15 de set. de 2011

Magnetismo

Introdução


Muito me incomoda quando místicos usam a ciência para tentar embasar suas crenças, adaptando e deturpando conceitos científicos ao bel prazer até que eles satisfaçam o suficiente para explicar dogmas e crendices.

Uma coisa que sempre me incomodou foi o uso indiscriminado do campo eletromagnético para explicar toda uma variedade de coisas sobrenaturais: chakras, passes espíritas, perispírito, aura, vibrações negativas, pensamento positivo que cura, telepatia, só para citar alguns.

Eu não sou físico, mas também não sou ingênuo nem analfabeto. Uma pesquisa rápida sobre o tema me mostrou que o eletromagnetismo é uma área abrangente e tem infinitas aplicações. O conhecimento de seu funcionamento básico já é o suficiente para entender os absurdos que as pessoas cometem ao querer usá-lo para explicar fenômenos sobrenaturais.

É um pouco deste conhecimento que lhes trago aqui. Um físico ou engenheiro  faria um texto mais completo, mas talvez não tão facilmente digerível aos leigos em exatas. De qualquer forma, nosso diretor geral da LiHS, Pedro Almeida, me ajudou com alguns conceitos. Como em outros posts, agradeceria se alguém puder indicar eventuais correções ou melhoramentos. Na tentativa de fazer um texto fácil, posso ter deixado passar algum trecho dúbio ou mesmo enganoso.

O texto é longo, mas o dividi em algumas seções para ficar mais fácil a leitura e espero que você, leitor(a), use este conhecimento para combater o mau uso da ciência por pessoas ignorantes ou picaretas mesmo. 


É muito comum os espíritas e místicos em geral usurparem o termo “campo eletromagnético” para explicar como ocorrem certos fenômenos que eles alegam existir. Eles fazem parecer que somos controladores destes campos e que interagindo com eles poderíamos realizar mágicas, ou entrar em contato com espíritos, enfim, despertaríamos para o mundo das coisas sobrenaturais. Novamente, não foi desta vez que os místicos e religiosos conseguiram nos convencer que o mundo fantástico deles (que eles tanto querem que exista) é uma realidade.

 

Um pouco sobre eletromagnetismo

Antes de prosseguir, precisamos do conceito científico e já bem estudado sobre o que é um campo eletromagnético. Você pode procurar por textos na internet, mas o vídeo abaixo (apesar de um pouco sonolento) lhe dará uma base para começarmos.

Pois bem, assim fica definido que a onda eletromagnética é esta mútua alternância entre uma variação de campo magnético que gera um campo elétrico (uma diferença de potencial entre dois pontos no espaço) e uma variação no campo elétrico que produz uma corrente e que gera um campo magnético, onde um sustenta o outro e ambos se propagam enquanto houver energia armazenada nos campos, esta energia alternando de um campo para o outro e propagando-se no espaço na forma ondulatória.

Um campo magnético pode ser calculado dividindo o fluxo magnético deste campo por metro quadrado e sua unidade no SI (Sistema Internacional) é o tesla. Esta unidade tesla é muito grande até mesmo quando queremos medir o campo magnético gerado pelo planeta Terra! Tanto que as medições costumam ser feitas em microTeslas (µT), ou seja, 1 tesla dividido em 1.000.000 (um milhão!) de unidades. A intensidade do campo na superfície da Terra neste momento varia de menos de 30 microteslas, numa área que inclui a maioria da América do Sul e África Meridional, até superior a 60 microteslas ao redor dos pólos magnéticos no norte do Canadá e sul da Austrália, e em parte da Sibéria.

Para poder comparar, vamos ver quantos microteslas produzem os campos magnéticos de alguns itens (os valores são aproximados e variam de acordo com a distância da fonte do campo magnético até o medidor do mesmo).

Material

Campo Magnético em microTesla (µT)

Ímã de geladeira

5.000

Secador de Cabelo

06 até 2.000

Barbeador

07 até 1.500

Planeta Terra

30 até 60

Microondas

20

Lavadora

3

Lâmpada Fluorescente

0,8

Torradeira

0,7

Forno

0,5

TV

0,4

Refrigerador

0,1

 

Campos eletromagnéticos na cura de doenças

Medições aparentemente triviais como estas foram feitas porque há uma preocupação com a perturbação que um campo magnético pode gerar nos seres vivos. Muita gente acredita que o uso prolongado do telefone celular ou a exposição contínua a fortes campos eletromagnéticos podem causar sérios problemas de saúde, como o câncer ou a catarata. “Não existe nenhuma comprovação científica de que as ondas eletromagnéticas do celular possam prejudicar a saúde”, esclarece Emiko Okuno, biofísica da USP. “Elas não são radiativas, pois não roubam elétrons do corpo.” A oscilação dessas ondas faz com que ocorra uma agitação das moléculas de água existentes no corpo humano, provocando um aquecimento de apenas 0,12 grau Celsius após uma exposição de 30 minutos. O rosto é a região que mais esquenta, pois possui muitos vasos sanguíneos e está mais próximo dessa oscilação. Mas não há nenhum indício de que isso faça mal.



Aliás, no campo da medicina o eletromagnetismo começa a ser utilizado para tratamentos cada vez mais efetivos em doenças como câncer e depressão. Num dos tratamentos em experimento no Brasil, o câncer é, digamos, empacotado por fios de aço inox. Uma corrente elétrica é acionada por períodos que podem chegar a cinco horas, gerando um campo magnético que perturba as células cancerosas que acabam permitindo que mais medicamento quimioterápico seja absorvido. Simultaneamente, o paciente recebe a aplicação de medicamentos quimioterápicos. “Essa estratégia diminui a possibilidade de que algumas partes do tumor não sejam afetadas pela corrente”, afirma o cirurgião Orlando Parise Junior, do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo. “Ela também aumenta a concentração do quimioterápico, o que torna mais eficaz a sua ação.”

Mais recentemente, vimos que a aplicação de um campo magnético de 2 Tesla através de um aparelho de estimulação magnética transcraniana foi capaz de perturbar a atividade elétrica dos neurônios e modificar o julgamento moral das cobaias. Uso similar de campos magnéticos sobre o cérebro já são usados no tratamento de depressão profunda. Isso porque os neurônios (como as demais células do corpo) produzem e são afetados por campos eletromagnéticos. Cada neurônio tem um potencial negativo de aproximadamente 70 miliVolts (-70 mV). Os impulsos nervosos responsáveis, entre outras coisas, pelos nossos pensamentos, ocorrem através de trocas de íons pela membrana da célula que cria uma diferença de potencial entre o interior da célula e o exterior. Uma pequena corrente elétrica é gerada e por sua vez altera a permeabilidade dos neurônios em volta, podendo desencadear um efeito cascata através da rede neuronal. Novamente, estamos falando em geração de campos eletromagnéticos ao longo do cérebro passíveis de serem perturbados por uma força externa.

 

Biomagnesitmo

A Magnetobiologia investiga os efeitos que os campos magnéticos podem produzir sobre os seres vivos. Ou seja, analisa os efeitos de campos incidentes sobre os organismos. Esta área comporta uma vasta gama de frequências e intensidades de campos magnéticos representados por todo o espectro eletromagnético, incluindo a analise dos campos magnéticos gerados por: equipamentos de ressonância magnética, linhas de alta tensão, aparelhos celulares, entre outros.

Por sua vez, o Biomagnetismo abrange os campos magnéticos gerados por organismos vivos ou por marcadores magnéticos inseridos nesses organismos. Assim, a faixa de campos de interesse deste é muito mais limitada. Sendo que, para os seres humanos, usualmente, as frequências de interesse situam-se entre 0Hz e 1kHz, e as intensidades, das densidades de fluxo magnético, entre 1fT (1 femtotesla) e 1 nT (1 nanotesla).

Campos magnéticos biológicos têm origem em correntes elétricas que percorrem algumas células (como no sistema nervoso e no coração) ou em materiais magnéticos acumulados em certos órgãos (como o fígado e o pulmão). Medir tais campos permite localizar com precisão a região que os produz e determinar a intensidade da corrente ou a concentração dos materiais. Essa tarefa é dificultada por sua baixa intensidade e pela presença de outros campos magnéticos (da Terra e da rede elétrica, por exemplo) muito mais intensos – o chamado “ruído ambiental”.


A medição destes campos magnéticos tão fracos só foi possível a partir de 1960, com o avanço da física e a criação dos SQUID (superconducting quantum interference devices), ou dispositivos supercondutores de interferência quântica. Como o nome indica, seu funcionamento baseia-se em um fenômeno quântico: o efeito Josephson. Eles podem medir campos da ordem de femtoteslas (fT que é uma grandeza de 10-15 T) e têm ampla aplicação na física, desde pesquisas com ondas gravitacionais até a construção de voltímetros altamente sensíveis.

Quando se consegue construir um dispositivo para medir campos magnéticos tão ínfimos, surge um sério problema: o ruído magnético ambiental é, em alguns casos, dezenas de milhões de vezes mais intenso que os campos que se pretende detectar. Como superar esse problema? A solução mais simplista é a construção de uma câmara magneticamente blindada. Para você ter idéia de quão fracos são os campos biomagnéticos, aqui vai uma breve lista. Repare que a maioria deles são milhões de vezes mais fracos do que a unidade microtesla, da qual falamos até agora:

Órgão

Campo Magnético

1 microtesla (para referência)

10-6T

Partículas Magnéticas no Pulmão

10-9 T

Músculo Esquelético

10-11T

Músculos Tubo Gastrointestinal

10-11 T

Músculo Cardíaco Fetal

10-12 T

Cérebro

10-12 T

Coração

10-9 T


Deturpando o eletromagnetismo para explicar o sobrenatural

Como se vê, o coração gera um campo mais forte que o cérebro. Aqui já começam as grandes deturpações místicas do conceito da coisa. A intensa atividade elétrica do coração gera um campo milhares de vezes mais forte do que aquele originado no cérebro. Os místicos acham que isso mostra que o coração tem algum tipo de poder maior do que o cérebro e outras divagações estapafúrdias. Ora, estes campos são apenas resultado de correntes elétricas tênues. Não há controle sobre os mesmos, tampouco somos capazes de direcioná-los ou qualquer coisa do tipo.

Alegam os ocultistas, religiosos e místicos em geral que estes campos eletromagnéticos são uma espécie de “super poder”. Acham que os campos eletromagnéticos gerados pelo coração podem ser “sentidos” por outras pessoas. Ou que o cérebro poderia trocar informações com outros cérebros através do eletromagnetismo. Ora, acabamos de ver que apenas com o desenvolvimento do SQUID e dentro de uma sala magneticamente blindada é que conseguimos medir os campos magnéticos biológicos, justamente por serem tão fracos. Quem em sã consciência conseguiria acreditar que um campo magnético MILHÕES de vezes mais fraco do que o de uma televisão seja capaz de nos afetar a distância?

Alguns espíritas, por exemplo, afirma que os passes espíritas são interações dos campos eletromagnéticos entre o passista e o receptor do passe. Acontece que o campo magnético mais forte que nosso corpo consegue gerar é milhões de vezes mais fraco do que o campo magnético da Terra, de uma lâmpada ou de um relógio que o passista esteja usando. Vimos ainda que para conseguir afetar a corrente elétrica no cérebro, foi necessário um campo de 2 Telas, algo infinitamente mais forte do que o campo magnético do nosso corpo.

Além disso, um passe implicaria em conseguirmos direcionar o fluxo magnético apenas com nosso pensamento, algo fisicamente impossível. Lembre-se: o campo magnético no cérebro é tão tênue que só com o advento do SQUID conseguimos detectá-lo. Mesmo que pudéssemos direcioná-lo para fora de nosso corpo, ele se dissiparia a apenas alguns centímetros das mãos do passista. Além disso, não temos como concentrar fluxo magnético em determinadas partes do corpo (até porque é um fluxo), pois, isso é um processo puramente fisiológico sobre o qual não temos controle. Tampouco possuímos capacitores ou baterias nas mãos ou na cabeça para armazenar eletricidade e gerar um campo considerável em regiões escolhidas por nós. Isso é um devaneio oriundo da cabeça dos místicos.

Também não podemos aumentar a corrente elétrica (e por consequência o campo magnético) do cérebro, de forma a se conectar com o mundo sobrenatural ou realizar fenômenos parapsicológicos. Isso também é algo inviável do ponto de vista físico. Temos um limite de elementos químicos responsáveis pelas correntes elétricas geradas no cérebro. Concentrar-se com afinco, meditar ou realizar um ritual, não irá fazer com que consigamos produzir mais corrente elétrica do que o limite do nosso cérebro. E mesmo que pudéssemos ativar todos os neurônios de uma vez, nosso celular ainda irradiaria um campo mais forte que nossa cabeça. E eu não me lembro de nenhum fantasma aparecendo na minha frente quando estou usando o celular.

Observem que os místicos gostam de atribuir aos campos eletromagnéticos uma espécie de “intencionalidade”, ou seja, o campo magnético do coração pode ser bom ou ruim, tanto quanto aquele gerado na cabeça. Ora, ainda que fosse verdade, a lâmpada sobre nossas cabeças seria milhares de vezes mais potente do que este campo que circunda nosso cérebro. Será que podemos sentir se esta lâmpada estará nos enviando uma vibração boa ou ruim? E o relógio de pulso? E o monitor do computador? E o carro? Todos eles emitem campos muito mais fortes que nosso cérebro ou coração. Como saber se a vibração “boa” vem das mãos de um xamã ou do próprio planeta Terra?

Ainda que pudéssemos ignorar interferências externas, quem disse que somos capazes de “sentir” um campo magnético? Apenas os místicos, é claro. Nosso corpo reage num nível estritamente biológico aos campos magnéticos exteriores ao corpo. E o faz de acordo com leis exclusivamente físicas, como frequência e intensidade do campo, e não de acordo com uma vibração “boa” ou “má”. Aliás, não há nenhum órgão capaz de “traduzir” qualquer tipo de informação vinda destes campos, portanto, nem nosso corpo e nem nós temos como saber se estamos num local com um campo magnético bonzinho ou malvado.




Recentemente o Dr. Joseph Kirschvink,  professor no California Institute of Technology, comprovou quepossuímos cristais de magnetita em neurônios. Talvez, seja um resquício evolucionário, já que aves, peixes, insetos e bactérias também o possuem. Embora o doutor duvide que estes cristais magnéticos tenham quaisquer capacidades sensoriais, isso pode sinalizar que fortes perturbações no campo magnético podem afetar a saúde de um indivíduo. Nos animais, como aves e peixes, estes cristais parecem exercer importante papel na geolocalização usando o campo magnético da Terra.

Ainda assim, novamente, isso ocorreria como resultado da ação de leis da física amplamente conhecidas, sem mágicas ou fenômenos sobrenaturais. Tanto quanto um ímã atrai um metal, um campo magnético pode interagir com estes pequenos cristais de magnetita, com resultados ainda desconhecidos. Para dirimir qualquer tentativa de místicos usurparem seu trabalho, o próprio Dr. Kirschvink diz que mesmo experimentos cuidadosamente controlados em busca de fenômenos, como percepção extra-sensorial ou encontrar água debaixo da Terra, falharam.

Infelizmente, a ignorância é rei entre aqueles que querem acreditar. Ainda leremos e ouviremos muitas besteiras sobre como os espíritos e o sobrenatural interagem com os campos eletromagnéticos. E não adiantará explicarmos detalhadamente sobre os erros que cometem ao corromper a física para explicar conceitos metafísicos. Ainda assim, aqui fica uma breve explicação para quem quiser ler. E, diferentemente dos conceitos místicos sobre campos de força, aqui você não tem alternativa entre acreditar ou não, uma vez que tudo o que foi apresentado aqui está embasado em séculos de pesquisas sérias e lastreado sobre sólidas evidências que só a ciência é capaz de prover.

http://bulevoador.haaan.com/2011/04/22213/

 Autor: Eduardo Patriota Gusmão Soares