mielastenia, bastante dependente da anterior, cuja sintomatologia principal seria a raquialgia; uma neurastenia traumática, devido a traumatismos físicos como desastre de trânsito, de avião etc., ou psíquicos (traumas psicológicos).
Também descreveu uma neurastenia digestiva ou dispepsia nervosa, com cortejo sintomatológico gástrico acompanhando o processo digestivo; uma hemineurastenia, com sintomatologia que predominava em geral em um lado do corpo, principalmente o esquerdo. A histeroneurastenia atingia principalmente as mulheres, e a neurastenia sexual, preferencialmente o sexo masculino, gerando impotência, ejaculação precoce, poluções súbitas e doenças prostáticas.
Este quadro clínico foi a seguir modificado na França por Charcot e conservado nas últimas descrições de Montassut (1938) e Raclaut (1955) sobre aspectos da trineurastenia, com astenia matinal, cefaléia e raquialgia, às quais se juntariam alterações funcionais diversas e um estado mental particular, basicamente do tipo depressivo, com tristeza, desinteresse, sentimento de impotência até o extremo do chamado marasmo neurastênico.
Etiologia
No final do século XIX, quando Beard elaborou a sua doutrina da neurastenia, o mundo científico vivia sob a influência do movimento da física orientado pelas leis da termodinâmica. Como efeito do pensamento dessa época, a essência da natureza passa a ser a distribuição e redistribuição da energia que, em suas sucessivas formas, deveria ter o seu equilíbrio mantido. Com o aparecimento da Segunda Lei da Termodinâmica (relativa à Entropia), toda explicação mecânica que supunha que os seres atuavam entre si por contato, vai originar um novo espaço, o da distribuição espacial da energia, que seria uma força.
O modelo energético substitui então o modelo da matéria em ciência. Assim , este poder ao qual a física dos últimos decênios do século XIX outorga o papel da verdadeira realidade, é a energia. Este modelo influi em todo o pensamento de Freud na construção da teoria psicanalítica, na existência de impulsos e na teoria das pulsões. Como também já citei no início deste artigo, as hipóteses de John Brown sobre a teoria da irritabilidade e da exaustão do sistema nervoso influenciaram as concepções de neurastenia e psicastenia. Assim, podemos observar uma hipótese nascida no século XVIII sofrer a influência do crescimento da física do século XIX e ser adaptada nas teorias de Beard.
O próprio termo que Beard escolheu, neurastenia, no grego significa "falta de força do nervo" (fraqueza). Para ele, a neurastenia seria a resultante de uma diminuição da energia nervosa, uma substância concebida de um termo físico, mas que não era passível de definição ou de medida direta. Este aspecto, a impossibilidade de medir e quantificar a fadiga, ainda hoje é um problema sem solução para pesquisas, sejam epidemiológicas, químicas, biológicas ou terapêuticas que poderiam contribuir com a compreensão do assunto. As demais explicações teóricas para a neurastenia na realidade constituíram variações em torno das idéias originais de Beard. Tomemos como exemplo o próprio Pierre Janet, que também se inspirou na mesma concepção de diminuição de energia mental constitucional.
Outro aspecto de relevância em termos etiológicos seria o motivo da ocorrência de diminuição de energia nervosa. Na época de Beard (segunda metade do século XIX), as teorias de degeneração e as teorias genéticas ganharam importância. As hipóteses de constituição e de transmissão genética são também aplicáveis na neurastenia. O que poderia ser levantado como hipótese seria uma herança negativa de má constituição apontada como fator que predisporia ao aparecimento dos sintomas, desde que alguns fatores atuassem em cima deste terreno. As outras hipóteses estariam ligadas ao excesso de trabalho, de esforço físico ou à presença de emoções prolongadas que desgastariam a energia nervosa, levando a uma diminuição que chegasse a níveis muito abaixo daqueles requeridos para um funcionamento normal.
Freud e a escola psicanalítica propõem explicações diferentes. Como já citei, para ele a etiologia da neurastenia seria sexual; existe em todo o seu trabalho uma constante reafirmação deste fato, que norteia, inclusive, sua teoria geral da etiologia sexual das neuroses. Para ele, os sintomas neurastênicos, seria resultado de uma excessiva dissipação da libido (energia sexual) pela masturbação ou pelas poluções noturnas. Em função desta causa estritamente sexual, as práticas sexuais inadequadas conduziriam a uma sintomatologia neurastênica que não era, para Freud, de forma alguma relacionada a fatores hereditários ou ao excesso de trabalho, pois ele achava que estes jamais poderiam provocar o quadro clínico da neurastenia. Outros autores da psicanálise seguiram Freud, como, por exemplo, Fenichel, Reich e outros.
Na vertente das versões psiquiátricas, muitos autores escreveram sobre a possível etiopatogenia da neurastenia, no sentido de procurar explicar o complexo problema das relações mórbidas do indivíduo com os seus órgãos. Podemos distinguir entre esses autores duas posições antagônicas: as neurastenias constitucionais e as acidentais. Dentre os autores que defendiam as neurastenias constitucionais, destaca-se Kurt Schneider, que deixou uma importante obra sobre as personalidades psicopáticas, como já vimos em outro artigo nosso da RedePsi, onde ele descreve uma personalidade astênica (fraqueza constitucional), que possui como característica central uma auto-observação ansiosa no domínio somático (a vertente neurastênica) ou mental (a vertente psicastênica). Ele distinguia personalidade psicopática verdadeira (auto-observação ansiosa que altera o funcionamento somático) das constituições somatopáticas que poderiam estar associadas aos traços mentais patológicos.
Apesar da grande importância do seu trabalho e relevância incontestável dentro do campo da Psiquiatria, suas idéias não foram totalmente absorvidas por inúmeros outros autores, que procuraram expandir as explicações sobre a natureza da neurastenia em função de fatores adquiridos atuais e acidentais. As explicações mecanicistas diziam que em alguns aspectos patogênicos teríamos uma alteração de um órgão que geraria uma alteração nutricional do sistema nervoso.
Vários autores se sucederam nesta explicação, dentre os quais M. Bouchard, atribuindo à auto-intoxicação; Hayem, a um vício de nutrição de origem dispéptica; Loeven, a ações reflexas de origem gastrintestinal; Fr. Glenard, à enteroptose; G. Tumas, às alterações vasomotoras (em sua tese sobre a melancolia); Férét, a um excesso de vibrações nas células cerebrais; Erb, a uma alteração íntima da nutrição dos elementos nervosos; Régis, à arterioesclerose em fase inicial; e, para o próprio Beard, a um defeito de equilíbrio entre o uso e a reparação da célula cerebral.
Para a maioria das pessoas do mundo e para muitos neurologistas, a responsabilidade era devida a alterações da imaginação ou a uma doença do espírito (a sensação de fadiga do neurastênico seria imaginária e dependeria de uma idéia fixa), Charcot, Reymond, Brissaud e Gilbert Ballet persistiam com a hipótese do esgotamento da energia nervosa. Para Tinel (1941), a neurastenia seria uma forma menor de psicose melancólica. Begoim, em 1956, tenta explicar a neurastenia baseado nas concepções de Pavlov sobre o funcionamento da atividade nervosa superior e nas teorias órgano-dinâmicas de Henri Ey (que foi mestre do Autor em Paris).
Bugard, que estudou de maneira bastante ampla a fadiga, a explica como uma reação do organismo à somatização esgotante de agressões diárias. J. Mirouz, 1962, destaca na fadiga patológica a importância da participação hormonal na produção dos quadros clínicos análogos em todos os pontos dos estados neurastênicos. Ele distingue as etiologias supra-renais, tireoidianas, insulínicas, hipofisárias (pituitárias), que induziram síndromes diferentes segundo o hiper ou hipofuncionamento glandular. Acoplada a este distúrbio hormonal, uma etiologia psicossomática constituída de conflitos, tensões, frustrações e agressões do cotidiano seria responsável pela síndrome astênica, através da via diencefálica.
Para Fleurry, que propunha uma teoria mecânica na neurastenia, o mecanismo da fadiga seria organizado a partir do esgotamento nervoso e seria composto de quatro fases que se sucederiam. Na primeira, existiria a causa, como, por exemplo, uma intoxicação pelo álcool, por venenos alimentares, uremia, albuminúria, ou até um gasto exagerado da atividade motora e esgotamento por excesso de emoções, desencadeando em um segundo tempo alterações celulares nervosas, principalmente sobre as células da matéria cinzenta, gerando um estado de hipoatividade, meio funcionamento, estado intermediário entre a atividade e o sono.
Em um terceiro tempo, haveria uma ptose, que seria um hipotônus muscular e glandular onde ele dizia que se baseava todo o quadro sintomatológico, como também toda a anatomia patológica da neurastenia. A neurastenia seria uma doença da fraqueza, essencialmente constituída por um enfraquecimento muscular, uma pobreza de secreções e um desgaste da nutrição. Ele acrescentava ainda que a todo desgaste do sistema nervoso correspondia uma sensibilidade geral por toda a parte uniformemente diminuída: não como zona de anestesia dos histéricos. Ele relacionava todos os sintomas somáticos e estados mentais que decorreriam de uma hipotonia muscular dos músculos de fibra lisa (visceral) ou de fibras estriadas (cardíacas e esqueléticas). Cada hipotonia muscular corresponderia a um sintoma somático, de acordo com o órgão a que esse músculo pertencia.
Desta mesma forma, relacionava a hipossecreção glandular gástrica, pancreática, hepática, salivar, cutânea e testicular, os sintomas daí decorrentes e o estado da nutrição com uma diminuição da atividade da redução do sangue arterial e venoso, um abaixamento por vezes apreciável da temperatura, um excesso de ácido úrico, diminuição da uréia e um abaixamento dos coeficientes de oxidação. Em um quarto tempo, fase que ele atribuía às modificações do estado mental, haveria, como conseqüência de toda esta sintomatologia, uma alteração nos pacientes que se tornariam tímidos, medrosos, preguiçosos, melancólicos.
E, assim, ele concluía a neurastenia e todo o conjunto de sintomas que apresenta dizendo que estes pacientes dependeriam de um desgaste nervoso, sendo primitivamente uma doença do tônus e secundariamente doença da nutrição, ocasionada seja por uma intoxicação, por um gasto excessivo de energia ou por um abuso de irritação emocional. Envenenado ou desgastado, o cérebro passaria a funcionar em um estado de meia atividade vital, não comandando mais os órgãos e gerando um abaixamento funcional dos músculos, das glândulas, dos sistemas de nutrição, se refletindo por seu turno na consciência (espírito) que é o que propriamente se constituiria no estado mental neurastênico.
Em definitivo, a fadiga comporta uma noção complexa que não pode ser fidedignamente estudada, senão pela análise dos diversos elementos que a compõem. Entretanto, seu conhecimento preciso em domínios tão diversos como a Psicologia, a Sociologia, a Biologia, a Psiquiatria, a Medicina, a Filosofia etc. não permite repudiar a noção de energia nervosa global, que, por mais hipotética que seja, possui um valor incontestável na clínica, segundo Mirouze.
Diagnóstico Diferencial (resumido)
Segundo a CID-10 "em muitos países a neurastenia não é mais uma categoria diagnóstica geralmente aceita de doença neurótica, e muitos dos casos assim diagnosticados no passado atenderiam aos critérios atuais de distúrbio depressivo ou distúrbio de ansiedade. Entretanto, pode existir um resíduo de casos que se enquadram melhor na descrição da neurastenia do que na de qualquer outra síndrome neurótica, e tais casos parecem ser mais freqüentes em algumas culturas do que em outras.
Se é para ser adotada a categoria diagnóstica neurastenia, deve-se antes fazer uma tentativa de excluir a possibilidade de estar diante de uma doença depressiva ou de um distúrbio de ansiedade. A marca genuína da síndrome é a ênfase do paciente na fatigabilidade e na fraqueza, e sua preocupação com uma eficiência física e mental diminuída (em contraste com distúrbios somáticos nos quais as queixas corporais e a preocupação com a doença física dominam o quadro), Se a síndrome da neurastenia se desenvolve como conseqüência de uma doença física (especialmente influenza, hepatite viral, ou mononucleose infecciosa), o diagnóstico desta última deve também ser registrado."
Temos que distinguir a neurastenia: da hipocondria, das depressões, de quadros de fraquezas, de anedonias que aparecem após alguns episódios psicóticos, como também das doenças infecciosas, principalmente certas infecções crônicas ou subagudas, tais como a brucelose, mononucleose infecciosa, virose por Epstein-Baar etc., distúrbios endócrinos como no hipo e hipertireoidismo, doença de Addison, panhipopituitarismo, doença de Simmond e também numa série de distúrbios metabólicos particularmente aqueles que envolvem o potássio e os produzidos por certos diuréticos. No entanto, poderíamos falar também de uma síndrome neurastênica presente secundariamente tanto em patologias mentais quanto em orgânicas.
A fadiga pode ser definida como um estado corporal resultante de um esforço físico ou mental, prolongado ou repetido que irá se refletir em várias funções psíquicas, físicas, levando-as a reduzir sua performance, seja em quantidade ou em qualidade. Assim , por exemplo, conhecemos a fadiga da contração muscular que tem sido muito descrita entre os estudos da fisiologia.
A fadiga mental pode trazer uma diminuição da capacidade de concentração ou de fixar a atenção levando freqüentemente a uma redução da capacidade de memorizar (hipomnésia de fixação) ou mesmo de evocar. Esta alteração pode ser medida através de testes que avaliam a capacidade e o conteúdo da atenção e a suscetibilidade à distração. Assim, a fadiga pode ser medida nas pessoas normais, do ponto de vista físico, no trabalho mental, em funções de vigilância (que estarão todas afetadas) e nas performances de tarefas de percepção (Jain, 1983). Fatores da personalidade têm uma importante participação nas queixas de fadiga. Se a fadiga é uma resposta fisiológica, uma percepção psicológica ou sintoma de uma doença física ou mental, estes são questionamentos não esclarecidos.
Um aspecto importante para a clínica psi vem a ser a relação entre a fadiga das funções psicopatológicas e os estados mentais anormais. No futuro, estudos sobre a fenomenologia da fadiga (que ainda não foram feitos) poderão diferenciar os sintomas de fadiga encontrados na depressão, na ansiedade, em quadros pós-encefalíticos, pós-traumáticos, além das outras causas já citadas.
Após os trabalhos de George Beard todos os estudos e atenção sobre a astenia eram voltados para seus aspectos psicológicos, porém a partir do primeiro quarto deste século, a atenção sobre a fadiga foi deslocada para a preocupação que as pessoas portadores destes sintomas tinham para com o corpo ou algum órgão, isto é, aquilo que vem a ser chamado hipocondria. Nas revisões de Wood e de Jones Lewis (1941), os distúrbios funcionais em soldados foram concentrados nas queixas somáticas hipocondríacas, enquanto os sintomas psicológicos que haviam sido descritos por Beard, Kraepelin, Charcot e tantos outros passaram a cair no esquecimento. Já nos anos 80, os sintomas de fadiga foram monopolizados pelos infectologistas, imunologistas, clínicos gerais, neurologistas, epidemiologistas, onde os artigos que mais chamavam a atenção eram aqueles ligados à fadiga pós-viral ou encefalomielite miálgica, entre outros (Behan & Behan, 1980; Behan, 1985; Hamser, 1986).
A fadiga parece ter várias causas, mas alguns autores acham que existe uma síndrome de fadiga primária, onde não se conhece nenhuma causa física ou mental para ela. Holmes, Kapla, Gantz descreveram a síndrome de fadiga crônica. A sua definição requer o preenchimento de dois critérios maiores e de seis a 14 critérios menores. Os critérios maiores consistem de:
1) o início ou o retorno de uma persistente e debilitante fadiga que não é solucionada com o repouso ao leito ou com uma redução da atividade diária para um nível menor do que a metade das atividades realizadas pelo paciente antes de adoecer, por pelo menos seis meses;
2) a exclusão de outras causas conhecidas que possam provocar sintomas semelhantes tais como infecções específicas, neoplasma, distúrbios da psiquiatria ou doenças endócrinas.
O The Minor Criteria incluem: febre moderada, irritação na garganta, fraqueza muscular, mialgias, artralgias, cefaléias e sintomas neuropsicológicos.
Ao se tentar fazer uma revisão sobre as possíveis causas de fadiga crônica, tem-se logo a impressão da impossibilidade de serem citados todos os fatores envolvidos neste estado. Destaco os fatores psicológicos, como dificuldade de inserção profissional, problemas familiares cuja persistência contribui freqüentemente para desencadear um estado de tensão e que vai levar como conseqüência, a um cansaço crônico, a persistência de uma infecção difícil de identificar no qual a astenia poderia eventualmente ser o único elemento, como um foco de salmonela ou estafilococo ou um foco de brucelose; existência de um estado de hiperergia, causa de efeitos nefastos como no caso da evolução de certas bruceloses; de uma causa orgânica subjacente não diagnosticada e que poderia ter já favorecido o desencadeamento de infecção, como no caso a infecção por listeria ao qual sugere muito especialmente a se buscar uma doença imunossupressora; uma perturbação metabólica descompensada, como no caso a diabete e a hipercalcemia.
Entre as causas endócrinas cito a doença de Addison e também a sua reprodução pela redução ou abrupta interrupção de corticosteróides em pacientes submetidos a tratamento a longo termo (Hennemann & cols., 1955). O exercício parece freqüentemente produzir alterações endócrinas provocando a elevação das catecolaminas circulantes, do hormônio de crescimento, corticotrofina, cortisol e glucagon, com a diminuição da insulina e da testosterona (Dessybris & cols., 1976). Podeliahoff (1981) relata em seus estudos com 25 pacientes com fadiga crônica comparados com grupo-controle, um com baixo nível de cortisol pela manhã. Já Checley & Krammer (1987) relataram, em pacientes deprimidos, uma alteração da elevação normal do cortisol plasmático induzido pela anfetamina, sobretudo na insuficiência cortical da supra-renal que comporta uma parte importante da fadiga. Entre outros fatores, intervém aqui a carência em glicocorticóides.
O resultado é uma perturbação da utilização da glicose pela célula, um defeito de fosforilação, diminuindo a síntese de ácido lático. É necessário ter também em conta a deficiência mineral a qual provoca modificação da permeabilidade da membrana celular. A insuficiência medular da supra-renal intervém através da ação proteolítica e glicolítica das catecolaminas. Estas provocam normalmente um aumento da ação da adenilciclase celular. A insuficiência tireoidiana leva a uma baixa do anabolismo protéico com uma diminuição do metabolismo energético. A insuficiência androgênica pode provocar igualmente uma redução dos fenômenos anabólicos.
Essas alterações endócrinas podem também ser conseqüência de um estado infeccioso, pois na medida em que ele constitui um stress impõe um aumento das necessidades que desencadeiam uma resposta do sistema endócrino supra-renal, tanto da sua função medular através das catecolaminas, como da sua função cortical através do cortisol. Esta estimulação supra-renal que pode ser prolongada é, portanto, suscetível de provocar uma insuficiência relativa, fonte da astenia.
Alguns distúrbios da clínica psi podem ter como sintoma a fadiga que é considerada um conceito suficientemente válido para ser incluído em um critério operacional para depressão maior, distimia e distúrbio de personalidade ciclotímica, de acordo com a DSM III-R (American Psychiatric Association, 1987). Fadiga é também incluída na escala de Beck (Beck &cols., 1979) e de Hamilton (1967, Depression Hamilton Scales) e no General Health Questionary (GHQ) de Goldberg (1972). Todas estas escalas também incluíam itens concernentes à perda de peso e diminuição do sono, que poderiam secundariamente provocar fadiga. Assim, é importante saber se a fadiga na depressão é independente dos outros problemas e sintomas da própria depressão. Existem relativamente poucos trabalhos que procuram estudar a relação entre a fadiga e estados específicos do humor.
Em certos pacientes com bulimia nervosa, Fairburn & Cooper (1984) descreveram os sintomas de cansaço, falta de energia e lentidão, que também podem ser encontrados em pacientes com hiperventilação crônica assim como em certos alcoólicos. Estas desordens produzem uma complexa modificação nos íons de potássio, magnésio, cálcio e fosfato, os quais diretamente prejudicam o músculo e o nervo, afetando ambas as atividades elétrica e metabólica (Brashear, 1983; Fonescha & Harvard, 1985; Pearson, 1986). Sabe-se que pacientes com hipocalemia podem apresentar fraqueza muscular, confusão e depressão (Lishman, 1988). Porém, isto é mais comum em pacientes idosos. Deficiência pura de magnésio pode provocar depressão, irritabilidade, vertigem, ataxia e fraqueza muscular (Hanna & cols., 1960).
A síndrome de dispnéia do sono leva à sonolência diurna, fadiga, cefaléia matinal, irritabilidade e impotência, devido às crises de hipóxia que se repetem durante a noite (Orr, 1983; Guilleminault, 1985), A maior parte destes pacientes são obesos, tendo o hábito de ingerir uma grande quantidade de álcool, além de poderem apresentar uma disfunção de lobo frontal.
No desenvolvimento da fadiga muscular de causa física, uma variedade de modificações metabólicas podem ser apontadas, como o acúmulo de ácido lático, os efeitos da acidose intracelular no uso e no suplemento de ATP e acúmulo de fosfatos inorgânicos. Mas, o capítulo que tem despertado maior atenção entre os estudiosos hoje em dia é aquele das astenias pós-infecciosas. No conjunto das astenias de origem orgânica, as doenças infecciosas foram responsabilizadas por 19% dos casos em um estudo sobre 257 pacientes astênicos dos quais 218 tinham uma patologia orgânica (Leng, B).
Todas as doenças infecciosas são suscetíveis de desencadear uma astenia pós-infecciosa. Porém, em geral, esta astenia se deve ao próprio desgaste do organismo e também ao fato de o paciente ter que ficar deitado muito tempo com uma atividade física limitada. Em geral, estes pacientes se recuperam no final de algum tempo. Sabe-se que a interleucina 1, produzida em conseqüência de uma severa infecção, pode aumentar a proteólise muscular e a síntese de prostaglandina E2 a qual por sua vez estimula futuras alterações protéicas neste tecido (Clowes & cols., 1983; Bracos & cols., 1983).
Embora estes fenômenos possam não causar fraqueza muscular, eles podem ser responsabilizados por cansaço fácil residual durante a convalescença. Neste conjunto, onde todos os agentes infecciosos podem ter sua parte de responsabilidade (bactérias, vírus, fungos e parasitas) é talvez interessante destacar que são os agentes que se desenvolvem intracelularmente (chamados parasitas intracelulares facultativos) que são os responsáveis, na maior parte dos casos, pelas astenias intensas e prolongadas. A observação clínica tem confirmado que as grandes fadigas são secundárias a infecções por bacilos como a tuberculose, a brucela, salmonelas tífica e paratíficas ou secundárias a doenças viróticas como a gripe, a hepatite viral ou a mononucleose infecciosa. De forma oposta, as infecções comuns por outros agentes como faringo-amigdalites, infecções urinárias etc. são menos asteniantes.
As doenças infecciosas por agentes intraceIulares mais asteniantes parecem ser igualmente aquelas que irão intervir na imunidade celular. Pode ser que o agente infeccioso provoque uma depressão temporária desta imunidade como no caso de inúmeras viroses. Pode ser ao contrário, que o agente infeccioso provoque uma hiperestimulação da imunidade celular, como na brucelose crônica, caracterizada clinicamente por sua grande astenia e confirmada por uma reação cutânea explosiva melitina.
As Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) na sua maioria apresentam um cortejo sintomático que não há de passar despercebido nem pelo próprio paciente. É o caso da AIDS e todas as suas infecções oportunistas que aparecem. Mas temos de lembrar da Hepatite C, que pode ser silenciosa, cujo portador pode não se dá conta de ser vítima. Se ela estiver em atividade, e dependendo da carga viral, poderá trazer um quadro clínico compatível com a neurastenia.
Outras doenças infecciosas que também mais facilmente causam astenia prolongada são aquelas que também afetam o fígado. Sabe-se que só nas afecções hepáticas citolíticas se observam as astenias mais longas, como nas hepatites virais, além da C, já mencionada, na infecção por citomegalovírus ou na infecção por vírus de Epstein-Barr sobre as quais falo mais adiante. Há um comprometimento hepático constante que, podendo não ser clínico, é pelo menos biológico e sempre anatômico. O mesmo acontece com certas bruceloses, com a tuberculose e com parasitoses de localização hepática, como a amebíase.
A tuberculose reapareceu no mundo da epidemiologia, em virtude dos aidéticos que lhe dão hospedagem. Destaco a sua alta incidência na classe médica pela grande exposição ao bacilo da tuberculose no contato com aidéticos.
Outras infecções podem estar envolvidas na origem da astenia pós-infecciosa, como, por exemplo, aquelas onde existe um grande comprometimento hematológico com queda do leucograma, como nas viroses que cursam com o aparecimento de uma anemia de qualquer tipo, no quadro de uma síndrome inflamatória muitas vezes prolongada ou quando há comprometimento dos glóbulos vermelhos como no decurso da malária.
Dentre os mecanismos que tentam esclarecer os fenômenos da astenia nas infecções, temos que a agressão celular por um agente infeccioso, vírus ou bactéria provoca uma alteração morfológica e/ou funcional da célula e, portanto, do tecido que ela compõe. Resultam perturbações metabólicas, em particular do metabolismo energético. Normalmente as etapas essenciais do metabolismo, do catabolismo, glicólise, ciclo de Krebbs e fosforilação oxidativa conduzem à produção de ATP, o elemento energético principal. Daí resulta o bom funcionamento dos diferentes metabolismos e a possibilidade de desenvolver calor e trabalho (Roquier, 1980).
De igual forma, a via anexa das pentoses, por intermédio do ATP constitui uma reserva energética importante. Ela serve para síntese dos ácidos nucleicos e, portanto, das proteínas e das enzimas que nos são necessárias. É fácil conceber que quando este funcionamento é perturbado, pode-se instalar um estado de desequilíbrio, fonte de astenia, o qual só é reparado com a reconstrução celular. A importante astenia pós-hepática encontra aqui sua explicação quando se conhece todas as funções metabólicas controladas pelo fígado.
Outra hipótese é a do hipercatabolismo e a insuficiência dos aportes. O hipercatabolismo provocado pela infecção pode ser importante, colocando todo o organismo em balanço negativo. O tétano é, sob este aspecto, um exemplo bem conhecido de uma doença hipercatabolizante. De igual forma, o consumo de fatores nutritivos e o bloqueio das absorções de nutrientes pelos parasitas provocam perda energética. É necessário juntar a isto a anorexia, tão freqüente durante a fase aguda da infecção, a qual diminui os aportes energéticos. Também a febre, que apesar de atuar como fator de defesa, aumenta as necessidades energéticas, ao mesmo tempo que queima calorias. O conjunto destes fenômenos conduz a um balanço energético francamente negativo e uma dívida que deve ser reembolsada mais ou menos rapidamente.
Outro aspecto diz respeito às modificações dos mecanismos imunitários. A defesa celular não específica, isto é, dos fenômenos da fagocitose e dos processos que ocorrem na inflamação, como também a específica, baseada na ativação dos linfócitos T e ativação da síntese dos anticorpos pelos linfócitos B, exigem um aumento energético que o organismo deve assegurar. Em oposição, sabe-se que certos vírus deprimem, sobretudo a imunidade celular T-dependente, que pode ser verificada através da negatividade das reações cutâneas de hipersensibilidade retardada. Existem modificações das subpopulações linfocitárias no decurso das viroses, perturbando o equilíbrio entre células T amplificadoras, por vezes diminuídas e células T supressoras, citotóxicas, muitas vezes aumentadas. Finalmente, a fagocitose dos polinucleares e dos monócitos macrófagos está diminuída pelo efeito de algum vírus (Vilde & cols., 1984), resultando em um risco de astenia pós-infecciosa.
Ao lado destes mecanismos deve ser evocado o papel das terapêuticas anti-infecciosas que freqüentemente podem levar a um estado também de astenia, como é o caso, por exemplo, da ação imunodepressora dos antibióticos.
Nos anos 40 e 50 foi designado de brucelose crônica uma síndrome não específica de dores de cabeça, lassidão e alguns elementos de depressão encontrados em pacientes que tinham apresentado infecção por brucela. No estudo de pacientes convalescentes de brucelose aguda, achados clínicos objetivos e laboratoriais não distinguiam pacientes que se recuperavam nomalmente daqueles que continuavam a ter sintomas de brucelose crônica. Isto poderia estar ligado a fatores emocionais (lmpoden & cols., 1959).
Uma virose que tem sido descrita com o nome de neuromiastenia epidêmica, encefalomielítica miálgica benigna, doença de Iceland ou doença do Royal Free Hospital, tem ocorrido de forma esporádica em associação com sintomas não específicos de fadiga crônica, fraqueza, mialgia, perda de memória e depressão (Henderson & cols., 1950; Achesond, 1959), Essa doença começa subitamente com mialgias, dor de cabeça e por vezes febre não muito elevada. Os achados laboratoriais, incluindo os resultados dos exames de líquido cérebro-espinhal em geral são normais e a doença costuma ser registrada nos meses de verão e mais comumente atingindo mulheres. A doença é também muito freqüente no staff de hospitais. Apesar dos estudos virológicos se mostrarem negativos, o quadro clínico sugere uma causa virótica. A recuperação demora, meses e por vezes anos, podendo haver muitas recaídas. O grau de incapacidade física varia grandemente, mas o que domina o quadro clínico é uma fadiga muito grande.
Embora a doença comece subitamente, sem causa aparente, o sintoma que mais freqüentemente surge no início é um ataque agudo de vertigem e história de infecção virótica recente, associada a sintomas do trato respiratório superior e ocasionalmente distúrbio gastrintestinal com náusea e vômito. O quadro de fadiga persistente é acompanhado de cefaléia, dores no pescoço, fraqueza muscular, parestesia, micção freqüente, por vezes retenção urinária, visão embaçada e/ou diplopia (visão dupla). Muitos pacientes relatam a ocorrência de sensação de desmaio, após uma pequena refeição ou mesmo após terem comido um biscoito. Exames físicos de rotina e provas laboratoriais usualmente são negativos e os pacientes são freqüentemente encaminhados ao clínico psi em função disto.
Embora o fator ou fatores etiológicos ainda não estejam estabelecidos, tudo leva a crer que seja realmente uma infecção virótica. É reconhecido que vírus como o Herpes simples e Varicela-zoster permanecem no tecido desde o tempo da sua invasão inicial e podem ser isolados no nerve ganglia post-morten. Também os measles virus costumam persistir e podem ser responsabilizados por sub-acute esclerosing panencephalits que pode surgir muitos anos após o ataque inicial. Há hoje em dia, consideráveis opiniões e evidências associando este vírus com a Esclerose Múltipla. Não é absurdo de todo considerar a possibilidade de que outros vírus possam também persistir nos tecidos.
Recentemente, em testes de anticorpos de rotina, pacientes sofrendo de encefalomielite miálgica têm mostrado títulos aumentados de coxsackie group bi-virus. Está estabelecido também que estes vírus são os agentes etiológicos de mialgia epidêmica ou Bornholm Disease e junto com os echo vírus eles constituem os mais conhecidos vírus invasores do sistema nervoso central.
Isto não significa que o coxsackie vírus é o único agente da encefalomielite miálgica, desde que qualquer infecção virótica generalizada pode ser seguida por um período de debilidade pós-virótica. No entanto, ele pode ser o mais importante agente microbiano invasor. Recentes trabalhos sugerem que a chave deste problema pode estar relacionada a uma resposta imunológica anormal do organismo do paciente. Outras infecções viróticas que são normalmente autolimitadas podem ter atividade prolongada em pessoas com sistema imunológico comprometido.
Muita atenção tem sido voltada para pacientes com sintomas de fadiga, faringite, disfunções cognitivas que duram mais de um ano e que tenham um aumento na circulação de anticorpos do Epstein-Barr. Tem sido então, atribuído ao vírus de Epstein-Barr, isolado a partir de 1985 no Centro Epidemiológico de Atlanta. Muitas das fadigas severas crônicas com mais de um ano de duração, fraqueza, mal-estar geral, febrícula, inflamação da laringe, adenopatia sensível, alteração da memória, distúrbio da atenção, da concentração, estado depressivo com ausência de anomalias maiores ao exame clínico assim como laboratoriais, estado febril entre 37,5 e 38,6 graus, fraqueza muscular, mialgias, fadiga prolongada e generalizada após exercícios, cefalalgias, irritabilidade, alterações do sono etc.
Através da combinação de um complexo de sintomas não específicos, com alto nível de anticorpos para o vírus de Epstein-Barr em grupos sintomáticos comparados aos grupos-controle pode-se chegar à conclusão de que existe uma síndrome virótica crônica de Epstein-Barr. No entanto, é preciso dizer que existiu uma substancial superposição nos níveis de anticorpos encontrados nestes dois grupos estudados. Além disso, deve-se ressaltar que anticorpos para antígenos precoces podem persistir, inclusive por muitos anos em alguns pacientes com infecção por mononucleose não-complicada.
Acrescenta-se também que não há evidência para a ocorrência do aumento da replicação do vírus ou de defeitos na imunidade celular na síndrome crônica pelo vírus de Epstein-Barr. Muitos autores concluem que em vista da natureza não-específica dos sintomas, várias dúvidas têm surgido sobre o papel causal do vírus (Strauss & cols., 1985; Holmes & cols., 1988). O fato destas doenças obscuras causarem tantos sintomas não-específicos levou à recomendação de considerar estes quadros como uma Síndrome de Fadiga Crônica [Primária] (Holmes, 1988) que pode ter como base (apesar de como já citado, não existirem evidências concretas) uma replicação ativa do vírus. O que é mais provável é que com o tempo esta síndrome prove ter causas múltiplas somáticas e psicossomáticas (Jwartz, M., 1988).
Recentemente muita atenção passou a ser dada à queixa de fadiga entre cuidados primários de saúde. Segundo o The National Ambulatory Medical Cares Survey, Summary, a fadiga é um dos sete mais comuns sintomas encontrados em cuidados primários. No entanto, poucas pesquisas e estudos retrospectivos e controlados têm sido feitos para identificar realmente o que isso significa. Segundo Korenke & cols., em amostragens de 1159 adultos entrevistados em clínicas de cuidados primários, 276 pacientes (24%) apontaram a fadiga como seu maior problema. A fadiga é, na verdade, difícil de ser estudada, tanto pelas suas peculiaridades, subjetividades e obstáculos para quantificá-Ia, como também, porque muitas vezes é vista com uma queixa menor. No entanto, a fadiga crônica incapacita freqüentemente muitos pacientes, além da grande freqüência de absenteísmo ao trabalho, baixa produção e uma série de problemas psicológicos, familiares e sociais que o sintoma pode gerar nesses pacientes.
Segundo vimos, várias doenças podem provocar fadiga crônica, apesar da grande maioria dos pacientes sofrer do que pode ser chamado de fadiga primária, em virtude de nenhuma outra causa ser encontrada que possa ser responsabilizada pelos sintomas. São pacientes que apresentam consistentes e poderosos achados em testes psicométricos combinados com ausência de alterações físicas e laboratoriais; está comprovado que os fatores emocionais desempenham um importante papel nestes casos. Os clínicos em geral subestimam as limitações funcionais destes pacientes resultando em um tratamento inadequado e uma insatisfação por parte dos pacientes (41-42 Wartma Artm. A.N. & cols., 1983; Pinholet & cols., 1987).
Pacientes com fadiga são mais sedentários que os grupos-controle. Exercícios podem ser benéficos na depressão e na ansiedade (Taylor & cols., 1985), mas não parecem apresentar grandes benefícios em casos de fadiga. Vários testes têm sido desenvolvidos para melhor avaliar os déficits cognitivos da fadiga como também para melhor identificar a fadiga entre pacientes vistos em cuidados primários de saúde. Entre pacientes psiquiátricos utiliza-se o Diagnostic Interview Schedule e atualmente outros screenings para melhor identificar estes pacientes já estão sendo desenvolvidos por Goldberg & cols., em estudos da Organização Mundial de Saúde.
Excluindo as causas orgânicas citadas, como também as causas psíquicas conhecidas, onde a fadiga existe, como, por exemplo, depressão maior (endógena), neurose depressiva (melhor dizendo, depressão neurótica), transtornos distímicos, ciclotímicos, hipocondria e somatização, existe um grupo significativo de pacientes, cujas queixas de fadiga prolongada e fadiga ao menor esforço físico e intelectual são acompanhadas de uma série de sintomas, conforme já mencionamos e que varia de paciente para paciente, mas que geralmente são cefaléias, mal-estar geral, mialgias, artralgias, dores na nuca, mal-estar gastrintestinal, dores musculares, sensações vertiginosas, distúrbio da atenção com dificuldade de fixação, memorização e evocação, pensamento lentificado, morosidade na ação. Este cortejo sintomatológico compromete a personalidade do indivíduo como um todo, que passa a se estruturar ao redor destes sintomas como também afeta a sua vida social, familiar e profissional.
Em busca de uma explicação comum situada ao nível do sistema nervoso central, muitos estudos passaram a ser desenvolvidos. As primeiras hipóteses concentraram-se no sistema dopaminérgico pelo fato deste envolver-se em síndromes de diversas origens que cursam com desinteresse, anedonia e astenia. O estudo de Puech, Simon e Boissier mostrou que certos neurolépticos bloqueadores dopaminérgicos, isto é, que antagonizam os efeitos dopaminérgicos da morfina, poderiam se mostrar desinibidores em clínica, sendo capazes de potencializar os efeitos produzidos pela apomorfina sobre o comportamento animal. No entanto, esta potencialização dar-se-ia somente em doses baixas.
Surgiu a questão de saber se os efeitos clínicos desinibidores estariam ligados à facilitação da transmissão dopaminérgica. O interesse por este assunto é anterior, pois já sabíamos da descrição dos chamados sintomas negativos da esquizofrenia, classicamente descritos na síndrome de dissociação com pobreza afetiva, assim como desinteresse, apatia, anedonia, alterações da atenção, da memória, falta de iniciativa, lentidão psicomotora, pobreza de discurso, acinesia e hipertonia. A maior parte dos neurolépticos utilizados na prática clínica mostraram-se ineficazes sobre estes sintomas negativos, porém, nos anos 60, observou-se que alguns deles tinham ação positiva sobre estes sintomas.
Esta propriedade já havia sido chamada por Deniker & Ginester de efeito desinibidor. No entanto, os estudos sobre estes efeitos ainda são raros e o primeiro instrumento de medida de sintomas negativos começa a surgir somente após os anos 80. Yves Lecrubier diz que o termo antideficitário é proposto para descrever esta propriedade terapêutica e que se refere não somente a uma categoria nosográfica dada, pois seria transnosológica. Segundo este autor, certos pacientes, os quais ele chama de deficitários, parecem apresentar esta síndrome, pois se queixam de uma fadiga permanente, crônica com diminuição do dinamismo, lentidão, dificuldades da memória, dificuldade da concentração, falta de iniciativa, embotamento afetivo: pensa-se que este quadro estaria associado a uma atividade dopaminérgica reduzida.
Estes pacientes foram classificados de depressivos neuróticos e pela DSM III como distímicos, mas, no entanto, nunca responderam aos antidepressivos tricíclicos apesar de apresentarem resultados moderados com os inibidores da monoaminoxidase, IMAO. Carnoy, Sobrie, Puech & Simon procuraram observar estudos com modelos animais compatíveis com a sintomatologia negativa encontrada nos esquizofrênicos e consideraram a possibilidade de uma resposta deficitária a um estímulo de recompensa, (rewarding estimule) ser a base para alguns dos sintomas do quadro da doença.
O termo anedonia tem sido usado para descrever um estado no qual o valor de recompensa de estímulos habitualmente reforçadores está bloqueado. A anedonia é um componente integral dos sintomas negativos na esquizofenia: uma resposta deficiente a estímulos recompensadores pode assim ser encarada como explanação plausível para alguns aspectos da doença (Crow, 1980; Mackay, 1980; Andreasen & 0lsen, 1982), Por outro lado, em razão de os neurolépticos, em diversos estudos animais, reduzirem as taxas de operatividade, isto foi imputado a um estado de anedonia (Wise, 1982). Isto pode ter importantes implicações em relação à suposta hiperativa transmissão da dopamina (DA) na esquizofrenia (Lecrubier & cols., 1980; Cartton & Manowitz, 1984), da mesma maneira que sugere que sintomas negativos, especialmente a anedonia, podem estar associados a uma reduzida atividade dopaminérgica.
Suportes complementares a estas idéias vieram da evidência clínica, indicando que sintomas negativos e positivos apareciam em extremos opostos de um continuum. A partir disto tentaram desenvolver modelos animais fidedignos para estudar esta hipótese.
"Decidimos investigar se baixas doses de agonistas DA (por exemplo, apomorfina), que se supõe reduzam a transmissão DA através da estimulação de DA auto-receptores (Roth, 1979; Skiboll & cols., 1979), podem também produzir déficits de recompensa em ratos. A apomorfina é conhecida como causando debilitação comportamental, inclusive hipocinesia ou sedação (Ki Chiara & cols., 1976; Costall & cols., 1981; Summers & cols., 1981; Misslin & cols., 1984), foram feitas tentativas para determinar o envolvimento relativo de efeitos motores versus efeitos do reforço em déficits de recompensa induzidos pela apomorfina. Finalmente, a propriedade de vários neurolépticos de reverter esses déficits de recompensa foi avaliada."
Em conclusão, uma resposta deficiente a estímulos de recompensa é proposta como um fator subjacente crítico para alguns aspectos (por exemplo, anedonia) da sintomatologia negativa de esquizofrenia. O presente estudo indica que em ratos, as baixas doses de apomorfina que se pensa reduzirem a transmissão de DA podem, como os neurolépticos, induzir a déficits comportamentais que provavelmente envolvem um valor de incentivo diminuído dos estímulos associados com reforço positivo.
Embora seja ingênuo esperar uma correlação precisa entre a capacidade da apomorfina (neurolépticos) de modificar o comportamento operativo em roedores e a sintomatologia extremamente complexa da doença humana, o presente estudo sugere que alguns sintomas negativos da esquizofrenia, tais como respostas deficientes a estímulos de recompensa, estejam provavelmente associados à transmissão diminuída de DA. Isto pode se estender ao nível de seus substratos bioquímicos - a relatada oposição entre sintomatologia negativas e positivas (Mac-Kay, 1989; Andreasen & Olsen, 1982), Além disso, alguns neurolépticos, eficazes em reverter os déficits de recompensa induzidos pela apomorfina, têm sido apontados como capazes de fazer melhorar preferencialmente os sintomas negativos (Petit & cols., 1984; Alfredsson & cols., 1985),
Embora sejam necessários ensaios clínicos adicionais para avaliar o grau de relevância de nosso modelo animal, os resultados aqui relatados levantam a questão de se o bloqueio dos receptores DA pós-sinápticos é ou não é um pré-requisito para a melhora de esquizofrênicos com sintomas negativos.
Em 1987, Yves Lecrubier em um artigo intitulado Multiple Pharmacological Mechanisms and Clinical Targets for Neuroleptics: Should a more operational classification be considered?, afirma que os efeitos desinibidores de alguns neurolépticos, há longo tempo descritos, podem melhorar os sintomas negativos, através de modificações hipodopaminérgicas funcionais. Segundo este autor, este efeito "energizante" pode ser observado em pacientes não-esquizofrênicos, que mostrem sintomas negativos. Propõe chamar de psicastênicos pacientes anedônicos, mas não propriamente deprimidos, considerando-os portadores de uma síndrome hipodopaminérgica.
Ele realizou um estudo procurando melhor definir estes doentes, sua sintomatologia e diagnóstico. A hipótese dele é que existiria uma subpopulação de pacientes classificados na DSM III como distímicos que apresentariam uma síndrome onde o perfil sintomatológico pudesse ser individualizado de maneira operatória (através de critérios) que apresentassem uma reatividade terapêutica original. Puech, Simon & Boissier já haviam estudado as benzamidas e uma comparação de suas ações usando os efeitos induzidos pela 6-apomorfina. Alguns neurolépticos foram identificados como possuindo em baixas doses, este efeito desinibidor e, portanto, sensibilizador da dopamina, entre eles o sulpiride (Equilid), pimozide (Orap) e mais recentemente a amisulprida (Socian).
Em estudos controlados com placebo com amisulprida em pacientes que apresentavam o diagnóstico de distímicos, com queixa predominante de fadiga (o provável subgrupo de Lecrubier), encontrou-se uma resposta favorável nos pacientes compatíveis com o diagnóstico da CID-10, F48.0 (Neurastenia), com doses variando de 50mg a 150mg. Em função destes estudos, hipóteses de trabalho foram levantadas. Necessário se faz, portanto, identificar melhor os pacientes que apresentam certa queixa de fatigabilidade crônica seguida da sintomatologia já mencionada anteriormente e que parecem não se enquadrar em nenhum dos grupos da DSM III-R a não ser, talvez, um subgrupo do distúrbio distímico, mas que parecem se enquadrar no diagnóstico de neurastenia, de acordo com os critérios da CID-10.
Porém, em função das dificuldades de se avaliar e de se determinar com instrumentos precisos queixas tão subjetivas, como fadiga, necessário se faz a criação destes instrumentos para melhor identificar estes pacientes na população geral. Sabemos que a prevalência desses pacientes entre aqueles que procuram os cuidados primários de saúde é elevada (15% a 25%) o que por si, já justifica um estudo mais aprofundado desses quadros clínicos que podem aparecer secundariamente a uma série de patologias como esquizofrenias, depressão, Parkinson, estado pós-virótico e todos aqueles citados anteriormente, mas que podem aparecer também sem que se encontre nenhuma dessas justificativas para o quadro. Constituiria, portanto, de uma entidade nosológica, assim como uma síndrome que poderia estar presente em várias patologias.
Parece importante também, buscar os correlatos biológicos, principalmente os do sistema nervoso central, que envolvem uma baixa atividade dopaminérgica, no sentido de abrir perspectivas terapêuticas para esses pacientes, independente da causa desta síndrome.
Durante a história da neurastenia, vimos que ela foi abandonada pelo fato desses pacientes, ao buscarem uma explicação para os seus sintomas supervalorizarem o funcionamento de seus órgãos e sistemas orgânicos, o que os levou a serem identificados em muitos casos como hipocondríacos. Segundo o enfoque que o paciente dava, quer em relação a queixas orgânicas ou a queixas do plano psíquico, as interpretações variavam. Assim também, a atenção do próprio clínico privilegiava mais a dimensão das queixas psíquicas ou orgânicas, chegando a diagnósticos diferentes e propostas terapêuticas diversas. Achamos que na verdade, todos são sofredores do mesmo tipo de síndrome ou de patologia.
Outro aspecto que deve ser levado em consideração é o papel da personalidade que moldaria o quadro da patologia do doente (patoplastia). Uma sintomatologia que incapacita o indivíduo numa sociedade onde o valor do trabalho, do ganho da produção é muito importante, é evidente que gerará uma construção reacional, reativa da personalidade ao redor destes sintomas, aí entrando em jogo os fatores culturais e individuais que influenciam a formação da personalidade. Acreditamos que deve ser feita uma revisão da neurastenia nos tempos de hoje. Não foi sem razão que a neurastenia empolgou a medicina do final do século XIX e do início deste. Sabe-se que estes pacientes existem e em grande quantidade. Sabe-se ainda que eles não estão no consultório dos clínicos psi.
Estes pacientes são crônicos, fazem queixas múltiplas e mudam freqüentemente de clínico. Fazem muitos exames, têm um custo caro em termos de saúde pública, alto índice de absenteísmo de trabalho, com aposentadorias. Representam baixa resposta a diversas terapêuticas até hoje conhecidas e são dificilmente identificados de maneira unitária, sendo pulverizados numa série de diagnósticos, de acordo com os clínicos que os examinam. Faz-se necessário, portanto, a criação desses instrumentos (screenings) para a precisa identificação destes doentes, adequada descrição clínica, identificação deles na população dos pacientes que procuram atenção médica e mais tarde na população geral. Por outro lado, é importante o conhecimento da biologia desta síndrome, seja ao nível muscular, da atividade dos íons, da interação músculo-sistema nervoso central e aí do papel dos neurotransmissores centrais. Talvez haja uma explicação do porque tão diferentes pacientes apresentam também tanta coisa em comum.
A partir daí, poderemos buscar tratamentos adequados e estabelecer programas em níveis de prevenção primária para esta patologia ou síndrome. A nosso ver, com o nome de psicastenia, neurastenia, distimia, neurose depressiva ou timastenia, esses pacientes existem. Parece-nos que o nome que ainda mais se adequa é o de neurastenia, senão por outras razões, por uma razão histórica. Necessário, pois se faz, a revisão da neurastenia para o benefício de grande parcela de pacientes que sofrem desta síndrome de fadiga crônica, acompanhada de diversa sintomatologia orgânica.
Valendo-se das pesquisas que eu mencionei ao longo deste artigo o laboratório farmacêutico que sintetizou a amisulprida fez um grande marketing da assim chamada Síndrome da Fadiga Crônica [Primária], que esta, além de virar moda, tornou-se um daqueles diagnósticos, tipo "saco sem fundo", como, o são a Síndrome do Pânico, a Demência de Alzheimer e o DHDA (ou TDAH).
Em função da inconsistência, até agora, deste diagnóstico, e deste fármaco, o oportunismo medicamentoso-laboratorial para com a amisulprida deu em nada. Dificilmente será encontrada hoje nas farmácias. É possível até que o laboratório a tenha parado de fabricar. Este composto químico, evidentemente, não pegou.
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