http://www.aonp.org.br/fso/revist10/rev1008.htm
PARTE III
SENSIBILIDADE DOLOROSA DA POLPA
A capacidade sensorial da polpa dental são, predominantemente, mas não exclusivamente, nociceptivas. A polpa também é sensível a estímulos térmicos e latejantes.
Recentemente, foi estabelecido que, sob circunstâncias especialmente controladas, os receptores pulpares podem dar origem a impulsos não nociceptivos, que têm outra função sensorial além da medicação de sensação dolorosa.
A polpa contém ambos os neurônios condutores, os rápidos e os lentos. Há evidência conclusiva para a presença de uma quantidade significante de fibras-C nas polpas do dente, que podem ser ativadas pela estimulação elétrica.
A densidade de inervação da polpa dental está calculada por volta de 15 vezes a da pele.
A dor pulpar reage à estimulação nociva que não está relacionada aos movimentos mastigatórios comuns. Ela reage ao impacto, choque, irritantes térmicos e químicos e exploração direta, mas não à função mastigatória comum. A dor quase não é localizada pela pessoa.
PAIVA e ANTONIAZZI10, citaram em seu livro que, a sensibilidade dolorosa da polpa se manifesta fundamentalmente como conseqüência do estabelecimento de uma reação inflamatória, com conseqüente produção de substância algógenas e potenciadoras da dor. É claro que as substâncias algógenas vão estimular exclusivamente os nociceptores polimoidais vinculados e fibras amielínicas do grupo-C.
Os autores citaram ainda que, a ativação das fibras do grupo-C determina o aparecimento da sensibilidade dolorosa crônica, secundária, de localização imprecisa.
As substâncias potenciadoras, por outro lado, vão sensibilizar tanto ao nociceptores polimoidais como os mecanoceptores, presentes na polpa e na dentina.
É importante que se leve em conta o fato de que durante a evolução do processo inflamatório pulpar há uma tendência para o estabelecimento de pressão tissular aumentada e uma diminuição do fluxo sangüíneo, determinando graus variáveis de hipóxia.
Considerando que as fibras do grupo-A delta são mais sensíveis à hipóxia, elas são mais suceptíveis de sofrerem alterações degenerativas com conseqüente comprometimento da função. Isso explicaria, por exemplo, o fato de que às vezes um dente não responsivo aos testes de sensibilidade pulpar desencadearia respostas dolorosas quando da manipulação mecânica direta de sua polpa.
É preciso salientar também o fato de que a dor de origem pulpar, estando relacionado com a ativação de nociceptores polimoidais, ligados à fibras do grupo-C, é menos localizada e mais sujeita ao desencadeamento de dor referida e dor projetada.
Conquanto um grande volume de informações se tenha acumulado nos últimos anos, com relação aos mecanismos fisiológicos e bioquímicos subjacentes à percepção dolorosa, muitas particularidades da dor de origem pulpar, detectáveis ao longo da evolução do processo inflamatório, ainda são mal interpretadas com base no conhecimento científico disponível. Assim, por exemplo, o declínio lento da dor provocada pelo frio, que sucede à dor de curta duração, nas fases iniciais do processo inflamatório pulpar, bem como a menor tolerância ao calor, nas fases mais adiantadas, embora comportem múltiplas explicações hipotéticas, carecem de uma explicação cientificamente convincente.
WELDEN e BEL0, citaram em seu livro que, as dores pulpares podem ser classificadas como agudas, crônicas, periódicas, ou combinadas com elementos periodontais.
Um aspecto clínico básico de dor pulpar é que ela não permanece a mesma, indefinidamente. Geralmente, ela diminui, torna-se crônica, ou prossegue para envolver as estruturas periodontais, pela extensão direta pelo ápice da raiz do dente. Raramente permanece imutável por longos períodos.
DOR PULPAR AGUDA
Talvez a mais típica de todas as dores vicerais seja a dor pulpar aguda. Ela é tão sem localização pelo paciente, que sua fonte, freqüentemente, não pode ser determinada subjetivamente.
A evidência objetiva, tal como, cárie profunda, erosão na câmara pulpar ou canal da raiz, fratura ou splinting podem identificar, imediatamente, o dente injuriado.
Se tal evidência estiver faltando e, especialmente, se mais que um dente possa estar envolvido, a identificação clínica do dente injuriado poderá ser mais difícil, se não impossível.
Causa:
A causa da dor pulpar aguda é a estimulação nociva dos receptores pulpares. Normalmente, a estrutura do dente protege estas extremidades nervosas da estimulação superficial, de modo que, apenas extrema irritação da superfície, tal como estimulação elétrica ou grande modificação térmica, é sentida como dor.
A estrutura do dente é rompida, uma polpa normal pode, imediatamente, se tornar dolorosa ao contato com a saliva ou ar.
O tecido pulpar responde à injúria, seja por repetida estimulação do limiar da superfície intacta, exposição cervical por causa de recessão gengival, repetida irritação de trauma oclusal, ruptura da camada protetora da estrutura dental por causa da fratura, repetidos choques térmicos transmitidos por restaurações metálicas, diminuição da camada da estrutura dental por erosão ou abrasão, choque traumático, seja por cáries dentais. As modificações que ocorrem geralmente são inflamatórias. Estas condições podem ser reversíveis, a menos que ocorra congestão, causando gangrena pulpar.
Ocorrendo a gangrena, acontece, invariavelmente, a extensão ao tecido periodontal, pelo forame apical da raiz. Isso ocorre principalmente, se a inflamação pulpar for causada por agentes bacterianos.
Deve-se notar que, em dentes com várias raízes, podem ocorrer modificações pulpares irreversíveis em uma raiz, permanecendo tecido normal em outra. Situações deste tipo podem ocorrer freqüentemente, mas, quando acontecem, podem resultar em um confuso quadro de sintoma.
As dores pulpares que resultam de tais modificações de tecido deveriam ser compreendidas. Como uma regra, o limiar de dor de todos os receptores com fibras nervosas profundas que medeiam a dor é diminuído pela inflamação. Assim, a polpa inflamada é hipersensível a todos os estímulos, incluindo estimulação elétrica, choque térmico, sonda e percussão.
A dor pode ser iniciada pela aplicação de algum ou de todos estes estímulos ao dente. Se a modificação do tecido não for muito grande, a aplicação de tais estímulos causa dor, somente pela duração da estimulação nociva. Mas, se a modificação for maior, tal estimulação pode induzir a dor de dente. Conforme o processo inflamatório progride, a dor de dente espontânea pode ocorrer, sem provocação externa.
A dor pulpar aguda pode ser extremamente variável, dependendo da causa: o tipo de reação dos tecidos pulpares; o estímulo aplicado; a reação do paciente; a modulação da dor especialmente imposta pelos centros mais altos, quando refletidos pelo estado mental, emocional e físico do paciente em uma época específica; e os incontáveis efeitos excitantes secundários que ocorrem com as dores que são contínuas e de suficiente intensidade e duração.
A dor pulpar aguda pode variar de hipersensibilidade ocasional, causada por doces e outros estimulantes secundários, a violenta dor de dente latejante de intolerável intensidade, que não pode ser controlada, mesmo com analgésicos narcóticos.
Ela pode ser induzida por muitos tipos de irritantes, ou ser completamente espontânea. Ela pode ser aumentada pelo frio quanto pelo calor, ou aumentada pelo calor e aliviada pelo frio. Ela pode ser intermitente ou contínua. Ela pode ser influenciada pela posição da cabeça ou do corpo. Ela pode se relacionar ao contato dos dentes, à presença ou temperatura dos alimentos e bebidas, ou aos movimentos da mandíbula e da cabeça. Ela pode ser confundida pela dor de cabeça do sinus, sinusite, dor de ouvido, neurite, neuralgia facial atípica, ou tique doloroso.
Ela pode induzir dores referidas, áreas de hiperalgia secundária em qualquer lugar na face e na cabeça, sintomas independentes localizados e espasmos musculares dolorosos secundários nos músculos mastigatórios. Ela pode induzir uma síndrome dor-disfunção mastigatória, ou ser confundida por artrite temporomandibular.
Se a inflamação pulpar for grande o suficiente para causar dor de dente severa, contínua, a chance de solução é extremamente baixa. Sob circunstâncias favoráveis, a solução ocorre. Geralmente a condição avança até a gangrena pulpar. Quando esta ocorre, a dor dos tecidos pulpares cessa.
Tal "recuperação" da dor de dente severa deveria ser interpretada como o período de transição do envolvimento pulpar para o periodontal. Esta transição é extremamente variável. Se a inflamação pulpar for causada pela infecção a transição geralmente é rápida constituindo, no início, da mistura das dores pulpares e periodontais e terminando com um abscesso periodontal agudo.
Se a inflamação pulpar for estéril, toda a dor pode cessar e pode se desenvolver um granuloma periapical indolor, ou um cisto radicular.
Todas as graduações entre esses extremos podem ocorrer. Se um dente multirradiculado for envolvido, uma raiz pode mostrar sintoma de pulpite aguda, enquanto uma outra pode mostrar evidência de gangrena pulpar e abscesso periapical. Quando isto ocorre, o quadro de sintoma pode se tornar realmente comprometido.
DOR PULPAR CRÔNICA
Sob certas condições, os tecidos pulpares injuriados podem progredir de uma fase inflamatória aguda para crônica e, assim, suportar modificações que não prosseguem para a resolução nem para a gangrena, mas permanecem indefinidamente no que geralmente é descrito como pulpite crônica.
A condição que favorece esta transgressão é a injúria traumática a um dente jovem, especialmente em um dente com abertura mais ampla no ápice radicular e que é menos provável de facilitar congestão e gangrena da polpa.
Tais dentes continuam a reagir ao testador de polpa, ainda que consideravelmente menos susceptíveis do que aqueles com polpas normais. Freqüentemente ocorre reabsorção interna do dente.
Quando se desenvolve a pulpite crônica, as reações de dor se modificam, do caráter extremamente variável da dor pulpar aguda para um desconforto mais moderado e menos variável, que não pode ser descrito como dor. Na verdade o dente pode se tornar assintomático, a menos que ocorra uma injúria posterior.
DOR PULPAR RECEORRENTE
A severa dor pulpar aguda raramente é periódica no verdadeiro sentido, porque a inflamação geralmente segue para a resolução, cronicidade ou gangrena.
Quando a dor pulpar aguda parece ser periódica, ela geralmente consiste de períodos de inflamação, em uma forma seqüencial. Isto pode ocorrer quando um dente parcialmente fraturado é aberto somente por alguma pressão oclusal incomum.
A verdadeira dor pulpar periódica não causa dor de dente, mas é sentida como uma hipersensibilidade recorrente. Tais condições freqüentemente são associadas com modificações na pressão vascular ou no balanceio de fluido.
A chamada dor de dente menstrual e a dor de dente de grande-altitude entram nesta categoria.
O dente injuriado em geral está levemente hiperêmico e o baixo limiar de dor se torna sintomático, quando prevalecem as adequadas condições do meio ambiente.
Outros exemplos de dor pulpar periódica incluem dentes hipersensíveis, que são estimulados ao ponto de dor por fatores tais como doces, modificações térmicas e injúrias oclusais.
DOR MISTA
Quando a transição da inflamação pulpar pela gangrena ao envolvimento periapical é rápida, podem ocorrer dor pulpar e dor periodontal.
Ao contrário, quando a polpa dental se torna secundariamente envolvida pela direta extensão das estruturas periodontais, os sintomas mistos podem estar evidentes.
Também, especialmente como um resultado de trauma, os sintomas pulpares e periodontais podem ocorrer simultaneamente. Em tais exemplos, a causa geralmente é óbvia e os sintomas prontamente explicáveis.
Entretanto, um dente pode apresentar sintomas pulpares e periodontais devido a causas isoladas e independentes e, sendo assim, o quando do sintoma pode ser confuso. Isto pode ocorrer especialmente em dentes multirradiculares. Dentes próximos também podem ser envolvidos simultaneamente, apresentando sintomas que são enganosos, para o examinador e para o paciente.
CRITÉRIOS PARA IDENTIFICAÇÃO DE DOR PULPAR
O examinador deveria suspeitar de dor como sendo de origem pulpar, quando é difícil para o paciente localizá-la precisamente em um determinado dente. Torna-se imprescindível um rigoroso exame dental.
As possíveis fontes óbvias de dor pulpar deveriam ser investigadas primeiro. Isto incluiria condições tais como cáries primárias, cáries recorrentes, restaurações com defeitos, exposições cervicais, erosão, abrasão, dentes fendidos ou fraturados e grandes ou profundas restaurações, como demonstrado por descobertas clínicas e radiológicas.
Quando um dente suspeito é localizado, deveria ser feita uma tentativa para induzir ou aumentar a dor, por estimulação nociva naquele dente, por meio de irritantes químicos, térmicos, mecânicos ou elétricos.
Se a dor for induzida pela aplicação de calor ao dente, o frio deveria ser aplicado, para ver se a dor é aliviada.
O examinador deveria isolar cuidadosamente o dente, fitas de celulóide, quando aplica irritantes térmicos ou elétricos, para evitar a condução a um dente adjacente, especialmente se estão presentes restaurações metálicas no contato.
Se a dor pode ser influenciada pela irritação local, o dente deveria ser anestesiado localmente, para ver se a anestesia rapidamente detém completamente a dor e evita a estimulação pelos irritantes aplicados.
Se este é o caso, o dente injuriado foi identificado satisfatoriamente.
Se nenhuma noção de qual dente é a fonte de dor se de fato é um dente o examinador é obrigado a suspeitar de qualquer dente no lado em que há a dor - maxilar ou mandíbula. Cada dente deveria ser testado por exame, sondagem, palpação, percussão, choque térmico e estimulação elétrica, para determinar se "um dente" é consideravelmente mais responsável do que outros. Deveria ser feito o bloqueio analgésico sistemático, primeiro para determinar se o local da dor é maxilar ou mandibular, e, então, mais precisamente, os dentes, individuais.
Amplas conclusões podem ser delineadas quanto a se a dor surge de estruturas maxilares ou mandibulares. Se o bloqueio analgésico falha em deter a dor, rápida e completamente, durante a duração da anestesia, concluí-se que a dor não advém das estruturas dentais. Se tal bloqueio for realmente efetivo, a conclusão de que a dor é iniciada nas estruturas anestesiadas geralmente é correta, mas não é, necessariamente, a conclusão de que a dor é de fato odontogênica.
Se a dor parece se iniciar de uma determinada área dental, mas um dente em particular não pode ser identificado como a fonte da injúria, é prudente aguardar para que ocorra a localização da dor pelo processo de transição de dor pulpar para periodontal, como anteriormente discutido.
Eventualmente, a sensibilidade localizada poderia identificar o verdadeiro dente, provavelmente em alguns dias ou semanas.
O exame radiográfico não identifica a fonte de dor pulpar, mas somente dá indícios de sua causa.
O teste pulpar elétrico tem valor, quando feito junto a outras formas de estimulação pulpar, mas, por si mesmo, tem um valor muito limitado.
O histórico, as características descritivas e o procedimento clínico têm grande importância no diagnóstico de dor pulpar. O reconhecimento de efeitos excitantes secundários é essencial e a importância de uma compreensão de como tais efeitos se relacionam à fonte principal da dor não pode ser demasiado enfatizada. Isto é especialmente verdadeiro no que diz respeito a espasmos musculares dolorosos secundários.
DOR PULPAR DE CAUSA DESCONHECIDA
Há várias causas razoavelmente comuns de dor pulpar, que são clinicamente difíceis para se reconhecer. Talvez a mais comum destas seja o dente fraturado mesiodistamente, cujas margens são encobertas pelos dentes adjacentes e cuja presença não é visível rediograficamente.
Uma outra causa comum é uma restauração aclusal deslocada na direção pulpar. As cáries recorrentes, encobertas tanto clínica quanto radiograficamente por uma restauração dental que as encobre, também podem ser um fator etiológico. Uma outra causa também é a abrasão mecânica da raiz de um dente, devido a presença de um dente de impacto adjacente.
As abrasões podem penetrar na substância da raiz, até que os conteúdos do canal radicular sejam expostos.
Uma outra causa obscura de envolvimento pulpar é o prolongamento direto de um a bolsa periodontal através de um canal radicular lateral anômalo. Houve relatos de infecção hematogênica da popa dentária.
Todas estas possibilidades deveriam ser consideradas e exploradas, quando a dor parece ser realmente odontológica, mas de causa obscura. Ocasionalmente, é justificada a exploração direta do dente, se a dor for severa e se o paciente não estiver aceitando aguardar a localização natural. O risco da abertura de uma polpa dental sadia pode ser justificado para se fazer um diagnóstico positivo. Isto é melhor do que um caminho mais radical o da extração do dente sobre um diagnóstico presuntivo.
De qualquer forma, podem ser usado recursos endodônticos para salvar o dente, se for cometido um engano.
DOR REFERIDA
Um dos problemas mais difíceis de diagnóstico oral relaciona-se com a dor referida localizada no interior da cavidade oral, à sua volta e externamente.
Seguramente, na maioria das vezes a dor referida na boca está associada a graus variáveis de pulpalgias, a dor refletindo-se para outros dentes ou outras regiões.
Por outro lado, doenças sistêmicas e doenças cefálicas localizada, quando reflete a dor para os maxilares e, naturalmente, os dentes, exigem muita argúcia por parte do diagnosticista.
O exemplo melhor conhecido de dor referida encontrada pelo dentista é o da que tem origem nos molares inferiores e se reflete para o ouvido do mesmo lado. O fenômeno inverso também é verdadeiro, ou seja, dor de otite média refletindo-se nos molares inferiores.
Exemplos comuns de dor refletida são:
1- Cólica renal para a virilha
2- Apendicite aguda para o epigástrico
3- Angina do peito para o braço esquerdo
Embora o mecanismo da dor referida não esteja ainda esclarecido, parece estar relacionado a um "excesso" de estímulos aferentes da dor penetrando num "pool" de neurônios sensitivos, onde há uma superposição de neurônios profundos e cutâneos.
O excesso de estimulação proveniente das fibras profundas "excita" as fibras cutâneas, dando assim a ilusão de dor para a área referida.
SICHER, resumiu essa teoria explicando que a dor referida é, na verdade, uma ausência de localização da dor profunda com irradiação simultânea desta dor profunda para as áreas superficiais.
As dores referidas com que o dentista lida mais comumente são as seguintes:
- Dor pulpar referida;
- Dor referida dos tecidos nasais e paranasais;
- Dor referida do infarto do miocárdio, trombose das coronárias e angina do peito.
A ampla faixa de dor oral referida - da polpa dental, do ouvido ou do tórax - enfatiza a necessidade de seu conhecimento para um completo diagnóstico dentário.
No livro, Fisiologia Aplicada à Prática Odontológica, o autor C.R.DOUGLAS, fazendo considerações acerca de determinados tipos de dor, após explanar sobre dor referida de maneira geral segue destacando um capítulo à dor referida odontológica, que passaremos a descrever.
Dor Referida em Odontologia: Sendo a boca tão ricamente inervada, e possuindo alta população de receptores nociceptores, apresenta também dores referidas, com características diferentes, segundo a origem e a modalidade da dor primitiva.
Odontalgias podem ser reconhecidas facilmente como tais, pela sua localização bem precisa e pelas características da dor (dor epicrítica). Porém, é muito freqüente observar dores dentárias referidas a outros territórios faciais ou cranianos, o que dificulta o diagnóstico.
A dor de origem dentária pode ser irradiada (termo já obsoleto da dor referida) a diversos segmentos corporais.
O caso mais freqüente é o da cefaléia ou cefalgia, ou simplesmente dor de cabeça que afeta mais freqüentemente a região frontal, ou fronto-parietal, sendo menos observada a perietal e menos ainda a occiptal. Entretanto, a dor occiptal pode apresentar-se quando há simultaneamente uma reação espasmódica dos músculos da nuca, o que também causa dor (mialgia).
As cefaléias de origem dentária podem ser facilmente confundidas com outras, de origem ocular, ótica, sinusal ou com enxaquecas.
Outra dor referida é a projetada à mandíbula e pescoço, muitas vezes associada aos trismus, ou contratura da musculatura mastigatória, que impede a abertura bucal. Esta dor mandibular pode ser erradamente diagnosticada como cardiopatias isquêmicas.
As dores originadas na articulação têmporo-mandibular podem ser bem localizadas às vezes, mas freqüentemente também se apresentam referidas ao ouvido e outras regiões.
A dor referida muito violenta, e que muitas vezes leva a diagnósticos equivocados, é a nevralgia do trigêmeo, que afeta grande superfície da face, de intensidade alta, com alterações neurovegetativas às vezes violenta, como lacrimejamento por estimulação parasimpática. A dor desta nevralgia corresponde a uma dor projetada às estruturas inervadas pelo V par.
Na potogenia da dor referida dentária, as fibras do trato descendente do trigêmeo têm um papel importante, porque elas desempenham uma função controladora da porta de entrada das aferências algésicas, dado que estas fibras chegam à região rica em neurônios que constituem a substância gelatinosa de Rolando.
Deve-se salientar que outras vias aferentes podem levar impulsos sensitivos dolorosos, além do trigêmeo, mas este sem dúvida é sempre o mais importante. Estes são: VII par ou nervo facial, através da corda do tímpano, IX par ou nervo glossofaríngeo e X par ou nervo vago.
Hiperalgesia: Refere-se à existência de dor provocada por estímulos não considerados nocivos. Este estado doloroso requer duas condições patogênicas.
Ativação do sistema de ação da dor, pelo "input" medular suficiente de axônios ativados.
Redução do número de fibras grossas, como ocorre nas perdas notáveis depois de lesões traumáticas do nervo periférico, ou em algumas neuropatias (nevralgias pós-herpéticas, diabetes que leva a degeneração de fibras grossas por desmielização progressiva).
Desta forma não acontece a inibição pré-sináptica na porta de entrada medular, ficando só aberta pelo "input" das fibras C sem modulações de fibras A grossas. Assim, qualquer estímulo, embora não nocivo (pressão leve, por ex.) pode engatilhar severa dor em pacientes que sofrem causalgias, dor do membro fantasma e nevralgias. Isto pela convergência dos estímulos às células T em somação têmporo-espacial. Além disso, conhece-se bem, nestes casos, o reforçamento da dor, em condições emocionais ou de excitação sexual, o que pode ser interpretado pelo aumento sensorial, como resultado do aumento do "output" das células T, o que não pode ser controlado pela inibição pré-sináptica.
Finalmente, deve-se lembrar que a ausência das fibras delgadas (C), nas raízes dorsais, determina no paciente insensibilidade congênita à dor.
Dor espontânea: O aparecimento de dor sem causa algésica aparente, pode ser explicado pela excessiva atividade das fibras finas, o que faz manter aberta a porta de entrada das aferências. Isto pode ocorrer pela falta relativa das fibras A. Este é, possivelmente, o mecanismo da anastesia dolorosa e da dor que ocorre após lesões do nervo periférico ou das raízes posteriores na qual, pelo reduzido número total de fibras, as células T demoram até atingir o limiar de descarga (dor retardada). Talvez, ainda, repita-se na hiperestesia pós-isquemia, mas nesse caso é facilitado pela ação da isquemia, a nível periférico (receptores).
Referências Bibliográficas
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BELL, W.E. : Dores Orofaciais: Classificação, Diagnóstico, Tratamento, 3ºed. Quintessence books, Rio de Janeiro, 1991.
- PAIVA, G.J.; ANTONIAZZI, J.H.: Endodontia, Bases para a prática clínica, 2ºed. Artes Médicas, 1988.
- SESSLE, B.J.: Is the tooth pulp a "pure" source of noxious input? In Bonica J.J., Liebeskind, J.C., Albe-Fessard D.G. (eds): Advances in Pain Research and Therapy. New York, Reven Press, 1979, vol3, pp: 245-260.
- CHATRIAN, G.E.; FERNANDES DE LIMA, J.M.; LETTICH, E. et al. Eletrical stimulation of tooth pulps in humans: II, Qualities os sensation. Pain 14:233-246, 1982.
- ROZZA, A.J.; BEUERMAN, R.W.: Density and organization of tree perendings in the corneal epithelium of the rabbit. Pain 14, 105, 1982.
- SICHER, H. Problems of pain in destistry. Oral Surg, 7:149, Feb, 1954.
* Mestre em Endodontia.
**Mestre em Endodontia
***Especialização em Endodontia
****Livre Docente em Endodontia