No decorrer de minha trajetória como educadora, observei que o sistema educacional vigente vem trazendo alguns descontentamentos para educadores e educandos. Trazemos conosco uma bagagem cartesiana, e podemos senti-la bem de perto dentro das escolas, com os turnos, horários, seriações e etc. Nesse processo sentimos que nossos educandos apresentam certas dificuldades, como talvez não o temos levado a aprender a aprender.
Outro fator importante a ser citado é o nosso currículo, que é fragmentado, não dando bases as disciplinas a se correlacionarem. Temos ainda a avaliação que é feita pelo processo real do que foi apreendido, deixando de lado as potencialidades do nosso educando, sendo na maioria das vezes taxativa e opressora.
Por esse motivo fui levada a pesquisar uma nova proposta de educação que possibilite transformações profundas, principalmente na sociedade. Que valorize o nosso educando, baseando-se nos valores individuais, na cooperação e nos recursos sustentáveis.
Com essa interconexão, o nosso aluno, poderá se reconectar com o universo. E que a aprendizagem não seja mais fragmentada, mas sim que os leve a despertar a curiosidade de aprender coisas de seus interesses.
Este trabalho visa apresentar uma nova tendência educacional que contemple às angústias e às esperanças do homem desse início de século. Entre as diversas tendências de pensamento foi analisada a visão holística, pois ela oferece pistas para encontrar novos pressupostos e propostas educacionais. Por ser emergente, o pensamento holístico requer ainda estudos e reflexões de pesquisadores a fim de redirecionar melhor sua aplicação.
A abordagem holística em educação não é propriedade de uma única corrente educacional. Diversas correntes pedagógicas já propuseram cada uma ao seu modo, uma educação integral da pessoa. Dessa forma, este trabalho visa caracterizar a educação holística, sem deixar de valer-se de aspectos já enunciados em várias tendências educacionais.
PALAVRAS-CHAVE: Holismo, Teoria e Educação.
INTRODUÇÃO
"O homem, como podemos perceber ao refletirmos um instante, nunca percebe plenamente uma coisa ou a entende por completo. Ele pode ver ouvir, tocar e provar. Mas a que distância pode ver quão acuradamente consegue ouvir, o quanto lhe significa aquilo em que toca e o que prova tudo isso depende do número e da capacidade dos seus sentidos. Os sentidos do homem limitam a percepção que este tem do mundo à sua volta. Utilizando instrumentos científicos pode, em parte, compensar a deficiência dos sentidos. Consegue, por exemplo, alongar o alcance da sua visão através do binóculo ou apurar a audição por meio de amplificadores elétricos. Mas a mais elaborada aparelhagem nada pode fazer além de trazer ao seu âmbito visual objetos ou muito distantes ou muito pequenos e tornar mais audíveis sons fracos. Não importa que instrumentos ele empregue; em um determinado momento há de chegar a um limite de evidências e de convicções que o conhecimento consciente não pode transpor."
Carl Gustave Jung
O modelo conceptual de mundo ainda vigente parece vir causando uma crise como jamais vivida pela raça humana.
Nossos cientistas, guiados por este paradigma cartesiano, alcançaram um desenvolvimento tecnológico razoável, o que possibilitaria à nossa raça o conforto material ainda tão almejado, mas tal conforto vem sendo, na verdade, privilégio de poucos.
O mesmo modelo, principalmente quando aplicado às ciências humanas e sociais, conduz a uma concepção de ser humano tão fragmentado que parece ter feito com que o homem moderno perdesse todo o seu referencial, seu próprio motivo de ser, de existir.
A mãe Terra, grande mantenedora de nossa própria existência, encontra-se perigosamente ameaçada, ferida por seus próprios filhos.
Na educação é perfeitamente visível à fragmentação, principalmente nas universidades onde podemos observar vários departamentos científicos aprisionados em suas próprias teorias em mundos exclusivos, alheios ao todo do universo que os circunda.
Nossas crianças são massacradas nas escolas que ainda privilegiam o puro materialismo e mecanicismo, vistas como vasos vazios que precisam ser enchidos com os valores de uma sociedade decadente, desvalorizadas por seus sentimentos ainda puros.
Uma reação natural que levasse todo esse caos a um caminho de reequilíbrio não poderia deixar de surgir e um movimento de descontentamento com a limitada visão científica existente vem fomentando a construção de uma nova visão da realidade; mais humana, observadora das relações estabelecidas entre as diversas, ou talvez infinitas partes de um todo universal. É a esta nova maneira de se observar a realidade dentro de um conjunto que se dá o nome de holismo, ou seja, o todo não é o todo sem as partes e as partes não são nada fora do todo.
O holismo, sem negar as características “mecânicas” que se apresentam na natureza, percebe o universo mais como uma rede de inter-relações dinâmicas, orgânica.
Esta nova óptica que hoje podemos chamar de Educação holística vem mobilizando a sociedade científica e já se faz sentir à nível global.
A Educação Holística tomou corpo recentemente, a partir de importantes acordos internacionais entre educadores holísticos de diversos países e de diferentes tendências. O principal marco foi a Declaração de Chicago, consensuada na Oitava Conferência Internacional de Educadores Holísticos em Chicago, Illions (junho de 1990).
E de acordo com a Declaração de Chicago, os processos educativos do novo milênio devem ser baseados nos fundamentos do holismo. Enfatiza o desafio de criar uma sociedade sustentável, justa e pacífica em harmonia com a terra e sua vida. A visão holística procura ampliar a maneira como vemos e a relação que temos com o mundo, exaltando nossos potenciais humanos inatos: o intuitivo, o emotivo, o físico, o imaginativo e o criativo, assim como o racional, o lógico e o verbal.
Acreditamos que somente seres humanos saudáveis e integrais criam uma sociedade saudável.
Na contracorrente dos mais trágicos acontecimentos da realidade sócio-política nacional e internacional, o paradigma holístico vem nos dar novo alento, esperança, reacendendo as utopias adormecidas em nossas mentes.
Para compreender melhor esse processo pelo qual está passando a nossa educação e as aspirações de nossos educandos, como também de diversos educadores, entendemos a melhor, e mais efetiva forma de abordagem seja a holística, pois é na qual, poderá acrescentar ao sistema educacional, uma visão que possibilite a valorização do educando em todos os seus aspectos. É um vislumbrar de um futuro que pode ter um horizonte positivo ou negativo que devemos tentar.
E sendo essa perspectiva teórica que, acreditamos que deva acrescentar as práticas educativas, esperamos com esse trabalho possa ser de contribuição para todos os educadores que aspiram por uma educação mais integrada no universo escolar, inspirando novos paradigmas, para que as habilidades e percepções mais sistêmicas e sutis possam ser contempladas no dia a dia da sala de aula.
Tentamos nessa pesquisa de revisão bibliográfica, buscar alguns elementos tais como:
-Compreender os paradigmas através do processo histórico; compreender o paradigma holístico; e buscar uma nova proposta educacional que leve o processo educativo a ter uma visão mais abrangente do educando.
Este trabalho está dividido em sete seções:
PARTE 1 – PARADIGMAS
Essa parte inicial apresenta uma revisão bibliográfica para fundamentação teórica do paradigma holístico dentro do panorama filosófico histórico e atual.
PARTE 2 – DEFINIÇÃO E CARCTERISTICAS DA EDUCAÇÃO HOLÍSTICA
Esta parte reúne elementos para definir e caracterizar a Educação Holística, como também o marco inicial da Educação Holística que é a Declaração de Chicago.
PARTE 3 – BASES PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO HOLÍSTICA
Neste item apresentam as propriedades curriculares, os objetivos gerais, princípios pedagógicos da Educação Holística, que colaboram para formar o substrato para a aplicação do Paradigma Holístico na Educação, a partir de vários autores que têm estudado pesquisados e escritos sobre o tema. E para finalizá-lo aborda a Docência Holística.
PARTE 4 – LINHAS PEDAGÓGICAS SINTONIZADAS COM OS NOVOS PARADIGMAS
Apresenta algumas linhas pedagógicas e teorias que estão sintonizadas com os Novos Paradigmas.
PARTE 5 e 6 – CONCLUSÃO E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Conclui o trabalho de pesquisa bibliográfica e relaciona as fontes de pesquisa e inspiração para esse trabalho.
Este trabalho tem como proposta contribuir para as reflexões dos educadores, preocupados com o papel da educação frente aos graves problemas da sociedade, decorrentes do contexto da crise global.
PARTE 7 - ANEXO – EDUCAÇÃO 2000: UMA PERSPECTIVA HOLÍSTICA
Esse é um documento elaborado pela Alianza Global para la Educación Transformadora (GATE), no Oitavo Congresso Internacional de Educadores Holísticos (Chicago 1990), que para muitos representa o esquema conceitual do que foi chamado de “paradigma holístico da educação”. Nos itens desse documento, estão os dez princípios pedagógicos para a educação holística.
PARTE I: PARADIGMAS
Atualmente vivemos em uma sociedade em crise, e podemos sentir que o ambiente natural está sendo degradado, como também o social e o nosso psíquico. Para pensarmos em uma nova sociedade se faz necessário pensar em uma nova educação. Que tipo de educação poderá fazer eco às angústias e às esperanças do homem deste final de século? Entre as diversas tendências de pensamento, a visão holística oferece novos caminhos para encontrar pressupostos e propostas educacionais novas para esta questão. Por ser emergente, o pensamento holístico requer ainda estudos e reflexões de pesquisadores a fim de estabelecer melhor seus princípios.
Devemos salientar que o paradigma holístico não é uma determinada corrente filosófica, e sim um modelo (do grego, parádeigma) abrangente de pensar e viver a realidade, podendo ser desenvolvido por diferentes caminhos.
De acordo com Rafael Yus (2002) paradigma é um conjunto de regras que define qual deve ser o comportamento e a maneira de resolver problemas dentro de alguns limites definidos para que se possa alcançar êxito. Um paradigma nos condiciona a nossa “visão de mundo”, a perspectiva com a qual abordamos os temas e nos relacionamos com o mundo exterior. Quando um paradigma não consegue mais resolver os problemas que vão aparecendo, se faz necessário o surgimento de um outro para que haja a mudança. A vida de um paradigma passa por três fases, que vão desde uma etapa inicial de incorporação do tema, uma fase intermediária de ritmo rápido e produtivo, e uma fase de declínio, quando começa a deixar de ser útil. Mudando o paradigma, mudam-se as regras, e mudando as regras, mudam-se todas as outras coisas.
Falar em mudanças pragmáticas é referir-se a determinados momentos históricos em que ocorrem profundas rupturas no processo cumulativo da cultura humana, como podemos ver no parágrafo anterior. Esses momentos revolucionários provocam um novo modo de ver a realidade e mais uma nova concepção do que seja a própria realidade. Há diversas maneiras de fazer a leitura da realidade, a que estamos tratando é constituída pelo homem a partir de um modelo cultural hegemônico em um determinado momento histórico. Sendo assim, o conceito de ciências não é unívoco na história, em cada época houve sempre um esforço de um grupo de pensadores para constituir o que se denomina ciência, segundo o conceito histórico em que estava inserido. O consenso sobre o que é ciência se instaura quando os cientistas desenvolvem suas pesquisas a partir de um mesmo paradigma.
Para Kuhn (1978 apud CARDOSO, 1995, p. 16), paradigma científico é um conjunto de princípios, regras e padrões compartilhados por uma comunidade científica. Na história das ciências, determinadas obras impuseram-se, por seu valor e originalidade, como verdadeiros paradigmas para pesquisas posteriores. São exemplos clássicos a Física de Aristóteles, os Princípios e a Ótica de Newton, a Eletricidade de Franklin e a Química de Lavoisier.
O processo de transição de um paradigma a outro é cheio de percalços e resistências. Os cientistas defensores do antigo paradigma vêem seus esforços de décadas de estudos questionados por uma “ciência extraordinária” que anuncia um mundo novo ainda em bases mais utópicas do que as concretas. Toma-se o conceito de paradigma num sentido amplo, como uma constelação de crenças e valores que determina o modo de pensar e agir do homem de uma determinada época. Serão abordados nesta primeira parte da monografia, três grandes paradigmas da história ocidental: teocêntrico, antropocêntrico e ecocêntrico ou holístico, levando-se em conta que cada um pré-existe e sub-existe no interior dos outros.
1.1 Paradigma Teocêntrico: O reino do Outro Mundo
Garcia (1997) cita que a primeira onda descrita por Tofler, representou o primeiro grande período da história da humanidade. Durou mais ou menos 8000 anos, e chegou até aproximadamente 1650 – 1750. Caracterizava-se pela agricultura e trabalho escravo. Nessa época, atividade científica foi delineada pelo pensamento Aristotélico-Tomista, e a visão de mundo era orgânica, a de uma grande–mãe.
Interpretando Brandão, apud Garcia (op.cit.) pode-se inferir que a educação era voltada para os códigos da vida social, para as regras do trabalho, para os segredos da arte, da religião e dos artefatos que precisavam ser reinventados para o dia a dia do grupo. Este era cheio de trocas sem fim, com a natureza, e entre os próprios homens. O saber atravessava as palavras, pela tribo, de geração a geração.
Foi intuído desde o pensamento mítico. Teve suas bases nas tradições religiosas do orfismo e do cristianismo. Foi sistematizado filosoficamente no mundo medieval, pelas teorias do pensamento grego e em especial, pelo Platonismo.
O sistema de pensamento de Platão separou a matéria do espírito, e introduziu a concepção dualista-espiritualista de homem. Nele somos essencialmente “alma”. O corpo é o cárcere, a tumba da alma e, portanto, sua morte. No corpo reside a raiz de todo mal. É nele que se instala a fonte da insensatez, das paixões, das discórdias e da ignorância. A alma quer libertar-se deste mundo, e isso se dá mediante o sofrimento e a morte, até que ela possa receber o prêmio da felicidade e da vida eterna no reino de Deus, no outro mundo.
O sistema teocêntrico já no século XIV apresentou sinais de crise. O empirismo de Guilherme de Ockan iniciou a ruptura do equilíbrio entre razão e fé, e a crise deste paradigma instalaram-se definitivamente no século XVI quando Giordano Bruno trouxe o “universo infinito”.
Daí em diante verdadeira “anomalias” surgiram. Este paradigma não conseguiu resolver e um novo paradigma começou a aparecer, só que mais voltado para este mundo, com um novo modelo de se pensar e ser, que culminou com a turbulência revolucionária do renascimento, materializada no paradigma antropocêntrico.
1.2 Paradigma Antropocêntrico: O Império do Homem
A ênfase dada ao pensamento racional está sintetizada na célebre frase de Descartes: “Cogito, ergo sum” - Penso, logo existo – o que encorajou eficazmente os indivíduos ocidentais a equiparem sua identidade com sua mente racional e não com seu organismo total. Capra (1982).
O método de Descartes é analítico, linear e exato. Quer transforma a ciência em matemática. Consiste em decompor pensamentos e problemas em suas partes componentes e em dispô-las em sua ordem lógica. Esse método de raciocínio analítico é a maior contribuição de Descartes à Ciência, e foi útil para desenvolvimento de projetos tecnológicos e teorias científicas. Mas a excessiva ênfase dada ao método cartesiano levou à fragmentação do nosso modo de pensamento em geral e das nossas disciplinas acadêmicas, e levou à atitude generalizada de reducionismo na ciência – Creu-se que todos os aspectos dos fenômenos complexos podem ser compreendidos se reduzidos às suas partes constituintes.
E para discordar disso passa-se pelo medo de ser anticientífico.
1.3 Paradigma Ecocêntrico: O Homem, um Fio da Teia da Vida.
Capra (1982) sintetiza que a nova visão de mundo, o novo paradigma, inclui a emergente visão sistêmica da vida, integradora do corpo-mente, consciência e evolução, à correspondente abordagem holística de saúde e cura, a integração dos enfoques oriental e ocidental da psicologia, uma nova estrutura conceitual para a economia e a tecnologia, e uma perspectiva ecológica e feminista, que é espiritual em sua natureza essencial, que acarretará profundas mudanças em nossas estruturas sociais e políticas.
Na visão sistêmica da vida, o principal não é cada parte, mas “o todo” e como essas partes se inter-relacionam, sendo isso mais importante do que a soma das partes.
Na medida em que nos retiramos para nossas mentes, esquecemos como “pensar com nossos corpos”, de que modo usá-los como agentes do conhecimento, conforme Descartes nos legou, também nos desligamos do nosso meio ambiente natural e esquecemos como comungar e cooperar com sua rica variedade de organismos vivos.
A divisão entre espírito e matéria levou a concepção do universo como um sistema mecânico que consiste em objetos separados, os quais, por sua vez, foram reduzidos as seus componentes materiais fundamentais cujas propriedades e interações, acreditam-se, determinam completamente todos os fenômenos naturais.
Estendeu-se essa concepção cartesiana da natureza aos seres vivos, e eles foram consideradas máquinas constituídas de peças separadas. Veremos que tal concepção mecanicista está na base da maioria de nas ciências atuais, e foi o que levou à bem conhecida fragmentação em nossas disciplinas acadêmicas e serviu como fundamento lógico para o tratamento do meio ambiente natural como se ele fosse formado por peças separadas a serem exploradas por diferentes estudiosos.
Atualmente, está ficando cada vez mais evidente que a excessiva ênfase no método científico e no pensamento racional analítico, levou as atitudes profundamente ANTIECOLÓGICAS, diz Capra (op.cit.).
A compreensão dos ecossistemas é dificultada pela própria natureza da mente racional. O pensamento racional é linear, ao passo que a consciência ecológica decorre de uma intuição de sistemas não lineares. Os ecossistemas sustentam-se num equilíbrio dinâmico baseado em ciclos e flutuações, que são processos não lineares. Uma das coisas mais difíceis de serem entendidas pelas pessoas em nossa cultura é o fato de que se fazemos algo que é bom, continuar a fazê-lo não será necessariamente melhor. Ao contrário, pode ser pior.
Os empreendimentos lineares como, por exemplo, o crescimento econômico e tecnológico indefinido – ou, para dar um exemplo mais específico, o armazenamento de lixo radioativo durante longos períodos de tempo, interferirá sem dúvida no equilíbrio natural e, mais cedo ou mais tarde, causarão graves danos ao nosso meio ambiente.
Nosso progresso, portanto, foi uma questão predominantemente racional e intelectual, e essa evolução unilateral atingiu agora um estágio alarmante, uma situação tão paradoxal que beira a insanidade.
Podemos controlar os pousos suaves de espaçonaves em planetas distantes, mas somos incapazes de controlar a fumaça poluente expelida por nossas fábricas e nossos automóveis. Propomos a instalação de comunidades utópicas em gigantescas colônias espaciais, mas não podemos administrar nossas cidades, muito menos as nossas vidas.
São esses os resultados da exagerada ênfase dada, nessa sociedade patriarcal, ao ensino baseado no conhecimento racional, na análise, expansão, e da negligência a que ficou sujeito o nosso lado feminino, da sabedoria intuitiva, da síntese, da consciência ecológica.
1.4 Paradigma Holístico
O pensamento holístico é ainda emergente, concordam os autores que defendem essa linha e também Cardoso (op.cit.). Requer estudos e reflexões para estabelecer melhor seu princípio. É uma tendência que oferece pistas para se encontrar pressupostos e propostas educacionais novas para a questão de que a nova sociedade desejada por todos requer uma nova educação. E essas devem fazer eco às angústias e às esperanças dos homens nesse final de século.
A visão holística fala muito mais de esperanças e desejos do que de certezas no sentido científico tradicional. Mas há pesquisas sérias nesse campo, ainda que por hora no sentido de “ciência extraordinária”, aquela que surge no momento de crise paradigmática e que traz em seu bojo, certezas e incertezas.
A certeza está no fato de que ela detecta uma anomalia que o paradigma vigente não contempla. A questão ecológica realmente não pode ser resolvida pelo modelo racionalista/mecanicista, uma vez que suas raízes profundas se originam desse próprio paradigma. A visão fragmentária do racionalismo analítico, por sua própria natureza é insuficiente para resolver as questões ligadas a inter-relações, interconexões, sistemas e subsistemas, que são o campo dos problemas ecológicos.
Essa é a certeza. As incertezas são no campo de quais caminhos se devem seguir para construir um novo paradigma que supere e não simplesmente negue o anterior, sem que caia em simplificações de questões profundas, em carências de fundamentos pelo encantamento diante do novo ou por necessidade premente de solucionar as anomalias. Por isso as resistências conservadoras são necessárias, diz Cardoso (op.cit.) para dissipar as generalizações precipitadas da evolução filosófica da ciência nessa época de transição paradigmática.
Essa seriedade e postura crítica na produção dos fundamentos do paradigma holístico estão no cerne do trabalho dos pesquisadores. Disse Weil (1994, p.13) ao referir-se sobre o encontro entre a ciência e as tradições espirituais – “Sabemos o ponto de partida, o ponto de chegada, não”.
A partida é a necessidade de superação do racionalismo reducionista que só traz progresso material, e não humano. É chegada de se construir uma nova visão de mundo com racionalidade, que elimine e abra os caminhos do futuro da humanidade, diz Cardoso (op.cit).
É senso comum entre os pesquisadores do novo paradigma, o que Cardoso (1995, p.11), esclarece: “O paradigma holístico não é uma determinada corrente filosófica, e sim uma forma de se pensar, viver, e que prefere sinalizar a “holístico” como adjetivo ao invés de usar o substantivo “holismo”. Como exemplo, diz que não há congressos sobre holismo, mas sim congressos holísticos sobre os mais diversos assuntos, enfocados de maneira holística: física, psicologia, educação, comunicação, etc., onde os congressistas são convidados a participar de atividades artísticas, exercícios de relaxamento, celebrações espirituais ecumênicas intercaladas às conferências. É a razão, a sensação, o sentimento e a intuição atuando como meios de percepção e conhecimento”.
No nível epistemológico a construção desse paradigma novo tem na pesquisa transdisciplinar o caminho para a sua concretização. É necessário o diálogo entre as ciências, para o equilíbrio da ultra-especialização a que chegamos. As disciplinas são cada vez mais numerosas e mais enclausuradas dentre os muros da escola.
Os problemas que se originam dessa fragmentação epistemológica, aparecem no trato das questões ambientais, sociais e de ordem pessoal. Este paradigma, segundo Weil, (1999):
“Considera cada elemento de um campo como um evento refletindo e contendo todas as dimensões do campo [a metáfora do holograma]. É uma visão na qual o todo e cada uma de suas sinergias estão estreitamente ligados em interações constantes e paradoxais”. Weil (1999) - Universidade Holística Internacional.
Para Ron Miller em seu artigo “Holismo and Meaning” na visão holística os fenômenos jamais podem ser entendidos isoladamente e o pensamento tecnológico reducionista manipula partes da natureza, com propósitos limitados, sem se dar conta, num contexto mais amplo, das conseqüências dessa ação. Assim é que a marca fundamental da nossa cultura, pela destruição do ecossistema aparece. Apesar dessa separação aparente das coisas no cotidiano, das classificações que nossa intelectualidade estabelece, o cosmo é uma totalidade única em um complexo sistema de relações. Miller, apud Cardoso (op.cit.) ao fazer a importante observação, de que a nova consciência holística só será desenvolvida com a percepção da interdependência entre os vários planos de totalidade: pessoal, comunitário, social, planetário, e cósmico. Tudo o que ocorre em um dos planos repercute-nos demais.
Nesse contexto, em que somos apenas um fio da teia cósmica de infinitas relações, o homem não pode mais ser o “Senhor do Universo”, querendo submeter à natureza a seus caprichos.
A visão holística dá então, lugar a um Oceano Cósmico dotado de vida e consciência, que se regula e se expande por si próprio. Surge daí um novo conceito de espiritualidade no homem, de integração teórica - vivencial - com a totalidade cósmica, através dos planos pessoal, comunitário, social e planetário.
Ele continua a explicação, dizendo que cada um desses planos possui propriedades de poder, duração, unidade e importância. Sobre o termo espírito, ele esclarece que o paradigma holístico o entende no sentido bergsoniano (não teocêntrico): seria a energia vital que abrange unitariamente o intelecto as emoções e nossa própria força física. O autor Boff (1993, apud CARDOSO, 1995, p.36) em consonância com essa posição, afirma que o “espírito não é entendido como parte do ser humano ao lado do corpo, mas como totalidade humana enquanto é vida e fonte de energia vital.”
Assim, a essência da espiritualidade não está na crença de superstição, dogma, ou intuição Religiosa. Ela está na nossa profunda identificação com os outros seres (vivos ou não), e conseqüentemente, com a totalidade do ser. Essa atitude faz brotar em nós os mais altos valores morais: compaixão, humildade, altruísmo, paz, justiça e amor. O absoluto é visto como um atributo da própria natureza, o fundamento de todo ser.
O outro mundo habita o interior desse mundo. Deus está dentro de cada ente (assim como o pensamento pré Socrático o concebia). Assim resgata-se o sentido originário de toda religião, ou seja, o de religar o ENTE AO SER. Foi talvez, para Cardoso (1995), uma experiência mística da unidade cósmica que Buda teve ao se sentir uno com uma árvore, Cristo com o “Pai”, e São Francisco com os pássaros, sol e lua. E usando metáforas míticas o homem tentou exprimir essa inexprimível experiência: nirvana, reino dos céus, consciência objetiva, estado de graça, de beatitude, de contemplação, de iluminação, experiência mística cósmica, oceânica, transpessoal.
No plano epistemológico, a teoria da relatividade e a teoria quântica provocaram um abalo na sólida construção da mecânica clássica ancorada na objetividade e na neutralidade das ciências, mas não quer dizer que agora se tenha instaurado um subjetivismo epistemológico.
Bachelard, (1984.p.128, apud CARDOSO, 1995, p. 37), apresenta o racionalismo aplicado, para resolver isso, que tanto rejeita o empirismo tradicional quanto o racionalismo idealista. Para ele o “real cientifico não é dado pela experiência imediata e primária. O “objeto científico”, diferente do objeto imediato, é sempre relativo a sistemas teóricos, instruído por ele. O que garante a precisão do conhecimento científico não é o objeto, mas o método. Nesse sentido, a objetividade, é fruto da ação dialética sujeito – objeto, e não do que pensa o dualismo de exclusão do sujeito e do objeto.
A interferência da situação de observação na realidade do fenômeno observado, conforme constatado nas experiências subatômicas, reforçou a possibilidade de se conceber até mesmo o conhecimento científico como um processo interativo entre sujeito e objeto.
Visando uma percepção do todo, a visão holística considera não somente a razão e a sensação, mas também a intuição e o sentimento como vias de construção do real.
É preciso pensar de forma analítica, juntamente com as funções cerebrais intuitivas, emocionais, sintética e espirituais.
Com relação à inclusão das funções verbais intuitivas características da holística, para complementar o lado analítico lógico em trabalhos científicos, é importante termos em conta que todo o novo paradigma está calcado em habilidades desenvolvidas pelo hemisfério cerebral direito, e a ciência oficial, por sua vez, com todo seu lado materialista, exato, concreto, preciso, lógico, estanque, ancora-se no funcionamento do hemisfério cerebral esquerdo.
Essa nova estimulação que o paradigma holístico faz ao nosso hemisfério cerebral direito vem trazer um equilíbrio para o “super privilégio”, verdadeiro “culto” às habilidades cerebrais do hemisfério esquerdo, que a ciência e essa sociedade incutiram em seus sistemas educativos.
Assim precisamos pesquisar, práticas pedagógicas que privilegiem o belo, a arte, o sutil, a expressão e a consciência corporal, a música, etc., a par de todo trabalho que já é feito nas escolas para o campo do raciocínio lógico formal / concreto.
Capra (1982), ao iniciar as pesquisas holísticas estabeleceu pontes entre o misticismo oriental e a física moderna em sua obra “O Tao da Física”, que Cardoso (1995) também corrobora, e bem sintetiza: “numa palavra, a atitude integrativa da razão sentimento, Ocidente – Oriente lado esquerdo – lado direito do cérebro, ciências tradicionais espirituais é o alicerce fundamental da visão holística. Trata-se, de uma racionalidade complexa, que pretende se desenvolver por dois caminhos, um simbólico/metodológico/mágico/ outro racional/ lógico/empírico”.
A partir dessas bases epistemológicas, estruturam-se dois grandes caminhos metodológicos que permitem ao homem desenvolver a percepção holística da realidade.
- O primeiro, de cunho teórico, representa os estudos que visam estabelecer pontes entre as ciências, a filosofia, a arte e a tradição. É a holologia.
- O outro é o caminho da holopráxis: vivências voltadas para a superação da fantasia de separatividade, entre as quais encontramos: Yoga, T’aichi, Aikidô, Medicina Psicossomática, Terapias Integrativas, Cultos Ecumênicos, etc.
Por tudo isso, pode-se afirmar que a visão holística não é só a construção de um novo conceito de saber, diz Weil, apud Cardoso (op.cit) mas também e muito mais, uma conversão para valores como: Simplicidade, Harmonia, Integridade, Completude, Dignidade, Sacralidade, Beleza, Universalidade, Pureza, Amor, Comunhão, Serenidade, Respeito, Abertura.
PARTE 2: DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS DA EDUCAÇÃO HOLÍSTICA
A Pedagogia Holística tem seus alicerces fundamentados em filósofos e pedagogos do século XVII, incluindo os românticos como Rousseau, Pestalozzi, entre outros, assim como os liberais, os humanistas, os transcendentalistas,etc., passando por reconhecidos, e ainda influentes pedagogos do inicio do século XX, como Maria Montessori, Rudolf Steiner, Ferrer e Guardiã, Dewey, Decroly, etc.
No entanto, só mais recentemente é que o holismo adquire um corpo mais consistente e unificado, a ponto de ser visto como um novo paradigma educacional, que maneira crescente vem sendo assumido e praticado por uma rede cada vez maior de educadores de todo o mundo.
A maioria das escolas que ministram currículos holísticos é privada, mas a exigência de inúmeras iniciativas públicas é muito esperançosa e anuncia a urgência de um novo paradigma que somente será generalizado na medida em que suas propostas não forem vistas como “ameaçadoras” para determinados interesses políticos e econômicos que são decisivos para o estabelecimento da função da escola.
2.1: Ponto de Partida: a fragmentação
Na atualidade, o ponto iniciático dos educadores holísticos é a convicção da existência de uma fragmentação de todas as esferas da vida humana. J. Miller (1996 apud YUS, 2002, p. 13) dizia que, desde a Revolução Industrial, a humanidade estimulou a compartimentalização e a padronização, cujo resultado foi à fragmentação da vida.
Essa fragmentação afeta tudo:
Vida econômica: A fragmentação na economia teve como resultado devastação ecológica. O ar que respiramos e água que bebemos estão normalmente poluídos. Estamos destruindo tudo, pois nos vemos separados do processo orgânico que nos rodeia.
Vida social: a maioria das pessoas nas sociedades industrializadas vive em grandes Metrópoles, onde se sentem inseguros e separados dos demais. A violência urbana se tornou interesse predominante. Essa fragmentação se revela também em diversas formas de excesso. Nós abusamos do fumo, do álcool e das drogas. Abusamos também, dos demais, incluindo os idosos, as esposas e as crianças. Esses tipos de abusos vêm de pessoas que se sentem desconectadas das outras e afastadas das formas consideradas válidas na comunidade.
Vida Pessoal: outra configuração de fragmentação ocorre dentro de nós mesmos. O principal motivo da falta de unidade do mundo e a falta da unidade na pessoa. Estamos desconectados de nosso próprio corpo e de nosso coração. Como conseqüência, vivemos centrados somente em nossos interesses. A visão materialista da vida estimula as pessoas a darem maior importância a bens materiais, no entanto, muitas delas que adquiriram bens materiais não se sentem completas, elas notam que estão perdendo algo, que na falta de outra palavra melhor, podemos chamar de espiritualidade.
Vida cultural: a fragmentação em nossa cultura é percebida por uma falta de sentido compartilhado de significados. Essa falta de censo chega a ser evidente quando procuramos abordar temas de interesse social e humano. O único tema que compartilhamos e a visão materialista da vida, que surge que a realidade e só física, e que somente podemos controlá-la com o método cientifico. Relacionado a ele esta o consumismo, que nos estimula a guardar o maior número de bens materiais possíveis. Quanto mais tivermos, maior será a nossa felicidade.
Essa fragmentação ultrapassa os muros das escolas e exige delas sua reprodução. Devido a isso, nossas escolas transpiram fragmentação por todos os lados: organização (tempo, espaço) compartimentada e hierarquizada, profissionais especializados e desconectados, conhecimento fragmentado em disciplinas, unidades e lições isoladas, sem possibilidade de ver a relação dentre e entre elas, e entre estas, a realidade que os alunos vivem. Tudo isso prepara e educa para a fragmentação.
2.2 Definição de Educação Holística
Não existe uma definição universalmente aceita sobre a educação holística, isso se deve a diversidade de abordagens e de ênfases em aspectos determinantes. Podemos rastrear sua denominação a partir de seu significado etimológico. Tudo que esta relacionado com o holismo, vem do grego Holon, que faz referência a um universo feito de conjuntos integrados que não pode ser reduzido a simples somas de suas partes. Mas dentro dessa concepção, que se contrapõe a visão reducionista do mundo, existe uma, que ressalta a existência de uma dimensão espiritual nas coisas, e outra mais materialista que admite a existência de um todo formado por partes que se inter-relacionam. No entanto, o termo holístico, muitas vezes, veio acompanhado por diversas propostas de caráter esotérico, por isso, a denominação pode levar a um entendimento muito restrito das potencialidades reais desse enfoque educativo.
O termo “Educação Holística” foi proposto pelo americano R. Miller (1997 apud YUS, 2002, p. 16) para designar o trabalho de um conjunto heterogêneo de liberais, de humanistas e de românticos que tem em comum a convicção de que a personalidade global de cada criança deve ser considerada na educação. São consideradas todas as facetas da experiência humana, não só o intelecto racional e as responsabilidades de vocação e cidadania, mas também os aspectos físicos, emocionais, sociais, estéticos, intuitivos e espirituais inatos do ser humano.
Um pouco antes, e de maneira independente, o canadense J.P.Miller (1996 apud YUS, 2002, p.16) havia utilizado esse termo em seu trabalho sobre “Currículo Holístico”. Para ele, a educação holística esta baseada no principio de interconexão. Desse modo, procura desenvolver visões do ensino e da aprendizagem que estimulem as conexões entre disciplinas e entre aprendizes por várias formas de comunidades. Também procura um equilíbrio dinâmico em situações de aprendizagem, entre elementos, tais como o conteúdo e o processo, a aprendizagem e a avaliação, e o pensamento analítico e o criativo. Por último, a educação holística é inclusiva, no sentido de incluir um leque amplo de tipos de estudantes e uma diversidade de visões de aprendizagem, procurando atender as diversas necessidades do aprendizado.
O Holistic Education Network do ACSA descreveu a educação holística como um conjunto de visões da educação que procuram educar completamente a pessoa. Isso inclui estudos de visões interconectadas do mundo, tais como as de relações corpo/mente, de inteligência múltiplas, de análises de conceitos, de espiritualidade e de prática em sala de aula, além de estudos que abordam, a partir de visões holísticas, as pessoas, as culturas, enfim, o mundo e o cosmos.
Por outro lado, a American Society for Curriculum Development tem um grupo interessado na Educação Holística e utiliza a definição de J.P.Miller ao considerar que se trata de um sistema de aprendizagem baseado no principio de interconexão e globalidade. A partir dessa perspectiva, o estudante é visto como uma pessoa global com corpo mente emoções e espírito.
Do mesmo modo, o Institute of Education oh the Ontário Institute for Studies in Education da Universidade de Toronto assinala que a educação holística e estética reconhece a possibilidade de interconexão entre o corpo, a mente, as emoções e o espírito. A aprendizagem é vista como um processo experimental e orgânico; estabelecer conexões é visto como um assunto central para os processos curriculares. Uma perspectiva estética e o processo de construção do conhecimento por meio de questionamento são vistos como integrais a todas as formas de educação e da própria vida. As estratégias de instrução incluem a visualização, a aprendizagem cooperativa, as estratégias de resolução criativa de problemas e o drama. No entanto, a educação holística evita a ênfase em uma técnica particular e, em seu lugar, estimula uma visão de educação multifacetada, que reconhece a interdependência e a conectividade.
Para R. Miller (1997 apud YUS, 2002, p. 17), a educação holística não é nenhuma técnica ou currículo, afirmação que entra em conflito com as diversas propostas de currículo holístico (exemplo, J.P.Miller, 1996). Possivelmente, R. Miller queria propor com isso que a ênfase seja vista como uma mudança de “perspectiva” que implica o holismo, e não que seja vista como uma proposta pedagógica acabada e definitiva. Para esse autor, a educação holística alimenta o desenvolvimento da pessoa em sua globalidade. Ela se desenvolve em torno das relações entre aprendizes, entre pessoas jovens e adultas, e estão interessadas na experiência vital, não nas, rigorosamente definidas habilidades básicas. A educação holística não se centra na determinação de quais fatos ou habilidades os adultos deveriam ensinar as crianças, mas na criação de uma comunidade de aprendizagem que estimule o crescimento do envolvimento criativo e interrogativo da pessoa com o mundo. Ela é nutridora de pessoas saudáveis, completas e curiosas, que podem aprender qualquer coisa que precisem e em qualquer contexto.
Consequentemente, com esse termo se pretende denominar uma mistura de tradições educativas e de posições filosóficas bem diversificadas, às vezes até contraditórias entre si em determinados pontos, mas que, em compensação, possuem aspectos comuns. A educação holística foi criticada por sua ênfase excessiva no individuo, o que possivelmente seja verdade quanto as suas raízes, mas atualmente acolhe entre seus princípios a vertente social-transformadora, embora, e diferentemente da corrente crítica-emancipadora, não o faça a partir de pensamentos racionais, mas a partir da importância do eu.
2.3 Características e Finalidades da Educação Holística
As definições descritas no item anterior podem dar uma idéia das características e finalidades da educação holística. Assim para J.P.Miller (1996 apud YUS, 2002, p. 17), o centro de atenção da educação holística esta nas relações, entre o pensamento linear e a intuição, entre mente e corpo, entre os diversos domínios de conhecimento e entre o eu e o Eu. No currículo holístico, o estudante analisa tais relações de maneira que obtenha tanto uma consciência delas quanto das habilidades necessárias para transformá-las onde for mais apropriado.
Por outro lado, R. Miller (em Flake, 1998 apud Yus, 2002, p.18) considera que a educação pode ser descrita como holística quando demonstra as seguintes características:
1. A educação holística nutre o desenvolvimento da pessoa global; está interessada no intelectual, assim como no emocional, no social, no físico, no criativo/intuitivo, no estético e nos potencias espirituais.
2. A educação holística gira em torno das relações entre os aprendizes, às pessoas jovens e adultas. A relação professor-aluno tende a ser igualitária, aberta, dinâmica e não limitada por funções burocráticas ou regras autoritárias. Um sentido de comunidade é essencial.
3. A educação holística está interessada na experiência vital, não em “habilidades básicas” rigorosamente definidas. A educação é crescimento, descoberta de uma vastidão de horizontes; é um envolvimento com o mundo, uma questão para compreender e dar sentido. Essa questão vai além dos horizontes limitados dos currículos convencionais, livros didáticos e provas padronizadas.
4. A educação holística capacita os alunos para que se aproximem criticamente de contextos culturais, morais e políticos de suas vidas. Reconhece que as culturas são criadas pelo povo e que podem ser mudadas por ele se deixarem de servir às suas necessidades. Como contraste, a educação convencional somente reproduz a cultura já estabelecida. A educação holística, então, é um empreendimento fundamental.
A educação holística ligou-se a determinadas visões educativas na área da educação ambiental (movimento de eco-alfabetização, de ecologia profunda). Um de seus expoentes, Gang (em C.L.Flake, 1998 apud YUS, 2002 p. 18), indica que os propósitos da educação holística são:
1. Dar para os jovens uma visão do universo em que todo ser animado e inanimado esteja interconectado e unificado.
2. Ajudar os estudantes a sintetizar a aprendizagem e a descobrir a inter-relação entre todas as disciplinas.
3. Preparar os estudantes para a vida do século XXI, enfatizando uma perspectiva global e os interesses humanos comuns.
4. Capacitar os estudantes para desenvolver um senso de harmonia e espiritualidade, necessário para a construção da paz mundial.
Para Holistic Education Network of Tasmânia (HENT), a educação holística pode ser caracterizada da seguinte forma:
1. Está relacionada com o crescimento de todas as potencialidades da pessoa: intelectual, emocional, social, física, artística, criativa e espiritual. Envolve os alunos de maneira ativa nos processos de ensino/aprendizagem e incentiva-os a ter uma responsabilidade pessoal e coletiva.
2. É uma questão de compreensão e significado. Seu objetivo é nutrir de maneira saudável e de forma global as pessoas curiosas que possam aprender tudo o que precisam saber em qualquer contexto novo. Introduzindo os alunos em uma visão holística do planeta, da vida na terra, e da emergente comunidade mundial. As estratégias holísticas capacitam os alunos para que percebam e compreendam os diversos contextos que determinam e dão significado à vida.
3. Reconhece o potencial inato de todo aluno para um pensamento inteligente, criativo e sistêmico. Isso inclui os chamados “alunos em situação de risco”, a maioria dos quais têm dificuldades graves para aprender a partir de um paradigma mecanicista e reducionista, que enfatiza processos lineares e seqüenciais.
4. Valoriza o conhecimento espiritual (não em um sentido de parcialidade). A espiritualidade é um estado de conexão de toda a vida, respeitando a diversidade na unidade. É uma experiência de ser, pertencer e cuidar. São sensibilidades e compaixões, diversão e esperança. É o sentido de encanto e reverência pelos mistérios do universo e um sentimento do sentido da vida. É o movimento em direção às mais alta aspirações do espírito humano.
Para Hutchison (2000 apud YUS, 2002, p. 19), a visão holística da educação surge dentro do contexto da filosofia perene, que apresenta uma visão ecológica do mundo. A partir dessa perspectiva, todos os fenômenos na natureza são vistos como interconectados em um universo interdependente. Tal interdependência está baseada em uma reciprocidade dentro e entre os mundos natural, físico e cultural que vão além de nossas vidas e de toda a comunidade biótica. O enfoque sobre conexões levou os educadores holísticos a valorizar uma grande variedade de enfoques do “saber” que complementa os modelos lógicos-analíticos do conhecimento tradicionalmente legitimados pelas escolas. Esses modelos incluem os processos intuitivos de pensamento, que implicam um contato direto e imediato com o conhecimento, cujo processo cognitivo, não mediado pelas considerações ou pelas análises racionais, surge com maior freqüência em momentos de intensa atividade criativa, ou quando o corpo está em repouso, com a mente em estado de alerta. Esses modelos incluem também processos metafóricos, os quais implicam saltos cognitivos no pensamento e fazem ponte, por analogia, entre os fenômenos aparentemente não-relacionados e que, portanto, descobrem várias relações e padrões; e os modos narrativos de pensamento, em que a base temporal da vida ganha voz, e as seqüências de eventos são reconstruídos por seu significado a ser aprendido.
O mesmo autor assinala que o currículo holístico aborda a busca de significado e de propósito empreendida pela criança no mundo natural que as rodeia. Os educadores holísticos consideram a busca como algo internamente dirigido pela criança quanto como algo externamente dirigido pelo professor ou pelo currículo. Ao dar uma atenção especial para as motivações internas das crianças e para os estágios de crescimento críticos em relação ao momento, os educadores holísticos argumentam que são capazes de atender efetivamente, as necessidades das crianças em várias fases de seu desenvolvimento. Desse modo, escreve R. Miller (1997 apud YUS, 2002, p. 20), a filosofia holística “começa com um respeito profundo pelo ser humano em crescimento e procura oferecer, dessa forma, um ambiente de aprendizagem” coerente e sensível para as tarefas que impulsionam os sucessivos estágios do desenvolvimento.
Pode-se dizer que a Educação Holística tomou corpo recentemente, a partir de importantes acordos internacionais entre educadores holísticos de diversos países e de diferentes tendências. O principal marco foi a Declaração de Chicago, elaborada na Oitava Conferência Internacional de Educadores Holísticos em Chicago, Illinois (junho de 1990).
Declaração de Chicago
“Conforme nos aproximamos do século XXI, muitas de nossas instituições e profissões estão entrando em um período de profunda mudança. Em educação, estamos começando a reconhecer que a estrutura, os propósitos e os métodos de nossa profissão foram elaborados para um período histórico que agora esta terminando. O tempo transformou a educação, o que nos conduziu aos desafios humanos e ambientais com os quais nos deparamos.
Acreditamos que a educação para essa nova era deve ser holística. A perspectiva holística é o reconhecimento de que toda a vida neste planeta está interligada de incontáveis, profundas e sutis maneiras. A visão da Terra, suspensa sozinha no véu negro do espaço, revela a importância de uma perspectiva global voltada para realidades sociais e educativas. A educação de nutrir-se da comunidade humana de todo o planeta.
O holismo enfatiza o desafio de criar uma sociedade sustentável, justa e pacífica, em harmonia com a terra e sua vida. Implica uma sensibilidade ecológica, um profundo respeito pelas culturas indígenas e modernas, e também pela diversidade de formas de vida no planeta. O holismo procura ampliar a maneira como nos vemos e a relação que termos com o mundo, exaltando nossos potenciais humanos inatos: o intuitivo, o emotivo, o físico, o imaginativo e o criativo, assim como o racional, o lógico e o verbal.
A educação holística reconhece que os seres humanos buscam significado, não exatamente em fatos ou habilidades, como um aspecto intrínseco de seu desenvolvimento integral e saudável. Acreditamos que somente seres humanos saudáveis e integrais criam uma sociedade saudável. “A equação holística nutre as esperanças mais altas do espírito humano”. (YUS ,2002 p -20)
Na citada Conferência de Chicago (1990), também foi fundada o GATE (Global Alliance for Transforming Education), que elaborou um importante documento que pretende aglutinar as inquietações de todos os educadores holísticos do mundo: Educação 2000: uma perspectiva holística. Nesse documento estão os dez princípios que atualmente servem de referência a todos os educadores holísticos do mundo, que está em anexo desse referido trabalho.
2.4 Conclusões das Características da Educação Holística
A partir das inúmeras definições e tentativas de conceituação desse paradigma, acreditamos que ele está formado pelos seguintes elementos caracterizadores:
Globalidade da pessoa: A tradição holística teve sua primeira incursão no âmbito educativo pela ênfase dada á totalidade da pessoa. A pessoa não é apenas “mente”, mas também é corpo e espírito, e estes são elementos que estão estreitamente relacionados com um todo. A educação holística está interessada no crescimento de todas as potencialidades humanas: intelectual, emocional, social, física, artístico-estética, criativo-intuitiva e espiritual. Da mesma forma aceita a existência de inteligências múltiplas que precisam de processos educativos diferenciados.
Espiritualidade. Talvez o traço mais característico e diferenciador da tradição holística tenha sido, e ainda é a ênfase dada às dimensões espirituais dos alunos, um elemento desprezado pelos sistemas educacionais atuais, ou mesmo reduzido a um determinado dogma. O holismo valoriza e desenvolve a espiritualidade como estado de conexão de toda a vida, da experiência do ser, de sensibilidade e compaixão, de diversão e esperança, de sentido de reverência e de contemplação diante dos mistérios do universo, assim como do significado e do sentido da vida.
Inter-relações. Outro elemento diferenciador da educação holística é sua ênfase em todos os tipos de relações entre os elementos que constitui o “todo”, do qual a mente, no homem, e a própria espécie humana, fazem parte. Isso significa que são contempladas as inter-relações entre corpo e mente, entre os diferentes domínios e facetas da pessoa, entre colegas e entre professores e pais. Essa inter-relação é especialmente visível no tratamento das áreas de conhecimento, que são abordadas a partir de diversas formas de interdisciplinaridade e de globalização.
Equilíbrio. Diferentemente do que se pode pensar, o holismo não significa uma visão radical, extremista ou paidocêntrica em relação à escola tradicional. Ao contrário, tem um caráter sincrético, pelo qual pretende equilibrar tendências e tirar proveito de todas elas na medida em que possam ser conciliadas, pois na verdade, são facetas de uma mesma realidade.
Cooperação. Como conseqüência dos princípios de inter-relação e de equilíbrio, a educação holística presta especial atenção nas relações pessoais, incentivando com isso um espírito cooperativo, e na adoção de decisões coletivas responsáveis. A educação holística gira em torno das relações entre os alunos, entre estes e os adultos, de modo que a relação professor-aluno tenda ser igualitária, aberta, dinâmica e não sujeita as regras autoritárias, conseguindo, com isso, um sentido de comunidade.
Inclusão. O caráter holístico dessa educação coloca todos os indivíduos em um plano de igualdade, reconhecendo que todo ser humano independente de seu coeficiente intelectual, seu sexo, sua cultura e sua classe social, possui algumas potencialidades inatas, dignas de serem desenvolvidas na escola. A escola holística integra, de maneira efetiva, alunos com diferentes ritmos de aprendizagem e com diferentes capacidades de aprendizado, dentro de uma proposta cooperativa.
Experiência. A escola holística confia muito no principio de aprendizagem pela experiência vital, e não tanto nas rigidamente definidas “habilidades básicas”. A educação é crescimento por meio da descoberta de horizontes, o que supõe um envolvimento no mundo, sustentado pelo interesse, pela curiosidade e pelo propósito pessoal de compreender e encontrar sentido.
Contextualização. A educação holística reconhece que todo conhecimento é criado a partir de um contexto histórico e cultural, e que os “fatos” raras vezes são mais do que pontos de vista compartilhados, estimulando nos alunos uma visão crítica dos contextos culturais, morais e políticos de suas vidas. A educação holística defende que as culturas são criadas pelo povo e podem ser mudadas pelo povo se deixarem de servir ás necessidades humanas consideradas importantes, por isso seu caráter radical.
De acordo com R.Miller (1997 apud YUS, 2002, p. 25), apesar das grandes diferenças nas técnicas pedagógicas e na ênfase filosófica, os educadores “contra culturais” compartilham importantes elementos de uma visão do mundo emergente que se chegou ao consenso de chamar “holística”. Se o século XXI deve ver a chegada de uma cultura ultra moderna (que supera as estreitezas de modernidade e da pós-modernidade) arraigada em uma visão de mundo mais orgânica, ecológica e espiritual, então poderemos presenciar mudanças importantes na escola tradicional, incorporando muitos dos princípios que os educadores holísticos defenderam durante os últimos séculos, com a lógica atualização decorrente dos novos conhecimentos da ciência pedagógica.
Segundo R. Miller , o holismo é, em última instância, uma rebelião do espírito humano, do inconsciente profundo, que se eleva acima de tudo na globalidade. Tanto é assim que o pensamento holístico atraiu as almas mais sensíveis da sociedade moderna (buscadores e místicos), que não podem tolerar uma cultura mecanicista e sem significado. Essa “revolução das sensibilidades” ou “reencantamento do mundo” não é mais do que a psique, que foi reprimida por uma orientação abertamente racional, utilitária e mecanicista, para nossa experiência na Terra, e que, para muitos pensadores, é a chave de todas as crises que começamos a enfrentar no início do século XXI. Apesar de a educação holística ter nascido como uma preocupação exclusiva pelo indivíduo, as tendências atuais, que convergem com a tradição mundialista da educação Global, assinalam que é a partir da potencialização holística da pessoa que se alcança uma perspectiva mais compassiva, tolerante e solidária com todos os povos e com toda forma de vida neste planeta.
PARTE 3: BASES PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO HOLÍSTICA
Nesta parte do trabalho, vamos procurar chegar a uma caracterização, a mais inclusiva possível, das bases pedagógicas da educação.
3.1 Propriedades Curriculares da Educação Holística
Para caracterizar a educação holística, J.Miller (1996 apud YUS, 2002, p. 30) propôs uma análise por meio de três características ou metáforas comuns: equilíbrio, inclusão e conexão. Vejamos, detalhadamente, suas implicações educativas.
Equilíbrio
Diante de um mundo de dicotomias, desenvolvido a partir de uma visão mecanicista e reducionista, o holismo ressalta a necessidade de alcançar um equilíbrio em dicotomias, tais como homem/mulher, independência/interdependência, quantidade/qualidade, fora/dentro, racional/intuitivo, economia/ambiente, hierarquia/rede, tecnologia/consciência, material/ sagrado e nação/ globo/região. A meta da educação holística é ajudar os estudantes para que aprendam a manejar essas dicotomias a partir de uma ótica equilibrada.
Dentro dessa perspectiva, o desenvolvimento intelectual da criança deve ser considerado em equilíbrio com seu próprio desenvolvimento emocional, físico, estético e espiritual. Embora em determinados momentos um aspecto de sua pessoa possa ser predominante, o educador holístico nunca deve perder de vista a noção de globalidade da pessoa.
Se analisarmos um currículo de educação holística, teremos de reconhecer esse equilíbrio nas diferentes situações dicotômicas da vida escolar, como assinaladas por J.Miller:
Equilíbrio entre o indivíduo e grupo. Os sistemas educacionais tradicionais enfatizam mais a competição individual do que a colaboração grupal. O currículo holístico exige uma aprendizagem mais colaborativa, em que os estudantes aprendam a trabalhar em pequenos grupos, e isso não vai contra a qualidade das aprendizagens individuais, nem do desempenho de cada indivíduo.
Equilíbrio entre conteúdos e processos. A escola tradicional baseou a aprendizagem na memorização do conteúdo. Como reação, algumas correntes educativas centraram-se mais nos processos, desprezando as aprendizagens teóricas. O currículo holístico busca um equilíbrio entre dois elementos, reduzindo a quantidade de conteúdos para melhorara a qualidade das aprendizagens, assim como para processar a informação (aprender e aprender), sem renunciar a um esquema lógico de conteúdos.
Equilíbrio entre conhecimento e imaginação. A ênfase nos conteúdos fez com que se valorizasse o conhecimento como único processo mental e como algo externo, estático e acabado. O currículo holístico defende que é possível relacionar conhecimento e imaginação, possibilitando que o conhecimento seja visto como resultado de uma construção global, de nossa habilidade de interpretar e construir significados, e tudo isso exige a colaboração de nossa imaginação.
Equilíbrio entre razão e intuição. Seguindo o paradigma mecanicista e cartesiano, a escola tradicional deu importância exclusiva para abordagens racionais e lineares dos problemas. Entretanto não se pode desprezar a riqueza e a força do pensamento racional. Por isso, a partir, de um currículo holístico, tenta-se encontrar um equilíbrio enriquecedor entre a razão e a intuição, pois na prática não existe descoberta sem a ajuda desse processo irracional que chamamos de intuição.
Equilíbrio entre avaliação quantitativa e qualitativa. A escola tradicional costuma aplicar métodos quantitativos em avaliação, por meio de uma bateria interminável de provas. A educação holística não deixa de lado a realização de algumas medições quantitativas, mas incorporam métodos qualitativos como a avaliação do desempenho, o uso de portifólio, etc., que permitem avaliar um trabalho mais contínuo.
Equilíbrio entre avaliação e aprendizagem. A ênfase nos resultados por parte da corrente educativa majoritária leva os estudantes a centrarem-se na avaliação mais do que na aprendizagem em si. Da perspectiva holística, avaliação e aprendizagem devem equilibrar-se, pois são dois aspectos do próprio processo de crescimento: aprendemos conjuntamente com uma avaliação continuada, por processos de retro alimentação.
Inclusão
A tendência em equilibrar leva a uma nova propriedade do holismo: a inclusão. No debate pedagógico sempre houve uma tendência em radicalizar posições, isso é algo que se pretende evitar a partir do holismo com uma visão eclética, em busca de um sincretismo sintetizador. J Miller (1996 apud YUS, 2002, p. 31) considera que todas as propostas pedagógicas podem ser agrupadas em três orientações básicas:
Transmissão: é a orientação dominante da pedagogia “reducionista” ou “lógico-positivista”, que vê o ensino e a obtenção de conhecimento como a imitação e repetição das formas tradicionais de conhecimento e comportamento. Nessa orientação, o professor, ou livro didático, é o que “transmite” a sabedoria cultural ao estudante. Em ambos os casos, ocorrem um fluxo unidirecional de informação, conhecimentos e habilidades, quase sem oportunidades para refletir ou analisar a informação. Essa orientação teve uma longa história, reforçada por uma visão behavorista (estímulo-resposta) do aprendizado humano e por uma visão tradicional no currículo articulado em disciplinas. O conhecimento é visto como algo fixo, mais do que como um processo, e normalmente se fragmenta em pequenas unidades para que os estudantes possam manejar a matéria. A pedagogia holística questionou essa orientação exclusiva do ensino. No entanto, o princípio de inclusão é percebido na consideração de seus aspectos positivos em casos específicos. Por exemplo, o papel transmissivo pode ser necessário no relato de histórias ou no canto de músicas. Por outro lado, a aprendizagem transmissiva é comum quando começamos a aprender uma habilidade específica (a fala ou uma habilidade esportiva), pois essas são adquiridas por um processo imitativo e repetitivo.
Transação: a aprendizagem transacional é mais interativa, embora a interação seja principalmente do tipo cognitivo. Nessa orientação, envolve-se o aluno na resolução de algum problema ou em algum tipo de questionamento. O conhecimento não é visto como algo estático e dividido em pequenas unidades, mas como algo que pode ser mudado e dominado. Muitas vezes, o método científico é utilizado como um modelo de aprendizagem transacional, inspirando-se no princípio de Dewey de que o método científico é o único meio autêntico de nosso domínio para alcançar o significado das nossas experiências diárias do mundo em que vivemos. A relação entre currículo e estudante pode ser caracterizada por uma ênfase no diálogo ou na interação entre os dois sujeitos. O aluno geralmente é visto como um sujeito racional e capaz de comportamentos inteligentes, ou como um solucionador de problemas. É evidente que a pedagogia transacional incentiva unicamente às interações cognitivas e dá maior atenção aos processos de análise do que aos de síntese, e ao pensamento mais do que aos sentimentos, mas esse enfoque pode ser importante para a aprendizagem de procedimentos de resolução de determinados problemas, essencialmente do tipo científico-técnico, embora insuficiente para problemas complexos com temas sociais.
Transformação: mais próxima dos princípios holísticos; essa orientação parte da base de que a aprendizagem ocorre na globalidade da criança. A meta da posição de transformação é o desenvolvimento da pessoa global, não reduzida somente a uma série de competências ou habilidades de pensamento, mas considera todas as dimensões (físicas, emocionais e espirituais) do aprendiz. A partir dessa orientação, o currículo e a criança não são vistos como seres separados, mas interligados. Na pedagogia da transformação são utilizadas estratégias, tais como a resolução criativa de problemas complexos, a aprendizagem cooperativa e a globalização ou a interdisciplinaridade, que estimula os estudantes a realizarem diferentes tipos de conexões. Essas conexões fazem da aprendizagem algo pessoal e socialmente significativo para o estudante, com sentido para suas próprias vidas e para a comunidade.
O caráter eclético da educação holística permite a participação dessas três abordagens, sem esquecer a orientação transformativa, que por sua natureza holística, sempre será inclusiva em relação ás demais. No entanto, esse princípio não anula o conflito intrínseco da co-existência de orientações tão diferentes, exigindo dos professores um contínuo ajuste dessas tendências aos princípios da educação holística.
Conexão
Uma terceira característica ou metáfora, bem específica da educação holística, é a conexão, pois o holismo sempre buscou unir as partes a um todo, todavia, estabelecer conexões e descobrir relações entre as coisas já supõe um posicionamento crítico ante a fragmentação pessoal e social causada por nossa sociedade moderna. O desafio da educação holística é procurar construir todo tipo de conexões, por exemplo:
Relações entre pensamento linear e intuição. Um currículo holístico tenta restabelecer um equilíbrio entre o pensamento linear e a intuição. Várias técnicas, tais como a metáfora e a visualização, podem ser integradas aos pensamentos mais tradicionais, de forma que se consiga uma síntese entre a análise e a intuição.
Relações entre mente e corpo. Um currículo holístico explora a relação entre a mente e o corpo, de forma que o estudante sinta a conexão entre ambos. A relação pode ser explorada por movimentos, danças e exercícios de concentração.
Relações entre domínios de conhecimento. Existem muitas formas e graus diferentes com os quais podemos unir as disciplinas acadêmicas e os temas escolares. Por exemplo, abordar um tema complexo, como é o dos problemas ambientais, requer necessariamente a cooperação de diferentes disciplinas, mais isso pode ser tratado a partir de uma perspectiva multidisciplinar ou interdisciplinar, de acordo com o grau de integração.
Relações entre o eu e a comunidade. Um currículo holístico vê o estudante em relação com a comunidade, entendendo-se por esta tanto a comunidade escolar quanto as comunidades de cidadãos, da nação e até a comunidade global da Terra. Para isso, o estudante deve desenvolver habilidades interpessoais, habilidades de serviço comunitário e habilidades de ação social.
Relação entre o indivíduo e a Terra. É um tipo de relação entre o indivíduo e a natureza da qual ele faz parte, aprendendo a escutar as “vozes da Terra”, os sons dos animais, o murmúrio da corrente marítima, ou até o bramido do vento. Essa conexão implica vermos a nós mesmos como parte da rede da vida mais do que como uma entidade separada da Terra.
Relações entre o eu e o Eu. Em última instância, um currículo holístico nos leva a uma conexão com a parte mais profunda de nós mesmos. Além de nosso eu socializado, com o qual costumamos nos identificar, está o que foi chamado nosso “eu superior”, o Eu que se manifesta em determinados momentos de nossa vida (escutando uma música, vendo uma criança brincar, ou estando em contato com a natureza) que é por meio da qual sentimos uma profunda conexão com os demais e com tudo que é vivo.
No currículo holístico, o aluno analisa essas relações de modo que comece a ter consciência delas e das habilidades necessárias para transformar as relações onde for mais apropriado.
3.2 O Holismo como Eixo Conciliador de Tendências
Na história da educação sempre houve um debate entre tendências conservadoras, resistentes à mudança, e tendências progressistas, que desejam mudar o que não se ajusta a um ideal ou a uma nova situação. Usando as cinco perspectivas de Jackson (1992 apud YUS, 2002, p. 34), podemos mostrar como uma perspectiva de currículo holístico não é só uma via para unir a distância entre as posições aparentemente opostas de conservadores e progressistas, mas também para mostrar a necessidade de mudar a batalha dos “ismos” por um esforço comum entre todos. Conforme será mostrado, isso supõe preconizar uma sexta perspectiva ou sugerir uma opção a mais, mas proporcionar um mecanismo para alcançar uma visão holística que integre as cinco perspectivas de Jackson (1992 apud YUS, 2002, p. 34) e as metáforas holísticas.
Sem dúvida, as “cinco perspectivas” de Jackson (1992 apud YUS, 2002, p. 34), são caracterizações úteis que servem como ponto de partida para o diálogo sobre a mudança curricular, em geral, e do currículo holístico, em particular, permitindo centrar a discussão em questões curriculares profundas como o sentido da escola. A educação holística tem uma série de características que a coloca ao lado das visões tradicionais do currículo e da educação, porém, ao mesmo tempo, representa um ponto de partida para a reconstrução social.
O currículo holístico é contra a “fragmentação da vida” (J. Miller, 1996 apud YUS, 2002, p. 34), criada pela filosofia científica, egocêntrica e patriarcal do consumo capitalista e industrial, baseado no sistema econômico do excessivo desenvolvimento das nações do Norte. As cinco perspectivas de Jackson são uns sintomas dessa alienação dentro da educação, pois servem para reforçar as divisões categóricas e os elementos isolados da aprendizagem. Todo o professor praticante desenvolveu e mudou suas perspectivas em determinados momentos. Usando as três orientações do currículo holístico (equilíbrio, inclusão e interconexão), assinaladas por J.P.Miller, pode-se tentar entrelaçar as diferentes perspectivas:
1. Perspectiva conservadora. Arraigadas naqueles que acreditam no estabelecido, um desejo de manter ou resgatar (“voltar ao básico”) as matérias e os métodos de ensino do passado. Os proponentes vêem que existe somente uma via “correta” de ensinar a conhecer o conjunto de conhecimento, normalmente os conteúdos das disciplinas acadêmicas, por isso não são partidários a nenhuma mudança. Essa orientação está presente em todos os sistemas educacionais do mundo, e muitos educadores que hoje enfatizam a orientação holística foram formados nessa perspectiva, sendo levados a empregá-la nos primeiros anos de docência.
De fato essa tendência e problemática quando se adota uma perspectiva holística. Seus defensores desejam permanecer igual, preservar o estabelecido. No entanto, se adotarmos a característica de “equilíbrio” definida por J.P.Miller (1996 apud YUS, 2002, p. 35) para a educação holística, é possível perceber que o currículo holístico não despreza os elementos da escola tradicional, mas os vê de outro modo, buscando um equilíbrio em um mundo desvirtuado pela orientação mecanicista.
Embora a educação holística dê mais importância para a orientação transmissiva e reprodutora dessa visão, sua condição de “equilibradora” faz com que ela respeite as diferentes áreas disciplinares, de modo que as perspectivas holísticas não propõem suprimir ou diminuir essas disciplinas, pois são vistas até como algo necessário para o aprendiz. Todavia, para equilibrar, utiliza uma terceira característica: a conexão, para promover a união das matérias em busca da integração. O movimento de integração curricular ressalta a necessidade de um currículo integrado e exige uma “dissolução das fronteiras” entre as áreas disciplinares.
2. A perspectiva da natureza do aprendiz. Afirma que o trabalho educativo deve estar centrado na criança: são suas capacidades e atitudes atuais as que deverão ser exercitadas e intensificadas. È uma abordagem da “relevância pessoal”, segundo a qual é preciso proporcionar meios para que o estudante libere seu potencial.
Essa perspectiva é perfeitamente compatível com a educação holística, pois a natureza do aluno é parte essencial da posição holística da corrente de educação da “criança global”. As propriedades de inclusão, equilíbrio e conexão da posição holística proporcionam ao aprendiz a oportunidade e o ambiente para que ele desenvolva um equilíbrio entre o eu e o outro Eu, os elementos masculinos e femininos, a independência e a interdependência, e o mundo material sagrado, que são aspectos essenciais do holismo. A ênfase na conexão entre a mente e o corpo, e entre o eu e o Eu são áreas importantes em um currículo que tem a “natureza do aprendiz” como seu princípio norteador. Essa perspectiva é compatível com os modos de aprendizagem transacional e transformacional de J.P.Miller.
3. A perspectiva do instrumento de mudança social. Afirma que a educação pode conduzir a uma nova sociedade se for proporcionado aos estudantes o conhecimento e as habilidades para uma mudança social efetiva. São os movimentos de “adaptação social e reconstrução social” que enfatizam o desenvolvimento do estudante (ação) na comunidade em geral. Exemplos atuais dessa perspectiva são encontrados na educação dos direitos humanos e no currículo da educação global (Pike e Selby. 1988 apud YUS, 2002, p. 36), na exigência de mudança social de autores como Freire (1975), e no reconhecimento da educação como conflito social por meio de uma pedagogia crítica em Giroux (1990). Em sua evolução, muitos professores maduros perceberam a necessidade de abrir-se para o mundo exterior, permeando as matérias com problemáticas do mundo real, percebendo o papel da escola na reconstrução social, embora outros atuem nesse processo com uma volta ao básico e aos ensinos academicistas, não dando atenção para as manifestações dos temas sociais.
A posição do “instrumento de mudança social” é uma parte importante da perspectiva holística. Exige dos estudantes que a educação não seja somente “voltada para o serviço”, mas que consiga envolve-lo em “programas de ação social” (J. Miller, 1996 apud YUS, 2002, p. 36). Ensinar habilidades em que precisem equilibrar a independência e a interdependência, a hierarquia e a rede, o nacional, o regional e o global, são partes fundamentais do currículo holístico. A criação de uma conexão entre o eu e a comunidade, e entre o ser humano e a Terra, também proporciona metas para a perspectiva de mudança social. Essa perspectiva também é compatível, tanto com o modo de aprendizagem transacional quanto com o transformacional.
4. A perspectiva do controle efetivo. Interessa-se menos em como o currículo é apresentado do que em seu controle, regulamento e avaliação. É uma abordagem fundamentalmente “tecnológica”, que busca a “excelência” como eficiência. Os professores devem ser técnicos especialistas que saibam controlar a eficiência, seguindo os princípios básicos do currículo e da instrução de Tyler (1973 apud YUS, 2002, p. 36), e a taxonomia de objetivos de Bloom e colaboradores (1975) com a qual se pretende conseguir a neutralidade e a eficiência. É uma orientação comum em todos os sistemas educacionais, sendo especialmente exigida pelos governos em períodos de restrição econômica. Para alguns professores, o rigor das medidas adotadas em tais circunstâncias permitiu que vissem mais claramente a necessidade de um equilíbrio na educação e que se voltassem mais para uma orientação holística.
A posição de “controle efetivo” é a mais difícil de ser assumida dentro da perspectiva holística. Muitas vezes são a oportunidade política conjetural e as propriedades econômicas, mais do que o interesse nos estudantes, as que direcionam a educação pública. Os administradores de educação e do governo que supervisionam a educação, em tempos economicamente severos, exigem “taxação” em um sentido econômico, e os programas educativos “frágeis”, baseados no holismo, não podem ser justificados. Em teoria, a qualidade do equilíbrio na educação holística levaria a um equilíbrio entre a quantidade e a qualidade, entre a economia e o meio ambiente, etc. No entanto nessas circunstâncias, o que se valoriza é a eficiência econômica, por isso é um desafio manter uma perspectiva holística nesses tempos de restrições econômicas.
5. A perspectiva dos processos cognitivos. Enfatiza a necessidade de treinar mentalmente os estudantes para que saibam abordar e resolver problemas. As escolas deverão propor problemas intelectuais que desafiem os alunos a desenvolver habilidades cognitivas e, com isso, conseguir uma transferência dessas habilidades para os problemas da “vida real”. Trata-se de uma orientação defendida a partir do cognitivismo e das técnicas de resolução crítica e criativa de problemas. Qualquer professor tem consciência de que a comunidade escolar exige eficiência nos processos de aprendizagem, e que o cognitivismo trouxe luz para muitas dúvidas sobre como os alunos aprendem.
O princípio de equilíbrio da educação holística nos levaria a equilibrar a parte racional e a intuitiva das habilidades de pensamento, necessárias para que o aprendiz resolva criativamente os problemas da vida; é a chave, tanto para a aprendizagem holística quanto para a posição dos “processos cognitivos”. Enfatiza-se a conexão entre o pensamento linear e a importância do cultivo do intuitivo, mas não se deve esquecer que os processos cognitivos, assim como a imaginação e a mediação, são apropriados para abordagens holísticas e acrescentam força ao pensamento crítico linear da orientação transacional.
Enfim, a maneira transformativa pode resgatar uma imagem de crescimento individual que seja espiritualmente satisfatória e esteja profundamente conectada com a comunidade. O currículo holístico permite aos educadores realizar a compreensão científica do século XXI, retrocedendo ao mundo da natureza, da comunidade e do indivíduo, sem sacrificar nenhuma ferramenta ou elemento que precisamos para sobreviver crítica e criativamente.
Desse modo, os princípios de equilíbrio, inclusão e conexão permitem entrelaçar as diferentes perspectivas educacionais e modos de aprendizagem, mias do que tentar posicioná-las em uma alternativa isolada e excludente em relação ao saber escolar acumulado.
3.3 Objetivos Gerais da Educação Holística
Descobrir novas respostas para os desafios da época atual, pela aquisição do conhecimento científico que estabeleça pontes com a filosofia, com as tradições espirituais, com as artes.
- Recuperar a o prazer pelo processo de auto-descoberta, e a curiosidade natural pelos conhecimentos.
- Desenvolver a autodisciplina fundamentada no amor e dedicação a aquilo que se gosta.
- Estimular o cultivo pessoal dos valores universais humanos (amor, compaixão, verdade, harmonia,...) pelo contato com as tradições espirituais.
- Desenvolver no aluno uma consciência ética não dogmática – a espiritualidade.
- Cultivar e ampliar todas as potencialidades do aluno, estimulando a iniciativa, a sensibilidade, à imaginação, a criatividade, a autoconfiança, gerando um convívio social mais harmonioso e consciente.
Hoje, muitos educadores já desenvolvem suas atividades educativas com vistas a uma questão fundamental: O futuro da humanidade e da vida na terra. O movimento Educacional de Atlanta, Geórgia, EUA, GATE – Global Alliance for Transforming Education, publicou, em 1991, o documento : “Education 2000: A Holistic Perspective”, (apud Yus, op.cit), divulgado em vários países, para favorecer a espiritualidade do indivíduo, a justiça social, a paz, e o desenvolvimento sustentado. Esse documento considera o principal propósito da educação, o desenvolvimento integral do aluno. Na escola, a aquisição de conhecimentos deve proporcionar aprofundamento das relações do indivíduo consigo mesmo, com a família, com a comunidade, com o planeta, com o cosmo. A dimensão mais profunda do ser humano está na sua cidadania cósmica.
3.4 Princípios Pedagógicos da Educação Holística
O ponto inicial para caracterizar qualquer currículo ou teoria de educação é a concepção que ela sustenta sobre a função da escola, pois, tudo o que for feito numa instituição educacional deve ser orientado para a realização dessa função. Tradicionalmente, a missão da educação foi a de transmitir para a geração seguinte o conhecimento acumulado de uma cultura. A mudança social é tão rápida que o futuro não é mais previsível, e a própria juventude é impedida de criar o seu próprio futuro. Desse ponto de vista, a função fundamental da educação para o século XXI deve ser a de proporcionar aos estudantes a reflexão, os conhecimentos e as habilidades necessárias para criar consciente e deliberadamente uma visão do futuro que eles desejem. Isso requer que os estudantes sejam capazes de “aprender o que eles precisam no momento em que precisarem”, ou seja, é preciso que “aprendam a aprender”.
Para caracterizar pedagogicamente a educação holística, Clark (em Flake, 1997 apud YUs, 2002, p.40) propõe refletir sobre os princípios pedagógicos retirados do documento Educação 2000: uma perspectiva holística, elaborado pela Alianza Global para la Educación Transformadora (GATE), no Oitavo Congresso Internacional de Educadores Holísticos (Chicago,1990), que para muitos representa o esquema conceitual do que foi chamado de “paradigma holístico da educação”. O fundamental desse novo paradigma é acreditar no compromisso para a elaboração de uma nova geração global de escolas baseadas nos princípios e apropriações implícitas nessa nova perspectiva. Nos itens desse documento, o citado autor esboça os seguintes princípios pedagógicos para a educação holística:
O estudante como centro. Por suas raízes rousseaunianas, a educação holística vê as pessoas como intrinsecamente boas, como uma grandeza construída na confiança, que se manifesta de três formas fundamentais: uma necessidade de amar e ser amado, uma natureza curiosa que a leva a perseguir a verdade e o conhecimento, e uma necessidade de ser reconhecida como uma pessoa de valor. Para os educadores holísticos, a educação é um processo de desenvolvimento do interior para o exterior, um processo de auto-descoberta, de aprender a responder perguntas essenciais como “quem sou eu?”, “O que posso ser um dia?”, e “Qual é a minha missão na vida?”.
As escolas holísticas não tentam padronizar os estudantes. Querem ajudar cada criança a descobrir e a desenvolver seus próprios talentos e dotes, e desenvolve-los de maneira natural, de dentro para fora, sem pressão. A meta principal é fortalecer o crescimento do estudante por meio de sua auto-realização, e desse modo desenvolver seres humanos saudáveis e completos, que serão cidadãos ativos.
Desse modo, a educação holística está “centrada no estudante”, o que obriga a proporcionar a ele uma variedade de opções, perspectivas e estratégias para explorar seu potencial oculto, pois reconhece que a aprendizagem efetiva sempre se baseia na experiência, começando pela experiência da vida, das reflexões, compreensões e contextos dos próprios estudantes.
O alicerce dessa educação personalizada é que a educação holística reconhece a natureza multidimensional da experiência humana e respeita as necessidades emocionai/psicológicas, físicas e espirituais, assim como as necessidades cognitivas do aluno. Cada estudante é incentivado para a auto-estima, a responsabilidade pessoal e a potencialização individual. Ao envolver ativamente os estudantes nos processos de ensino/aprendizagem e considerar os professores também como aprendizes, as estratégias holísticas ressaltam o auto-conceito de todos e estimula a responsabilidade pessoal e coletiva de todos os aspectos de nossas vidas.
Como característica especial nessa opção pedagógica, à educação holística proporciona aos estudantes um sentido do significado e da ordem das coisas. Ao introduzir nos estudantes uma visão holística do planeta, da vida sobre a Terra e da comunidade mundial emergente como “contexto de significado”, as estratégias holísticas pretendem capacita-los para que percebam e compreendam os diferentes contextos que formam e dão significado para a vida.
Inteligência e pensamento. A educação holística reconhece o potencial inato de qualquer estudante para o pensamento inteligente, criativo e sistêmico. Isso inclui os chamados “jovens em situação de risco”, a maioria dos quais é aprendiz global com graves dificuldades de aprendizagem em um ambiente que enfatiza somente processos lineares e seqüenciais. O holismo assume que os únicos limites para a mente humana são aqueles que aceitamos e reforçamos.
A educação holística reconhece que a inteligência é multidimensional e podem ser expressa e valorizada em uma variedade de formas, diferentes das meramente matemáticas e verbais. Existem também formas cinéticas, musicais, espaciais, intrapessoais e interpessoais de atuar de maneira inteligente no mundo.
Uma idéia controvertida assumida pela educação holística, e que é a base do movimento de “linguagem global”, é que a aquisição da linguagem é um processo inato, intuitivo e possível de ser desenvolvido, que requer pouca, ou quase nenhuma instrução direta.
Durante muitos anos a sociedade privilegiou somente dois tipos de habilidades humanas: a capacidade lógica matemática e da linguagem. O famoso teste do QI avaliava essas habilidades, classificando e diferenciando os humanos em números, desprezando inúmeras outras capacidades. Em 1983, um pesquisador americano chamado Howard Gardner, da prestigiada Universidade de Harvard, publicou os resultados de sua pesquisa demonstrando que somos portadores de múltiplas inteligências. Além da verbal-lingüística e lógico-matemática, há também a corporal-cinestésica, a musical, a visual-espacial, a intrapessoal, a interpessoal e mais duas que foram recentemente mencionadas pelo pesquisador e estão sendo estudadas, a naturalista e a espiritual-existencial. Ele afirma que essas inteligências podem ser aumentadas se receber estímulos coerentes e serenos em momentos específicos. Mostrou ainda que esses estímulos estejam ao alcance de todas as pessoas que se disponha a proporcioná-los.
Com o estudo, Gardner apontou o caráter democrático das inteligências, com a sentença de que todos nascem com todas essas inteligências. O que faz a diferença é o estímulo que é dado a elas para se desenvolverem.
Ensino e aprendizagem. A educação holística se desenvolve como um processo sistêmico. As estratégias holísticas não são hierárquicas e fechadas. Estão formuladas para fazer com que os esforços de estudantes e professores sejam produtivos e que seus pontos fracos sejam irrelevantes. Esses processos estão formulados para incentivar o autoconhecimento e a auto-descoberta, ressaltando a auto-estima e a potencialização individual, e para estimular a imaginação, a simplicidade e a criatividade individual e coletiva.
Essa educação é flexível. Em vez de um conteúdo curricular pré-determinado, o professor proporciona estratégias e orientações dentro de cada idade, e o conteúdo curricular de cada situação específica pode ser obtido localmente.
Por outro lado, a educação holística reconhece que a relevância é o melhor motivador para a aprendizagem. Assim, o professor assume a responsabilidade com a aprendizagem de qualidade dentro e fora da sala de aula, selecionando e organizando informações que sejam mais relevantes para os alunos. Por isso, os estudantes têm uma voz significativa na determinação, tanto do conteúdo quanto da metodologia de ensino/aprendizagem.
Para conseguir tal relevância, a educação holística procura assumir as próprias estruturas administrativas, com o objetivo de criar um clima que apóie a iniciativa individual e reflita o conhecimento, as habilidades e os interesses de professores e estudantes. Por isso, em uma escola holística todos os sistemas administrativos apóiam firmemente a participação responsável.
Conhecimento. A educação holística ressalta a qualidade do conhecimento, das idéias e respostas, mais do que a quantidade de detalhes a lembrar. Com a aprendizagem da seleção de uma informação de qualidade, os estudantes e professores podem, literalmente, “saber mais com menos” informação.
Um aspecto essencial do conhecimento é seu caráter contextualizado. A educação holística reconhece que todo conhecimento é criado dentro de um contexto cultural e que os “fatos” raras vezes são mais do que pontos de vista compartilhados. Quando os fatos são apresentados como “verdade objetiva”, é como se não tivessem relação com a vida real.
Isso não significa que a educação holística não assuma a existência de um corpo de conhecimentos que toda pessoas alfabetizada deve aprender e que, portanto, toda escola deve ensinar. Entretanto, o singular na educação holística é que esse assumir não implica que o conhecimento deve ser encontrado necessária ou exclusivamente nos livros didáticos ou nas explicações do professor, embora admita que estes, usados de maneira apropriada, podem oferecer recursos materiais e pessoais importantes para o ensino e para a aprendizagem.
Currículo. O currículo, da perspectiva holística, é visto mais como um “meio” do que como um fim em si mesmo. Os professores não procuram fazer com que os alunos sejam os primeiros do mundo em matemática, ciências, ou em qualquer outra disciplina. Faz-se uma tentativa de proporcionar a cada criança um currículo personalizado que alimente seus interesses, talentos e inteligência.
Como a educação holística reconhece que o pensamento e a aprendizagem são processos sistêmicos que envolvem o cérebro em sua totalidade, esforça-se por situar o conteúdo escolar dentro de um contexto que sirva como um esquema de referencia para a compreensão e a aprendizagem de informação detalhada. Assim, essa educação, “compatível com o cérebro”, ressalta mais o contexto do que os resultados desses processos, e o conteúdo padronizado.
O currículo holístico deve incentivar a transferência da aprendizagem de todas as áreas disciplinares, constituindo autênticas pontes conceituais estendidas sobre as distâncias que separam as disciplinas acadêmicas no passado, ajudando a estabelecer uma visão mais globalizada. Esses conceitos e princípios proporcionam um poderoso esquema conceitual como contexto para a seleção e organização de informação relevante para o tema em questão.
Do mesmo modo, o currículo holístico incentiva a intuição, a imaginação e a criatividade. Em vez de centrar-se em respostas “corretas”, incentiva os estudantes a explorar questões reflexivo-provocativas que estão carregadas de valor. Essas questões semi-abertas estimulam as capacidades inatas dos estudantes para abordar assuntos, temas e problemas a partir de um amplo leque de perspectivas: individual, cultural, nacional e global.
A educação holística incentiva à aprendizagem cooperativa. Reconhece que raras as vezes existem respostas “corretas” simples, de modo que os estudantes são incentivados a compartilhar idéias e experiências conforme exploram muitas e variadas respostas para cada questão. Quando trabalham cooperativamente, aprendem logo que, geralmente, “duas cabeças (ou mais) pensam melhor do que uma”.
Para ajudar a perceber essa diversidade de pontos de vista, a escola holística se esforça em criar um clima de apoio e respeito com a diversidade. Desse modo, os estudantes aprendem rapidamente que para as questões mais fundamentais da vida não existe uma resposta simples que seja apropriada para todos. Com o mencionado enfoque sobre o contexto, os estudantes aprendem a perceber as diversas influências que formam suas perspectivas individuais e coletivas.
Essa visão reconhece e respeita a diversidade humana. Aceita a recente pesquisa que desafia o mito do quociente intelectual (QI). Sabemos agora, por exemplo, que cada pessoa possui uma única série de inteligência, talentos e dotes que estão intrinsecamente interligados, são limitados e não podem ser medidos (toda pessoa pode ser um gênio em potencial).
Vemos que, quando uma escola se adapta às necessidades dos estudantes individuais antes que ao currículo e às necessidades econômicas, coisas espantosas acontecem. Começamos a ver a natureza ilimitada da potencialidade humana, geralmente em formas inesperadas. Essa abordagem requer que crianças, pais e professores trabalhem juntos na unidade e no amor. O tempo extra e os esforços são pagos com o crescimento de todos.
A escola como organização. A educação holística reconhece que como organização, a escola se comporta como um sistema vivo. Como o mais importante dos princípios organizativos dos sistemas vivos é a interdependência, a organização não pode ser compreendida ou descrita somente em termos de suas partes, mas unicamente em termos das relações existentes dentro dela, e entre ela e o ambiente externo.
Deste modo, em uma escola holística a organização deve ser conjugada com os princípios de companheirismo, evitando os princípios hierárquicos. Por outro lado, as estruturas são flexíveis, as definições dos papéis são funcionais, o poder é distribuído de acordo com que se necessita, e a tomada de decisões é de natureza participativa.
Por mais paradoxal que possa parecer nas escolas holísticas o papel dos professores e dos estudantes é, em certo sentido, contrário. Os professores se tornam aprendizes, e os aprendizes professores. Toda pessoa na escola é um professor, e o adulto que educa deve ser uma pessoa que atua no papel de um aprendiz-modelo que inicia perguntas interessantes e convida os estudantes a se unirem. Por outro lado, eles colocam os estudantes em uma situação apropriada para que tenham os primeiros encontros com o mundo real da natureza, das pessoas, da ciência e da indústria.
Como sistema vivo, a escola holística é parte integral e responsável de uma comunidade mais ampla. Dentro dessa perspectiva, a comunidade é vista como uma extensão do ambiente de ensino e aprendizagem, de modo que o sucesso da escola depende das interações ativas nos vários níveis entre a escola e a comunidade.
Embora a educação não anule o indivíduo, pois procura valorizar a conquista individual, também reconhece que um ambiente colaborativo e cooperativo ressalta a aprendizagem efetiva e cria algumas relações humanas positivas. Por isso, nas escolas holísticas a competição se restringe as situações em que seja estritamente necessária, como nas competições de atletismo.
Esse ambiente cooperativo faz parte de um estímulo geral para a participação democrática. Isso significa que existe participação plena das pessoas diretamente envolvidas nos diferentes níveis de tomada de decisões. Nas escolas holísticas, esses processos participativos respeitam e incorporam os interesses, as habilidades, as aspirações e as necessidades daqueles grupos que na escola tradicional são silenciados pelas hierarquias, como ocorrem com os estudantes e os próprios professores. Isso significa que dentro de algumas orientações gerais de lógica transparência para a comunidade, cada escola é auto-reguladora, auto-diretora e auto-avaliadora; isto é, reflete seus recursos e potencialidades únicas.
A noção de cooperação e participação inclui os pais e as mães dos estudantes. A escola holística reconhece que os pais são co-criadores dos processos educativos, devendo ser incentivados a participar ativamente na vida da escola, como co-educadores, como ajudantes, como visitantes observadores. Os pais trabalham não como voluntários, mas como parceiros dos professores para ajudar os estudantes a crescer na grandeza pessoal. Por isso, a porta está sempre aberta aos pais.
A participação seria meramente formal se a escola não fosse dirigida democraticamente. Isso significa que tanto os estudantes quanto os pais e professores têm voz e voto na tomada de decisões, favorecendo, com isso, um sentido comunitário.
Dentro do esquema de organização, também se contempla o acesso e o uso de recursos. Sobre isso, a educação holística reconhece que o único propósito dos recursos é apoiar e reforçar os processos educativos, isto é, proporcionar aos professores e alunos as ferramentas e o clima necessários para incentivar o pensamento independente e a aprendizagem. Os recursos substituem o papel da interação pessoal, mas bem utilizados podem aumentar e facilitar as trocas da informação na escola.
Direção. A educação holística reconhece que a tarefa primeira de um diretor é a de uma liderança efetiva, baseada na supervisão do projeto educativo geral da escola, de modo que seja compreensiva, procurando abranger os ambientes interno e externo, assim como as interações entre os dois domínios. O trabalho administrativo deve ser visto em segundo plano, buscando nele a direção do fluxo dos recursos e a informação necessária para aplicar essa visão.
Como a educação holística está centrada na pessoa, o diretor deve incentivar que cada uma delas faça o melhor que sabe fazer, e não esperar que elas atuem em áreas em que não são competentes. Reconhece que toda pessoa apóia aquilo que contribuiu para criar. Baseado na óbvia verdade de que a “relevância” é o melhor motivador para a efetividade, o diretor deve assegurar que todo mundo tenha voz nas decisões que configuram sua participação e seu envolvimento na escola e em seu programa.
A educação holística considera que o diretor que adota essa postura se transforma no eixo central da escola e no facilitador de uma rede de relações entre educadores, pais, estudantes e membros da comunidade, de maneira que todos eles se sintam responsáveis pelo sucesso da escola. No entanto, a direção é um elemento próprio de sistemas hierarquizados, por isso devem-se encontrar alternativas de direção bem mais apropriada nas estruturas abertas e horizontais, como podem ser formas de direção mais colegiadas, capazes de realizar a mesma função incentivadora ou catalisadora.
Conteúdos. O tipo de conteúdos está implícito na função da escola holística. Esses conteúdos são estabelecidos em termos de reflexões, conhecimento e habilidades requeridas para aprender a aprender. São intencionalmente amplos porque representam aprendizagens fundamentais que, uma vez dominadas, se tornam a base da aprendizagem que se precisa ter. Os resultados de aprendizagem incluem, embora não de forma limitada, os seguintes aspectos:
A reflexão principal. A reflexão principal requerida pela nova missão educativa se baseia na compreensão fundamental da conectividade dos fatos. Essa reflexão reconhece a natureza interdependente do universo, em que todos os seres vivos dependem uns dos outros para sua existência, bem-estar e desenvolvimento. Compartilha por todas as grandes tradições religiosas do mundo, essa reflexão parece ser intuitiva na experiência humana. Essas tradições também compartilham a ética pragmática que nasce desta reflexão: se tudo está conectado com tudo, então, o único comportamento racional é fazer aos outro aquilo que você quer que os outros façam a você. Uma vez que nossa interdependência é reconhecida, torna-se evidente que a vida neste século exigirá altruísmo, compaixão e amor, atributos que incentivem a capacidade para respeitar a unicidade pessoal, estimular a capacidade humana, promover os direitos humanos por meio de exercício responsável das liberdades pessoais e tornar possível um ambiente sustentável.
A base de conhecimento. A base de conhecimento para essa nova missão educativa é o tipo de conhecimento que vem de uma compreensão da conectividade dos fatos. É o conhecimento do tipo “grande quadro” que permite a uma pessoa conhecer mais com menos informação. Esse núcleo de conhecimento de sistemas globais, o conhecimento contextual, os conceitos e princípios fundamentais, o conhecimento intuitivo, etc.
As habilidades. As habilidades são comitantes ao conhecimento acima exposto. São as habilidades exigidas para aprender o que umas pessoas precisam aprender. Isso inclui competência em leitura, escrita e matemática; pensamento crítico e tomada de decisões; habilidades interpessoais e intrapessoais de comunicação, cooperação, resolução de conflitos, pensamento auto-reflexivo e auto-avaliativo; capacidade de se tornar aprendiz independente, etc.
Avaliação. A educação holística reconhece que o propósito único da avaliação é proporcionar a retro alimentação necessária para incentivar a competência por meio do autoconhecimento. Como uma das metas da educação é aprender a avaliar corretamente a si mesmo e seu trabalho, a educação holística fomenta características, tais como a avaliação cooperativa, auto-avaliação, o portifólio e a demonstração como modos de avaliação de maior alcance e exatidão.
Em uma escola holística, os estudantes são avaliados pelo crescimento na grandeza pessoal para amar, ser amável e se comunicar; para crescer em seus talentos e dotes únicos; para crescer no poder de seu questionamento pessoal. As provas padronizadas e os diários de qualificações não são usados. Os estudantes não são comparados uns com os outros; não são rotulados de nenhuma maneira (por exemplo: “superdotado”, “incapacitado”, “em situação de risco”). Os estudantes mostram seu trabalho por meio de portifólios, projetos, demonstrações e discussões, um a um, com professores, com outros alunos e com os pais.
Por outro lado, como a educação holística procura cobrir todas as dimensões da pessoa, dentro do conceito de educação integral, o objetivo da avaliação é a pessoa global e não exclusivamente seus conhecimentos e habilidade acadêmica. Isso requer a utilização de instrumentos não-padronizados que determinem dimensões, tais como o desenvolvimento de atitudes e valores e aspectos mais espirituais, como a compaixão, a criatividade, a intuição, a fantasia e a espiritualidade em geral; aspectos que não são levados em conta na escola convencional (Yus Ramos, 2000 apud YUS, 2002, p. 46).
Assim, em uma escola holística, os estudantes alcançam a excelência de modos bem diversos: com trabalhos individuais em arte, música, ciência, matemática, geografia, escrita, desenho, política, eletrônica, para nomear somente alguns. Os alunos de escolas, com uma perspectiva centrada no estudante, desenvolvem um caráter e uma auto-imagem forte, fazem o que é preciso para evitar o abuso de drogas e o sexo antes do casamento. Esses estudantes raramente deixam à escola antes de uma graduação personalizada. Eles entram então, na força do trabalho ou se aliam a colegas de sua própria escolha, mostrando aos administradores do colégio universitário que eles têm a “matéria-prima” para serem estudantes vencedores.
3.5 O Encontro: o “ser” Educando com o “ser” Educador
O centro energético que impulsiona o processo de aprendizagem nesta metodologia holística é o encontro entre os dois seres envolvidos. É quase imperceptível quem conduz e quem é conduzido. Nem por isso se prega a não diretividade. Para que essa dinâmica aconteça é preciso que saia só do campo intelectual e vá para o plano da sensibilidade, dos sentimentos, das emoções. O equilíbrio entre o intelectual e o afetivo é fundamental nesta prática de ensino.
Educando: Cada aprendiz é um hólon: Uma totalidade única, com capacidade e necessidades específicas, a que o professor deve atentamente atender. A educação deve proporcionar um encontro do educando consigo mesmo, mas para que se realize humanamente é preciso também, haver o encontro com o outro. A classe é aquela comunidade onde se exercita a amizade, solidariedade, e o respeito às idiossincrasias, do desenvolvimento da liberdade com responsabilidade. Assim, emerge uma autodisciplina espontânea, cita Cardoso (1995), que não se norteia por leis formais e preestabelecidas, mas por normas construídas dentro pela própria comunidade. O comportamento que comprometer a boa convivência comunitária será o “indisciplinado”. Se isso ocorrer sistematicamente, trará uma reflexão sobre as causas individuais e contextuais. Lembra Cardoso (1995), que nem a punição tradicional e nem a impunidade são educativas. É direito de a comunidade cobrar dos indivíduos participantes a responsabilidade sobre seus atos, sempre no sentido construtivo de que: quem destrói deve construir, quem suja deve limpar, quem ofende deve reconciliar.
Educador: Crema (1991), no seu livro Visão Holística em Psicologia e Educação cita algumas características necessárias para que o “facilitador holocentrado” alcance a maestria:
Inclusividade: É considerar as inúmeras facetas do ser humano, e da realidade. Tudo tem múltiplos aspectos. Nada é insignificante: um sorriso, uma lágrima, um olhar, um simples gesto. Incluir é abrir-se e estar atento a tudo o que está dentro e fora de nós.
Inocência: O nosso processo de aculturação nos faz perder a beleza interior, a espontaneidade e simplicidade infantil. Recupera-las é se colocar no caminho da sabedoria. Sem cair no campo da ingenuidade, a meta é se “desarmar”, captar a fluidez natural da realidade.
Espaço Interior: Estar cheio de teorias e verdades prontas vai sufocar e inibir o educando. Ele precisa de ar, espaços vazios, para se mover e preencher, expressando com suas próprias convicções as suas verdades. Para facilitar este auto-desenvolvimento do educando, o educador precisa ter alcançado algum silêncio, esvaziamento interior. Precisa ter desapego das teorias, dos métodos, das técnicas. Deve esvaziar as mãos, estar aberto às possibilidades do conhecimento e da vida.
Flexibilidade: A vida é flexível, a morte é rígida. A atitude holocentrada é flexível. As concessões e recuos devem acontecer dentro da dança do Yang e do Yin, como é na vida: expansão e recolhimento. O exemplo chinês é sábio: O vendaval quebra o tronco forte, mas não derruba o ramo frágil. O processo ensino aprendizagem deve fluir naturalmente, mas sem sair da rota correta.
Plena Atenção: Estar sempre atento ao presente. Que o lugar e tempo onde ocorre o processo vital concreto, o encontro existencial com o educando. Esta atenção no momento presente permite que respostas criativas resolvam os desafios da aprendizagem.
Humor: Ambiente alegre e lúdico é imprescindível. A educação tradicional contrapôs as virtudes da dedicação, responsabilidade, atenção com as da alegria e descontração. São tidas como incompatíveis. O sorriso é a expressão simples de felicidade por estar vivo.
Vocação: Essa não deve ser vivida como mera profissão, para ao simples recebimento do salário, mas deve incorporar seu papel existencial, vocacional, sem que a dimensão profissional seja abandonada.
Paciência: É saber respeitar o ritmo da própria vida. O ritmo de cada um, em sua aprendizagem. O caminhar lento e profundo traz mais sabedoria. Qualidade do que se aprende é mais importante que quantidade. A noção do tempo é necessária para não se atrasar nem antecipar a aprendizagem.
Humildade: Dizer eu sei ou eu não sei com autenticidade e naturalidade, sem problemas. Onipotência é querer mudar aquilo que não pode ser mudado. O impotente, por outro lado, aceita até aquilo que pode ser mudado. Sabedoria, para São Francisco de Assis, cita o autor, está na atitude de potência, ou seja, de discernir entre uma coisa da outra.
3.6 - A Docência Holística
Em capítulos anteriores vimos às características que mais definem um currículo holístico. De certo, qualquer mudança curricular que se queira realizar nas instituições escolares passa pela consideração dos profissionais responsáveis por implementá-las ou, melhor dizendo, de elaborá-la e de pesquisá-la, isso se o que queremos é ampliar uma concepção docente que vá além do mero papel técnico que tradicionalmente lhe foi designado. Um currículo holístico exige um modelo de educador que admita e viva os princípios do holismo, embora esse perfil possa ser causa e conseqüência desse currículo, pois um profissional holístico “se faz” com a prática do holismo. Nessa parte, veremos o papel que desempenhariam os responsáveis pela direção de uma escola, dando a ele novas dimensões que nos levariam a um modelo holístico de direção escolar.
Temos consciência de que uma mudança educativa nesse sentido significa uma importante mudança nas perspectivas dos cidadãos, administradores e dos próprios educadores. Ao longo da história, todas as grandes mudanças exigiram uma transformação do pensamento, da visão ou da interpretação da realidade, isto é, aquilo que se costuma chamar mudança de paradigma. Portanto, sem menosprezar as mudanças sociais e políticas necessárias para iniciar uma reforma profunda da educação, primeiro é fundamental uma mudança nas crenças dos professores e da cidadania em geral, o que possivelmente exija passar por várias gerações.
3.6.1 - Características dos Professores Holísticos
Toda proposta educativa traz um modelo de profissional da docência. Ao falar de currículo holístico, é pertinente considerar as qualidades (competências, atitudes e valores) dos professores que serão os encarregados de algumas finalidades educativas que, em essência, são uma alternativa ao sistema educacional convencional, um sistema que, inclusive hoje, é o que formou os professores, primeiro como aluno e depois como profissional. Vejamos algumas das propostas feitas em relação a essas qualidades.
O professor como profissional.
Clark (1997 apud YUS, 2002, p. 234) considera que uma mudança de paradigma na educação exige uma mudança naquilo que os professores assumem sobre a natureza da inteligência, do pensamento e do aprendizado. Em seu nível mais fundamental, significa mudar a percepção do professor como um profissional.
Até agora os professores tiveram pouca influência nas decisões profissionais mais importantes. Embora formados como profissionais, os professores Têm pouca voz na seleção do que irão ensinar e, exceto dentro dos limites estreitos, sobre como irão ensinar. Para muitos, uma das principais funções das escolas em nossa sociedade é a de custódia, por isso a primeira responsabilidade da maioria dos professores é ser um efetivo cuidador de crianças e controlador da sala de aula. As responsabilidades incluem elementos tão diversos como a disciplina, a coleta de dinheiro para o almoço, o chamar a atenção, o manter os estudantes sentados e ocupados com um trabalho ou com provas, o entreter os estudantes e dar seminários. Acima de tudo, o professor deve manter os estudantes tranqüilos, de modo que o centro de atenção ainda esteja no controle.
A idéia fundamental do paradigma holístico é a de que os professores são profissionais. Clark (1997 apudYUS, 2002, p. 234) sugeriu isso, e compreende quatro qualidades que caracterizam todo profissional:
Visão: Os professores compartilham ideais comuns sobre o que é um bom ensino e um aprendizado efetivo. Eles têm uma visão, e sua frustração declarada é perceber sua incapacidade de fazer com que a visão seja uma realidade.
Formação: A maioria dos professores já adquiriu o conhecimento fundamental e as habilidades necessárias para ser um profissional. A maioria deles tem conhecimentos e habilidades que não chegaram a usar.
Responsabilidade: Caminha lado a lado com a propriedade, pois em nossos sistemas a propriedade proporciona a melhor motivação para o sucesso. Profissionalmente, a propriedade implica a participação completa nas decisões que influem no trabalho de alguém, é disso que se deriva o assumir responsabilidades.
Prestar Conta: Inerente à participação e ao assumir responsabilidades está à obrigação de prestar contas. Até que não se permita que os professores assumam responsabilidades não será possível um sistema de prestação de contas autenticamente profissional.
Além do reconhecimento do profissionalismo, os professores devem deixar de ser aqueles que dão informação e conhecimento para ser um “jardineiro”, cuja responsabilidade é nutrir o crescimento das crianças de forma a permitir que o potencial inato de cada uma delas floresça e dê frutos.
Uma resposta popular atual para a necessidade de melhorar o ensino é a exigência de tempos de prática sob a tutela de professores especialistas. Ainda que essa idéia tenha seu mérito, Clark considera que é mais produtivo dar tempo aos professores para que pensem, compartilhem idéias e escrevam com seus colegas. Infelizmente, o ensino é percebido com tal independência e função isolada que poucos professores esperam que as escolas proporcionem a eles esse tempo de trabalho cooperativo com seus colegas.
Exigências para os professores holísticos.
Para J.Miller (1996 apud YUS, 2002, p. 235), o currículo holístico tem suas raízes na consciência de professores e de professoras que são autênticos e atentos. Embora respeite as listas de qualidades que todo educador deve ter, o autor prefere centrar-se em apenas algumas. Em seu livro The holistic teacher, de J. Miller (1993 apud YUS, 2002, p. 235), encontramos quatro características básicas para os professores holísticos:
Autenticidade. Existem várias formas de autenticidade (psicológica moral e holística). Essa qualidade foi destacada por filósofos do existencialismo como Kierkegaard e Heidegger. Rogers também acredita que, se os professores irão estimular o crescimento dos estudantes, eles devem ser coerentes. A atitude mais essencial na facilitação do aprendizado é o realismo ou a autenticidade. Desse modo, os professores deveriam ser reais ou autênticos em suas comunicações com os estudantes (coerência psicológica). Outra forma de autenticidade é viver de acordo com os valores morais próprios, isso é o que Miller chama coerência moral. Em cursos de formação permanente de professores, percebem-se, com freqüência, comportamentos entre professores que eles não tolerariam em seus próprios alunos. É importante que os professores estejam preparados para fazer as mesmas perguntas que eles fazem aos estudantes. Os estudantes, principalmente os adolescentes, são muito sensíveis às incoerências entre o que seus professores dizem e fazem. Finalmente, Miller distingue outra modalidade: a coerência holística, que diz respeito ao estar de acordo com o centro da pessoa. O professor holístico ensina a partir de seu Eu (eu superior), de acordo com a profundidade com que elabora sua vida. Desenvolvendo sua vida interior, os professores podem estar mais em contato, ou ser coerentes, com o sentimento moral. A coerência psicológica, a moral e a holística são importantes na educação holística.
Atenção. Ser holisticamente autêntico implica dar atenção; se percebemos a conectividade com os demais, então será inevitável atende-los. Nossas escolas estão passando por uma “crise de atenção”, pois os estudantes e os professores são brutalmente atacados, verbal e fisicamente. De novo, essa crise reflete a fragmentação da sociedade e das escolas. Não é responsabilidade de o professor envolver cada estudante em uma relação interpessoal profunda, entretanto o que um professor pode fazer é estar total e não seletivamente presente diante de cada estudante quando se dirige a ele. Isto é, os professores deveriam simplesmente aprender a “estar” com os estudantes, pois eles também podem mostrar sua atenção com a matéria acadêmica em função dos interesses dos estudantes, muitas vezes eles responderão envolvendo-se mais diretamente em sua matéria.
Thayer-Bacon (1998 apud YUS, 2002, p. 236) estudou em profundidade esse importante atributo para a profissão docente, desenvolvendo um método para identificar os professores atentos. Para tanto, procurou encontrar uma definição aceitável de professor atento. Encontrou que a palavra “atenta” tem muitos significados. Quando essa palavra era vista como uma qualidade pessoal, significava qualidades como alguém com senso de humor, intuitivo ou sensível; um significado mais centrado nos sentimentos do que no pensamento. Somente podemos afirmar que somos atentos se estabelecemos com sucesso algumas relações de atenção com os estudantes. Os alunos definem a “atenção” em termos de “prestar ajuda” e “carinho”, e os professores atentos como àqueles que “valorizam a individualidade, mostram respeito, são tolerantes, se esforçam em explicar, verificam a compreensão, estimulam e planejam atividades divertidas”. Os professores definem a “atenção” em termos de procurar ser próximo e receber bem os estudantes, colocar sua ênfase no processo de aprendizagem e em aprender conceitualmente, oferecendo aos estudantes um visto de aprovação sobre que estão aprendendo, de forma que possam sentir-se envolvidos no aprendizado, e se interessar por fazer com que suas aulas tenham um ambiente de segurança e de apoio.
Em suma, por atenção, Thayer-Bacon não quer significar a atenção com a outra pessoa, tal como ter carinho ou amar alguém, embora certamente se uma pessoa tem afeto ou carinho por alguém ele ou ela também lhe de atenção como alguém especial. Não temos por que gostar ou amar os demais para dar atenção a eles. As pessoas precisam desenvolver a habilidade de serem receptivas e abertas com as outras e com suas idéias, dando-lhes atenção, escutando-as e considerando suas possibilidades. Dar atenção não significa que as pessoas tenham de concordar com os demais. Dar atenção significa que as pessoas possivelmente estão mais completamente abertas a ouvir os demais. Atender uma pessoa ou as idéias de uma pessoa requer respeitar os demais como pessoas independentes e autônomas (idéias, outras formas de vida, etc.), merecedoras de atenção. É uma atitude que dá valor aos outros demonstrando que eles são importantes por meio de uma atenção sérias e calorosas. Por isso a importância de uma atitude de aceitação e confiança, de inclusão e de abertura.
Cuidado. O cuidado é a terceira característica. J.Miller (1993 apud YUS, 2002, p. 237) afirma que o cuidado não é uma técnica, ele faz parte de nosso ser. Sem ele, seríamos conduzidos por meio dos movimentos. Realmente, acredita-se que é uma das virtudes profissionais, é um compromisso com a ética do cuidado. Essa qualidade não pode ser ensinada nem ordenada, ela se desenvolve independentemente de uma crença na conectividade com os demais e pode ocorrer na sala de aula (e na escola) que está tornando-se uma comunidade.
Pensamento Holístico. A quarta característica de um professor holístico é que deve demonstrar o mesmo pensamento e a mesma ação holística que eles esperam de seus alunos e colegas. Na organização da aprendizagem de Senge (1990), cita no seu livro A Quinta Disciplina, que o líder (nesse caso, o professor) também deve querer aprender. O líder deve estar disposto a reconhecer e a compartilhar a incerteza, a abraçar o erro, a obter conhecimento de si mesmo. Foi a isso que se chamou “a nova competência” dos líderes e que faz parte da quarta estratégia para o “novo” líder, chamada de “o desenvolvimento do eu”. Também é necessária uma disposição para abrir-se aos demais e, desse modo, ser vulnerável, o que significa correr risco. Isso é algo necessário para a criação de uma comunidade de aprendizado. A construção de uma “organização de aprendizagem” precisa de abertura participativa e abertura reflexiva década pessoa especialmente do líder.
Os Professores da Escola Waldorf.
Um exemplo de professores holísticos é do movimento da escola Waldorf. Trostli (em Flake, 1998 apud YUS, 2002, p. 237) parte da consideração de que durante os primeiros sete anos as crianças estabelecem a base de sua relação com o mundo que as rodeia. De seis ou sete até os quatorze anos, elas empreendem um imenso processo de crescimento interior e começam a descobrir o mundo por elas mesmas. Enquanto a criança pequena aprende primeiro a partir de seu ambiente e por imitação das palavras, gestos e ações daqueles que a rodeiam, a criança da escola elementar aprende por meio de sues sentimentos ou de quem a ensina. Rudolf Steiner, fundador da Escola de Waldorf, enfatizava a importância de cultivar esse elemento de sentimento com os professores na vida da criança, de forma que propôs que as crianças do ensino básico tivessem um professor-tutor durante um bom número de anos, o ideal seria que fosse do primeiro ao oitavo ano. Apesar de aprenderem também com professores especializados em línguas estrangeiras, música, trabalhos manuais, educação física, etc., o professor-tutor é o único que trabalha com uma classe durante um longo espaço de tempo.
Para Trostli e outros educadores da escola Waldorf, as crianças entram na escola elementar com uma energia imensa e com uma fé sem limites nos indivíduos que estão diante delas. As crianças pequenas normalmente sentem uma conexão natural e profunda com seu professor porque este aparece como uma representação da humanidade que, dia-a-dia, levará a classe a explorações mais amplas do mundo. Por seu interesse sincero em cada criança e seu entusiasmo autêntico com cada disciplina, o professor prova a si mesmo que é digno da confiança e do amor que as crianças lhe dão.
As crianças são muito perceptivas e reconhecem os esforços do professor quando este procura conhecer-se superar seus defeitos. Desse modo, as próprias crianças ajudam os professores em suas tarefas internas: por meio de suas respostas, nossos sentimentos para com eles se transformam, e nossa relação com eles se enriquece. Muitos professores experimentam uma enorme conexão com aquelas crianças com as quais tiveram mais dificuldades.
Através dos anos, o professor-tutor usa qualquer oportunidade para desenvolver na criança o sentido de unidade e de interconectividade do mundo e do conhecimento. Ele ensina cada disciplina ligando-a com as outras, desenvolve e estabelece conexões entre elas. Embora deva trabalhar para conseguir uma base sólida de conhecimento em todas as matérias, o professor-tutor não precisa ser um especialista em qualquer área. Não é fato de ser um especialista, mas o interesse do professor e o entusiasmo com a matéria que inspira seus estudantes. Muitos professores percebem que conseguem ensinar melhores aquelas disciplinas em que eles têm menos experiência prévia, porque é pelo seu próprio processo de aprendizado que entra um ingrediente mágico em seu ensino.
Outra questão importante dos professores das escolas Waldorf, assinala Trostli, para preparar os estudantes para serem cidadãos do século XXI, é a necessidade de transformar a profissão de ensino em uma arte de educação. Nesse sentido, estabelece uma diferença importante entre “ensinar” e “educar”. Pra Trostli, “ensinar” (to teach) vem do verbo do antigo inglês taecan, que significa “mostrar, apontar, instruir”. Esse verbo do antigo inglês tem uma conotação do inglês moderno na palavra “sinal”, “signo”, “símbolo” ou “marca”. O verbo “educar” vem do latim ex ducere, que significa “levar para fora ou levar adiante”. Se uma pessoa busca realizar essa linha de pensamento que vai além dos significados literais da palavra, pode ver que o professor é essencialmente alguém que ensina, aponta ou instrui. Em compensação, o “educador” é alguém que leva a criança para além do que ela vive, ou alguém que leva a criança para algo mais na vida. Um professor vê a criança como um recipiente que precisa ser preenchido, uma tabua rasa em que as linhas de aprendizagem devem ser escritas; um educador vê a criança como um ser de capacidades não-desenvolvidas, que pode ser nutrido de forma que possa ter seu lugar adequado na vida.
Trostli considera que as crianças da escola de hoje, que serão adultas no século XXI, viverão em um mundo onde muito do que experimentamos no século passado será obsoleto. Para isso, não podemos prepará-las para entrar em uma nova era ensinando-lhes do modo que estamos fazendo. Devemos prepará-las para nutrir-lhes a habilidade de trabalhar adaptando-se ao que o futuro possa trazer-lhes. É claro que os estudantes das escolas Waldorf devem desenvolver-se além dos prazos, com conhecimento profundo das disciplinas de estudo, e certamente damos a eles as habilidades e os recursos necessários para ter êxito em seus estudos e em suas carreiras futuras, entretanto, se as escolas Waldorf devem preparar os estudantes para viver no século XXI, elas devem ir além dessas tarefas imediatas de escolaridade e se esforçar para educar capacidades que possam amadurecer e possam servir aos estudantes em situações inimagináveis no futuro.
A educação de capacidades como: o pensamento lógico e criativo, o autoconhecimento, o sentimento profundo, a compaixão, a vontade de agir tanto para si quanto para a Humanidade e a Terra, não se conseguem somente com nosso currículo e nossos métodos de ensino, mas, também, com a atitude com que os professores se aproximam dos processos de educação de educação em si. O educador holístico percebe a educação como um processo de crescimento interior promovido pelas relações dos estudantes com seus professores e com seus colegas, sua exposição a um currículo rico, e seu trabalho nas artes e nas esferas práticas da vida. A maioria dos graduados das escolas de Waldorf testemunha o fato de que a educação que recebera teve uma importância vital em suas vidas e reconhece que isso vem dos valores de seus professores, do respeito fundamental dos professores com a individualidade de cada criança, e da vontade dos professores de servir a cada criança e atender suas necessidades.
Finalmente, Trostli conclui que toda forma de educação somente pode ir tão longe como aqueles indivíduos que a praticam. A filosofia mais profunda, o currículo mais interessante e os métodos de ensino mais inovadores não podem ter êxito se os indivíduos que trabalham na escola não estão tentando conhecer-se. Os professores holísticos procuram, de maneira consciente e constante, desenvolver-se e transforma-se em indivíduos autoconscientes e compassivos para que possam traduzir suas idéias em ideais e seus ideais em realidade.
3.6.2 - Modelos Transformacionais de Formação dos Professores
A era industrial está terminando. Assim, conforme cresce a consciência da enorme profundidade de nossa crise ecológica, social e espiritual, começa a surgir à necessidade de uma civilização global. Nessa cultura emergente, a educação terá um papel muito diferente daquele que desempenhou nos dois últimos séculos. A educação precisará estimular e favorecer o desenvolvimento mais completo das habilidades humanas por seu próprio interesse, não para o benefício de interesses corporativos ou políticos. Precisará reconhecer-nos com nossas fraquezas humanas em todas as partes do mundo (educação global) e com todas as demais espécies com as quais compartilhamos esse precioso planeta (educação ambiental ou “verde”). Para R. Miller (em Flake,1998 apud YUS, 2002, p. 239), nenhuma das “reformas” na formação dos professores aborda seriamente esse paradigma holístico emergente, por isso a necessidade de um modelo inteiramente novo. Vejamos as características desse novo paradigma de formação de professores.
Um Novo Paradigma de Formação de Professores.
Hoje se conhece um número significativo de bons programas centrados nos estilos de aprendizado, na psicologia transpessoal, na educação humanística, ou nas escolas alternativas. No entanto, ainda estamos longe de dispor de um programa completamente desenvolvido, compreensivo e integrado que forme educadores holísticos para as escolas do século XXI. Segundo R. Miller (1993 apud YUS, 2002, p.240) um programa novo de formação de professores deveria abordar:
Primeiro. Uma concepção de ensino mais como uma “arte” do que como uma ciência técnica, mais como um compromisso do que como uma profissão. O elemento central de um programa desse tipo deveria ser o desenvolvimento e o cultivo das próprias qualidades artísticas dos professores: sensibilidade, criatividade, espontaneidade, responsabilidade, compaixão e um sentido de reverência. Uma parte significativa do programa deveria estar centrada nas habilidades de relações humanas, na resolução de conflitos, na mediação e na dinâmica de grupos. Os professores deveriam ser estimulados a realizar práticas contemplativas ou meditativas (tai chi ou ioga, por exemplo) com o objetivo de nutrir seu próprio crescimento pessoal (não para dispor de um novo pacote de truques para as crianças). Eles deveriam ser estimulados a ler jornais, a envolver-se em discussões com seus colegas e a adquirir um hábito de reflexão sobre seu trabalho, sobre o mundo e sobre as crianças que estão sob seu cuidado. A ênfase não deveria estar tanto nas técnicas, mas no desenvolvimento próprio.
Segundo. Os professores deveriam ter uma compreensão profunda e um respeito para o milagre que é o desenvolvimento humano. Hoje se proporciona aos professores certa dose de psicologia do desenvolvimento, que é importante, todavia a psicologia moderna tende a propostas reducionistas, com pouca ou nenhuma compreensão, apreço ou interesse pelos aspectos espirituais, transcendentes e transpessoais do desenvolvimento humano. Um professor verdadeiramente holístico é aquele que vê e trata cada criança como uma alma em crescimento, como um “embrião” espiritual, como dizia Maria Montessori. Porém Montessori e outros pioneiros holísticos, como Rudolf Steiner, fizeram grandes descobertas serem incorporadas a uma teoria holística mais ampla da educação. Não são métodos pedagógicos específicos, mas verdades profundas, algumas das quais apoiadas pela psicologia de Jung ou pela psicossíntese.
Terceiro. Um programa holístico deveria enfatizar o significado radical dos “fundamentos educativos”, isto é, das implicações sociais, culturais e filosóficas da prática educativa. Toda escolaridade acontece em um clima cultura e intelectual, que define seu propósito e influi enormemente na escolha de seus métodos. Os professores holísticos devem reconhecer que seu trabalho sempre serve a alguns propósitos sociais e não a outros, e que devem ser obstinados e capazes de escolher conscientemente a que propósitos servir.
Quarto. A formação de professores holísticos deveria apresentar aos seus estudantes o amplo espectro de filosofias e abordagens possibilitadas pela educação holística, desde a pesquisa dos estilos de aprendizado até a linguagem global, os ritos selvagens do passado, etc. R. Miller é da opinião de que o professor não deveria ser um especialista, contudo um generalista, capaz de responder de maneira apropriada às necessidades únicas de cada criança que está sob seu cuidado.
Quinto. Um programa holístico deveria, finalmente, proporcionar uma formação intelectual sólida, isto é, uma preparação nas disciplinas. Não obstante, a ênfase aqui deveria ser completamente diferente da “competência” que exigem os políticos tecnocráticos de hoje. Julgar a habilidade dos professores com base em provas padronizadas é certamente uma concepção perversa da educação, tão perversa quanto a medida de valores dos estudantes para a sociedade com base em suas notas. Em uma abordagem holística, o crescimento intelectual significa pensamento crítico, flexível e criativo, e a habilidade para pesquisar, localizar e tirar partido de todas as fontes potenciais.
Na emergente “era da informação”, lembra R. Miller, existe muita informação que qualquer pessoas precisa para armazenar e lembrar; o que precisamos agora, tanto em nossos professores quanto nos estudantes, é a habilidade para aprender efetivamente em qualquer situação. É isso que John Dewey dizia há 80 anos, e ainda é a verdade mais vital. Um professor não é uma figura autoritária que sabe todas as respostas corretas, mas um modelo maduro de indagação, curiosidade, persistência e vontade para desfazer percepções enraizadas e discrepantes na busca da verdade.
R. Miller reconhece eu somente formar professores diferentes não transformará nossas escolas. A educação é primeiramente, um problema cultural e, mesmo com essas novas habilidades e ideais, os professores provavelmente continuariam encontrando a resistência de um sistema que permanece preso a concepções de aprendizagem e de desenvolvimento humano que permanece preso a concepções de aprendizagem e de desenvolvimento humano da era industrial e mecanicista. No entanto, um modelo holístico de educação dos professores é um elemento central e necessariamente crítico na transformação da educação que está por vir. Pedimos a todos que estão ligados às instituições de formação de professores que façam um trabalho que vá além da importante revisão de seus programas. Este não é o momento de propor pequenas mudanças.
O Uso das Práticas Contemplativas
Muitos professores foram atraídos pelo ensino por razões como saber quem são (ou quem querem ser) em alguns níveis profundamente éticos e espirituais. A maioria dos professores é motivada por “reforços psicológicos” como: um sentido de missão social, de gratificação e de maior intimidade com seus estudantes, e o prazer de vê-los espiritualmente florescendo sob seus cuidados. Sem considerar com que freqüência o sujeito tem sido ignorado na literatura de formação dos professores, é quase certo que muitos compromissos de ensino de professores em formação ainda residem em valores religiosos. No entanto, esses aspectos apenas são considerados nos planos de formação de professores. Até mesmo os programas de formação de professores baseados na reflexão geralmente deixam de fora o trabalho com as dimensões psicoespirituais mais profundas da decisão de ensinar.
Contudo Mayes, (1998 apud YUS, 2002, p. 242) está convencida de que a formação de professores deve incluir a importante dimensão espiritual da pessoa, tanto pelas necessidades próprias dos professores quanto pelas necessidades de seus próprios alunos. De fato, embora a psicoespiritualidade seja virtualmente um “não-tema” na maioria dos currículos de formação de professores, em poucas escolas, a maioria delas particular, houve nas três últimas décadas uma tentativa de abordá-la. Ao contrário do que se acredita, não existem ordens legais claras contra realizar práticas psicoespirituais, desde que não estejam configuradas em termos religiosos, mas como exercícios psicológicos de autoconsciência, eficácia pessoal e relaxamento, ou, alternativamente, como uma análise não-partidária de diferentes tradições espirituais. Essas atividades não violam o princípio constitucional de escola leiga, chegando-se inclusive, a indicar que a análise de diferentes tipos de espiritualidade não só na ameaça à diversidade nas escolas, como realmente a fomenta, porque o pluralismo autêntico requer uma aceitação bem-informada das diferenças religiosas, não sua eliminação.
Por outro lado, a questão contundente de nossa moralidade, a mortalidade ou, finalmente, o lugar no esquema de Deus (e se de fato tal esquema ou tal Deus ainda existe), é crucialmente significativa, tanto para as crianças quanto para os adolescentes, e não abordar essas questões em um programa de formação de professores é duplamente desastroso: primeiro porque essas questões sempre estão no âmago da decisão pessoal de se tornar umas professoras, segundo, pelas crianças que esses futuros professores irão cuidar. O currículo do movimento da Escola Waldorf, por exemplo, é praticado dentro de um contexto espiritual eclético que incentiva os estudantes a experimentar diferentes tradições espirituais. Para muitos autores, é precisamente por meio dessas experiências que as possibilidades psicoespirituais de uma pessoa podem frutificar. E isso ao mesmo tempo proporciona uma base e amplia o âmbito pessoal de prestação de serviço no mundo.
Para Mayes, se nossa compaixão deve ser inteligente, não-sentimental, devemos procurar compreender nossa própria prática e a dos professores na formação de tantas perspectivas quanto forem possíveis. A formação de professores compassivos deve ser holística, de modo que ignorar qualquer aspecto da estrutura psicológica, social e espiritual da pessoa é cometer violência com essa parte da pessoa. Um caminho para fazer isso é utilizar o modelo de educação confluente, que se dirige tanto aos estudantes quanto aos professores em quatro níveis inter-relacionados:
Intrapessoal: aborda os sentimentos e os autoconceitos, especialmente relacionados com a decisão pessoal de ensinar, com os modelos interiorizados do que para uma pessoa é uma boa prática, e quais forças do ego e problemas ela traz para o ato de ensinar.
Interpessoal: gira em torno de como os estudantes e os professores se relacionam uns com os outros. Aqui os modelos e os métodos oferecidos pela análise transacional, à terapia centrada no paciente, o encontro de grupos e a teoria do aprendizado social são úteis para ajudar os professores a promover comunicação aberta com e entre seus alunos.
Extrapessoal: em termos de formação reflexiva dos professores é nesse nível que ocorre a tomada de consciência crítica, que pode ser por meio da análise do papel da economia política do ensino, da pesquisa de projetos para explorar e transformar a dinâmica política da prática docente, etc.
Transpessoal: é nesse quarto e último nível que o território se mantém relativamente inexplorado. Este é o nível das esperanças (e dos medos) de uma pessoa para consigo mesma e com os demais em um contexto cósmico. É sobre essa ontológica base do Ser que construímos as estruturas de significado que servem de suporte para nossas vidas. Isto é, em poucas palavras, o que vivemos em última instância para e como vemos a nós mesmos. E finalmente, (se acreditamos em tais coisas) é a meta transcendente de nossa peregrinação nesse planeta.
Contra a idéia de que a formação transpessoal é apolítica, Mayes indica que as formas mais fortes e complexas de compromisso político sempre estão enraizadas em uma espiritualidade que pode resultar de ou ser reforçada pelo tipo de análise interior recomendada pelo Dalai Lama (1997 apud YUS, 2002, p. 243): “abrindo a mente para a consciência da importância de nossos próprios potenciais interiores”. As visões generalizadas que alcançamos em nossas experiências transpessoais se tornam particularizadas e podem ser praticamente aplicadas a nós mesmos, à sociedade em geral, e à nossa parte na sociedade. É por essa razão que Wilber (1999 apud YUS, 2002, p. 243) afirmou que somente uma sociologia transcendental pode ser verdadeiramente libertadora e pode realmente satisfazer a pessoa inteira desde o nível intrapessoal ao transpessoal.
A partir dessas premissas, Mayes vê a necessidade de incluir práticas contemplativas na formação dos professores. Nesse sentido, adverte que temos nas mãos uma variedade excitante de ferramentas, tanto antigas quanto modernas, que foram completamente desconsideradas nos programas de formação de professores. No entanto, a partir de sua experiência como formadora, essas ferramentas de desenvolvimento psicoespiritual mostram ser úteis para vitalizar e afinar tanto a prática dos formadores de professores quanto à dos professores em serviço e professores em formação. Por outro lado, essas práticas também são aconselháveis para os alunos do ensino médio, principalmente por três objetivos: fomentar seu crescimento psicológico, social e espiritual, oferecer alternativas excitantes, saudáveis e legais ao álcool e às drogas e melhorar seu desempenho em sala de aula. Dessa forma, Mayes utiliza dois grupos de práticas psicoespirituais:
Técnicas meditativas: retiradas da tradição oriental, requer que o formador procure fazer em sala de aula o que ele também procura fazer durante a sua meditação pessoal (manter sua mente tranqüila, reduzindo suas próprias elaborações mentais tumultuadas, conforme diz o budismo) para desfazer suas projeções e estar o mais autenticamente presente em sua situação imediata. Independentemente das diferentes formas com que usa o termo reflexividade na formação de professores, quase todo programa de formação reflexiva se beneficia com a inclusão da prática meditativa. A consciência somente pode ser “ensinada” de acordo com a maneira como nós a incorporamos. A consciência não pode ser ensinada como uma instância despersonalizada de “racionalidade técnica”, pois os formadores de professores devem modelá-la como uma forma de “conhecimento-ação” intensamente pessoal, embora também pública. O resultado final do aprendizado é que nós ensinamos aquilo que somos. E se o que os formadores desejam ensinar é como estar realmente presentes em sala de aula, então não precisam ser somente o que ensinam, visto que também podem sê-lo quando ensinam. Isto é, deve ser consciente, meditar sobre e em suas aulas. A prática meditativa representa uma importante adição ao uso de diários, pesquisa-ação, discussões em seminário e análise narrativa que hoje são virtualmente as únicas ferramentas que o professor educador pode exigir dos estudantes sem que ele as use. Entretanto, não se pode “ensinar” os próprios professores em formação como ser conscientes de seus estudantes, não se pode ensinar a se concentrar e a sentir compaixão a partir de um exterior confuso e frio. De preferência, os formadores têm de mostrar aos seus professores em formação como ser conscientes, sendo holisticamente conscientes de suas necessidades (intrapessoal, interpessoal, extra pessoal, e transpessoalmente) Concluindo, a meditação pode ser uma parte importante no aprimoramento da pesquisa da história vital do professor, trazendo à luz, em seu interior, os textos e as imagens. Entendendo-se a si mesmos se tornarão mais reflexivos e compassivos, tanto dentro quanto fora de sala de aula.
Técnicas de psicologia transpessoal: também conhecida como Psicologia da Quarta Força, segundo denominação de Maslow. Em muitos de seus aspectos, apresenta semelhanças com a prática meditativa. A Psicologia da Quarta Força oferece uma riqueza de modalidades inexploradas para o aprofundamento da refexividade dos professores. Inicialmente, Maslow postulava uma pirâmide de importâncias, começando na base com as necessidades psicológicas e depois subindo para as de segurança, seguidas das de pertencer, de estima, cognitivas, estéticas e terminando nas necessidades de auto-realização. A auto-realização se parece com os desejos de autenticidade, de boa fé, e do viver como um “ser para si”. Entretanto, em meados dos anos 60, Maslow começou a sentir que esse modelo, embora tão correto, era incompleto, pois abaixo e acima das necessidades de auto-realização ele começou a perceber a necessidade inerentemente humana de transcender a si mesmo; de estabelecer contato psicológico com “o naturalisticamente transcendente, espiritual e axiológico”. Para Maslow, essa psicologia transpessoal, transumana, centrada mais no cosmos do que nas necessidades e nos interesses humanos, que vai além da h8umanaidade, da identidade e da auto-realização, é fundamental para a auto-realização, pois sem o transpessoal nós ficamos doentes, violentos e niilistas, ou até mesmo desesperados e apáticos. É preciso ressaltar que a psicologia transpessoal vê a espiritualidade e a religião como categorias ocasionalmente coincidentes, mas certamente não idênticas. Por outro lado, a Psicossíntese de Assagiolo oferece uma grande variedade de técnicas concretas e potentes para o crescimento psicoespiritual que são eminentemente adaptáveis às salas de aula em todos os níveis, desde o elementar até o universitário. Essas técnicas, com freqüência, são especialmente curativas e revigorantes para os adolescentes.
Baseando-se nessas duas tradições, Mayes experimentou diversas técnicas transpessoais para aprofundar na reflexividade dos professores, destacando as seguintes:
Demonstração e transformação de escritas e de mensagens internas: aceitando o valor dos exercícios meditativos para nos tornar conscientes de nossas escritas e metáforas guias, Mayes descobre que, embora nem sempre por meios negativos, esses textos e essas imagens são frequentemente problemáticos. Requer tenacidade e muita coragem para abrigá-las em uma visão estável e duradoura de um recurso analítico. Partindo de sua própria experiência, esses escritos não são necessariamente complexos, todavia são extremamente potentes. A técnica consiste em elaborar textos reflexivos sobre a história pessoal de cada professor, de modo que, conforme esses textos surgem, com clareza crescente em sua meditação, vão sendo capazes de vê-los criticamente e de relacioná-los com seus hábitos e crenças no ensino. Por meio de atividades de autoconsciência, podemos ver e compor os textos que formam nossa prática. Sugerem-se formas simples, entretanto potentes, para mudar textos destrutivos, substituindo-os por outros mais frutíferos e realistas. Essas técnicas, embora simples de descrever, não são fáceis de realizar. Trazer a lembrança escritos e metáforas em meditação e depois pacientemente transforma-las plantando e tendo novas e imaginativas sementes lingüísticas é um sutil e, ás vezes, penoso processo que evolui lentamente e empurra a pessoa para enfrentar e dominar muitas formas complexas de resistência interna. No entanto, pode dar lugar a um fruto rico em nosso ensino e no dos alunos.
Reconhecimento e desidentificação de subpersonalidades: as subpersonalidades são satélites psicológicos que coexistem como uma grande quantidade de vidas dentro de um meio geral de nossa personalidade. Cada subpersonalidade tem um estilo e uma motivação própria, muitas vezes claramente diferente das demais. Existem várias formas de conseguir abordar essas subpersonalidades. Pode-se, por exemplo, utilizar exercícios sistemáticos de diário ou diálogos da Gestald, em que cada membro da díada emite e responde ao imperativo “Diga-me quem é você”. Em suas aulas, Mayes recorre à meditação para evocar e explorar quatro a cinco dessas identidades, dando inteira liberdade aos alunos para se somar a esse processo. Essas técnicas são complicadas, pois requer alguma introdução delicada antes de pedir aos estudantes que vejam uma subpersonalidade sem julgá-la, não importando à problemática, por mais apaixonante ou grotesca que ela seja. Deve-se explicar que essas subpersonalidades representam energia psicológica que, compreendidas e aplicadas corretamente, podem prestar um grande serviço aos professores. Também se deve advertir que todos são feitos dessa mistura de caracteres, que o fato de ver um aspecto indesejável de si mesmo não significa atuar com base nele. De fato, é precisamente não analisando esses aspectos do eu que se pode, finalmente, chegar a um comportamento destrutivo. Os professores podem usar esses elementos para se tornarem professores mais perceptivos e compassivos. Em seguida, pede-se ao estudante que converse com a entidade (mesmo que seja um animal ou um objeto), descubra seus desejos, suas esperanças, seus medos e assim sucessivamente. Depois de vários minutos nesse processo, pede-se a eles que dêem um nome a entidade (como, por exemplo, o Juízo, o Palhaço, a Polícia, o Mártir, o Santo, etc.). Nesse ponto, o estudante estará disposto a começar a explorar a subpersonalidade e a compreender sua possível relação com seu estilo de ensino. Ele consegue conhece-la melhor observando e conversando com ela mais extensamente por meio da escrita de diários, com conversas duais, discussões em grupos e, claro pela meditação continuada. Como componente essencial desse trabalho de subpersonalidade tem o que o budismo chama de separação, já a psicossíntese denomina desidentificação que é quando reconhecemos uma subpersonalidade, somos capazes de observá-la de fora, o que significa uma desidentificação. Como todos têm a tendência de nos identificarmos como essa subpersonalidade chega a acreditar de maneira implícita que nós “a somos”. A desidentificação consiste na ruptura dessa ilusão e a volta ao nosso eu, e isso muitas vezes vem acompanhado por sentido de aprofundamento e de libertação. Desse modo, os professores se tornam mestres de sua subpersonalidades, não são seus escravos. Para Mayes, essa também é à base do ensino espiritual e da formação de professores.
Diálogo forçado na terapia Gestalt: de acordo com a psicoterapia Gestalt, todas as personalidades que aparecem nos sonhos são aspectos da própria pessoa. Vítima e vitimizador, herói e covarde, santo e pecador (tudo o que faz existencialmente a alguém uma psique única). Em uma das técnicas centrais da terapia Gestalt, o paciente senta-se em uma cadeira e tem de encarar uma cadeira vazia. Na cadeira vazia. Na cadeira vazia, o paciente imagina alguma pessoa, algum animal ou objeto que apareceu em seu sonho quando estava acordado. O terapeuta, como interlocutor, ajuda o paciente a falar com a entidade. Depois o paciente passa para a cadeira vazia e imagina que agora ele é essa entidade. O paciente como entidade, se dirige a ele mesmo na outra cadeira. Esse processo de troca de cadeiras termina quando se chega a algum tipo de compreensão e aproximação entre o paciente e esse aspecto de si mesmo. Usando essa técnica, Mayes abordou somente personalidades que se relacionassem com experiências passadas ou com futuras expectativas sobre a escola de professores em formação. O estudante pode escolher pessoas que sejam avaliada tanto positiva como negativamente por ele (por exemplo, “o professor mais valioso que nunca existiu”, “o estudante ideal”, “o tipo de estudante que me dá mais medo”). De acordo com a teoria junguiana, desse modo os estudantes entram em contato com arquétipo da “sombra” (nesse caso “o professor sombra”), de modo que a sombra deve ser reconhecida e explorada com o objetivo de aprender como possuí-la e utiliza-la de maneira positiva e não ser inconscientemente possuído por ela.
Assim, com essas ferramentas, Mayes consegue que os professores revejam suas práticas como professores e formadores de professores para serem mais reflexivos e responsáveis com a dimensão espiritual que irão ensinar. A conexão com técnicas meditativas orientais e com aspectos da psicologia transpessoal, especialmente a psicossíntese, mostram como uma variedade de técnicas novas e antigas pode ajudar-nos a cultivar o espiritual no ensino. Longe de desafiar ou procurar substituir outras formas de reflexão, tais como a consciência crítica das dimensões políticas do ensino e a análise textual das narrativas da história de vida de professores em formação, essas perspectivas teóricas e práticas significam uma ampliação do repertório de reflexividade dos professores, para capacitar-lhes a prestar mais atenção neles mesma e em seus alunos nas três dimensões básicas: a psicológica, a social e a espiritual.
3.6.3 – Experiências com a Formação de Professores Holísticos
Nos últimos anos, houve uma considerável quantidade de pesquisa significativa na área da formação de professores e da mudança curricular. Uma lição aprendida dessa pesquisa é que não podemos desenvolver um programa e esperar que os professores o apliquem sem nenhum tipo de planejamento e apoio. Por outro lado, ficou claro que a aplicação de um programa não é um evento particular, mas um processo complexo que ocorre durante um período de tempo mais ou menos longo. Quando falamos de pôr em prática um currículo holístico, deparamo-nos com um grande contraste entre os modelos convencionais da escola e o modelo holístico em cada um dos elementos que caracterizam um currículo. Por isso é fundamental pôr em prática um plano de formação de professores em exercício paralelo à aplicação desse programa.
Uma das experiências mais notáveis se refere à formação de professores por meio de um currículo integrado. Trabalhando com um currículo integrado, Clark (1997 apud YUS, 2002, p. 248) notou as enormes dificuldades para a sua aplicação, especialmente pelas mudanças que exige dos professores. Desse modo, esse autor considera que a adaptação de novas idéias e estratégias não é fácil e não ocorre da noite para o dia. A mudança transformativa é um processo longo e sistêmico que muda através do tempo, mas em etapas claramente definidas. Não obstante, como a mudança externa sempre reflete alguma experiência interna de transformação, as mudanças raramente são previsíveis. Isso significa que sempre se deve começar do ponto em que as pessoas estiverem no processo. Compreendendo essas etapas, a pessoa é capaz de identificar mais corretamente tanto as necessidades individuais quanto as do grupo e, portanto respondem criativamente a essas necessidades. Como cada uma dessas etapas implica uma mudança autêntica na consciência, essas modificações não podem ser precipitadas. Segundo Clark, esse processo passa pelas seguintes etapas:
Ignorância: uma pessoa que não tem consciência de qualquer necessidade de mudança está “adormecida”. Hoje, muitos professores e administradores parecem estar adormecidos. Levam a vida tomando todas as decisões que lhe são exigidas dia após dia (exemplo: dar notas, controlar a ordem, etc.) sem nunca pensar seriamente ou refletir sobre o que estão fazendo. Essas pessoas sentem-se satisfeitas quando qualquer um toma as decisões administrativas importantes sobre o currículo. Embora possam ter alguma consciência de que existem sérios problemas, assumem que não há nada que possam fazer para marcar uma diferença, de forma que simplesmente as ignoram. As modificações sugeridas como a mais importante reforma curricular são, no máximo, vistas com ceticismo e, muitas vezes, até com desdém.
Consciência:nessa etapa, o professor acorda depois de um longo sono. Em princípio existe pouca consciência de que esteve adormecido. Depois olha ao redor e subitamente vê as coisas com novos olhos. Essa etapa acontece quando as pessoas reconhecem que antes de abordar os sérios problemas existentes têm de adquirir alguma perspectiva sobre a situação. Essas pessoas estão prestes a passar para a etapa seguinte do processo de mudança.
Compreensão: a compreensão, a verdadeira compreensão, requer duas coisas: refexividade (consciência auto-reflexiva) e contexto (o grande painel). Uma vez que a pessoa percebe a educação dessa perspectiva mais ampla, consegue perceber claramente que os problemas supostamente separados e insolúveis são realmente sintomas de um problema estrutural mais simples e básico.
Revisão, compromisso e ação: depois de ter conseguido orientar-se e compreender a natureza do dilema, o professor está pronto para criar uma visão do potencial. Conforme essa visão vai tornando-se mais clara e vêem o que realmente pode ser possível, estarão preparados para dotar um compromisso de fazer o que for necessário para tornar essa visão realidade. Tal compromisso, por sua vez, energiza tanto a ação individual quanto a coletiva. Isso é seguido de um novo nível de compromisso e de uma ação ainda mais energizada.
Em uma linha similar, J. Miller e colaboradores (1990 apud YUS, 2002, p. 249) consideram que a aplicação do currículo difere de acordo com a perspectiva ou a postura curricular da qual se parte. Desse modo, o desenvolvimento profissional em um esquema de transmissão se caracterizara por sessões gerais de desenvolvimento profissional centradas na transmissão de informação, com papéis pré-determinados dentro de um sistema hierarquizado. Em um esquema transacional, o desenvolvimento profissional é mais individualizado, com ênfase na prática, na retro alimentação e no treinamento, de modo que os papéis são mais flexíveis, permitindo uma interação entre professores. Em compensação, em um esquema transformacional, que é aquele que segundo J. Miller e colaboradores se adaptam melhor a um currículo holístico, o desenvolvimento profissional é mais individualizado, com ênfase no treinamento e no crescimento pessoal dos professores, com papeis muito flexíveis e com ênfase na relação eu - você entre os professores.
O uso dos estudos integrados demonstrou se altamente carente de uma aproximação transacional ou transformacional em sua aplicação. A integração pode ocorrer por meio de tentativa do professor de integrar as matérias dentro de uma situação de aula elementar, ou por meio de dois ou mais professores colaborando para ensinar uma unidade integrada. Em qualquer caso, sua aplicação precisa aproximar-se tanto reflexivamente quanto de dentro para fora. Entre as estratégias utilizadas, J. Miller e colaboradores propõem o seguinte:
Desenvolvimento de equipe: o desenvolvimento da equipe implica considerar o aprendizado e o crescimento das pessoas adultas. Segundo Miller, a aprendizagem adulta é facilitada:
1- Quando a experiência passada se aplica ao aprendizado atual por intermédio de processos de pensamento divergente. Estes incluem as metáforas, as analogias, os gráficos, as figuras, os desenhos, os jogos, etc.
2- Com um ambiente de aprendizagem psicologicamente seguro onde o indivíduo se sinta confortável tentando novos comportamentos.
3- Quando está relacionada diretamente com as necessidades e os problemas atuais do individuo.
4- Quando for satisfatória, isto é, quando for autodirigida.
5- Quando as expectativas são claras e precisas e os reforços são imediatos.
6- Com uma comunicação de dois sentidos entre o professor e o aluno, estimulando a reflexão do aluno.
7- Quando o indivíduo não se sente pressionado por limites temporais arbitrários.
8- Quando o professor/facilitador reconhece e se acomoda a diferentes estilos de aprendizado.
9- Quando o professor renuncia a algum controle sobre o processo instrucional e compartilha esse processo com o aluno.
10- Quando existe uma variedade de atividades individuais e de grupo.
Baseados nessas ítens foram identificados os seguintes fatores associados à formação de grupos:
1- O reconhecimento da perícia do professor em relação à prática de ensino. Em outras palavras, o professor é visto como um recurso válido que ajuda a compartilhar a direção do programa de desenvolvimento do grupo.
2- A adaptação local, isto é, que permita “reinventar a roda”, de modo que o diretor e o grupo tomam conhecimento do novo programa em seus próprios termos.
3- O desenvolvimento profissional é de longo prazo e não-linear. A aplicação de um programa muitas vezes exige vários anos para que a mudança ocorra.
4- A redução dos riscos psicológicos da mudança. Isso ocorre quando os administradores estão envolvidos no processo.
5- O desenvolvimento do grupo não é um programa especial, mas uma parte da vida organizacional em andamento na escola.
6- O treinamento, que é a etapa mais importante, pois está em muitos dos princípios-chave da aprendizagem adulta: a comunicação de dupla direção que estimula a reflexão do professor sobre a prática, a revisão direta, a autodireção, etc.
Os professores que se desenvolvem e programam unidades em estudos integrados notam que esse treinamento facilita seu uso em novos programas de suas classes. Uma estratégia de treinamento deveria constar dos seguintes passos:
Análise. Nesse primeiro passo, o treinamento procura conseguir uma compreensão da relação dos novos programas, nesse caso uma unidade em estudos integrados, com a prática de seu aluno. Este explica ao treinador que procura fazer a nova unidade e ver como relaciona o programa geral em sua classe. O treinador esclarece os objetivos, as estratégias de ensino e os recursos que o aluno deverá usar.
Observação. O treinador visita e observa a sala de aula do aluno. Essa primeira visita permite que ele se familiarize com a turma, e proporciona uma base para observações e discussões futuras com ele. Durante esse dia inicial de observação, o treinador não aborda o uso dos estudos integrados, mas simplesmente tenta confirmar a imagem da classe desenvolvida durante a análise.
Planejamento. O aluno e o treinador desenvolvem uma imagem do que na classe parece ser o resultado da implementação da unidade nova. Essa imagem pode centrar-se em estratégias de ensino, no aprendizado do estudante e nos recursos envolvidos. O treinador deve assegurar que a imagem seja alcançada. O treinador e o aluno também devem identificar os passos que precisarão seguir para conseguir a imagem desejada. Os passos poderão ser realistas e apropriados. Finalmente, o aluno e o treinador devem estar de acordo sobre um horário de observação e os critérios para determinar se a unidade de estudos integrados está sendo usada com sucesso.
Uso do plano. O aluno começa a usar a unidade nova. Pode achar útil visitar a classe do treinador ou outra classe onde os estudos integrados estão sendo usados. Depois que o aluno teve a oportunidade de começar a unidade nova, o treinador observa como ela está sendo implementada. Este pode guardar anotações para compartilhar com o aluno durante as sessões de revisão, em que o treinador compartilha suas percepções de aula e suas reações com as percepções do treinador. Em seguida, os dois discutem os passos que o aluno irá trabalhar e estabelecem uma data para a próxima reunião. Esse processo se repete até que o aluno e o treinador sintam que a unidade nova está sendo implementada com sucesso.
O treinamento é um aspecto importante de qualquer trabalho de desenvolvimento da equipe docente porque proporcionam um veículo em que os professores podem trabalhar juntos de uma maneira não-ameaçadora. Sob o processo de treinamento e da maioria das abordagens transacionais ou transformacionais do desenvolvimento da equipe docente e do crescimento profissional está o conceito de prática reflexivo (Schön, 1992 apud YUS, 2002, p. 252). O prático reflexivo caminha além de uma aproximação a seu trabalho, analisando esse trabalho de diversas perspectivas. O prático reflexivo vê a si mesmo como alguém que pode facilitar o aprendizado e a resolução de problemas, mais do que como um especialista com conhecimento a ser transferido aos estudantes. Também estão abertos tanto aos seus sentimentos quanto aos dos estudantes.
J. Miller e colaboradores (1990 apud YUS, 2002, p. 252) também assinalam que é possível abordar o desenvolvimento da equipe docente e o treinamento de uma maneira holística, destacando dois veículos que podem facilitar a aprendizagem holística, como a metáfora e a narrativa. Descobriu-se que os professores podem desenvolver metáforas para tornar mais clara sua própria visão de como ensinam (por exemplo: “minha classe é como uma família”, “sou o condutor de um trem”, etc.). A metáfora pode ser muito útil durante a etapa de análise do treinamento, pois estimula os professores a utilizar uma abordagem transformacional ou holística para identificar a imagem que eles têm de seu próprio ensino. Também pode ser útil para a identificação da imagem desejada sobre a implementação dos estudos integrados. Por exemplo, o efeito desejado do aprendizado integrado pode ser definido em termos de uma confluência de correntes.
A metáfora pode tornar-se parte de uma narrativa do professor. A narrativa nos permite pensar sobre a nossa vida e trabalhar como um todo. Por meio da narrativa, procuramos perceber a estrutura da vida do professor e como essa estrutura se manifesta no ensino. O uso da narrativa permite ao professor relacionar a importância dos temas em sua vida com a prática de ensino. Imagens e metáforas ajudam a dar forma aos temas, de maneira que o significado e a direção da vida se ornam mais claro.
J. Miller e colaboradores concluem que no centro de um programa integrado e de uma abordagem holística está um professor. Embora dispondo de estratégia e técnicas, podemos compreender que a integração temática está ligada à integração do professor. Se um professor está sentindo-se alienado e fragmentado, então não é razoável esperar dele ou dela que desenvolva e ensine estudos integrados de uma maneira holística. Os professores devem ser autênticos em sua abordagem e não estar representando algum tipo de papel falso que possa afastar os estudantes. Por outro lado, devem ser atentos e compassivos, o que implica certa sensibilidade com a própria vida do estudante. Nesse sentido, os autores defendem os métodos de concentração e de meditação para professores, de modo que possam despertar mais completamente sal vida interior, visto que, despertando sua vida interior, poderão simultaneamente se conectar com a vida interior de seus estudantes. Essa conexão é fundamental para o currículo holístico e para a aprendizagem integrada.
PARTE 4: LINHAS PEDAGÓGICAS SINTONIZADAS COM OS NOVOS PARADIGMAS
4.1 Teoria das Múltiplas Inteligências
Neste trabalho incluímos uma breve explanação dos estudos recentes do pesquisador Howard Gardner, psicólogo e professor da Harvard Graduate School of Education, com seus estudos sobre as Estruturas da Mente, uma vez que, é uma contribuição aos pressupostos holísticos educacionais.
Ele considera o conhecimento como uma rede interconectada, interligada ao todo, e dinâmica. A obtenção, criação de conhecimentos se dá através de várias formas de inteligência interconectadas, com sede em várias regiões distintas do cérebro, diferindo de homem para homem, de cultura para cultura.
Esse teórico tentou superar a noção de que inteligência fosse uma capacidade geral ou potencial de cada ser humano, e também questionou que a inteligência pudesse ser medida através de instrumentos verbais padronizados como respostas curtas e testes com lápis e papel. Considera que a cognição humana, ao ser estudado em totalidade, abarca competências que normalmente não são consideradas e também que não podem ser reduzidas para avaliação, através de instrumentos e habilidades apenas lógico-matemáticas ou lingüísticas. Ele diz que os testes de QI, a teoria piagetiana, e a teoria cognitivista, dão um peso exclusivista a estas capacidades, em detrimento dos aspectos biológicos, dos vários matizes da criatividade humana. Afirma que estas teorias são todas insensíveis à importância da simbolização nas atividades humanas, e a capacidade de simbolização tem sido alvo de crescente interesse entre os pesquisadores deste final de século.
Então, no estudo da cognição humana, precisamos considerar outras competências, que não só os tradicionais métodos verbais, no campo das inteligências lógico - matemática – lingüística.
Nomes como Susannne Langer, Ernst Cassier, e Alfred North Whitehead, têm citado o fato de o homem usar vários veículos simbólicos para expressar significados, é o que distingue os humanos dos outros organismos. O uso de símbolos deu origem aos mitos, à linguagem, às artes cênicas, e à ciência.
Aqui se pode falar de dois paradigmas filosóficos: O interesse dos tempos clássicos, pelos objetos do mundo físico, que foi substituído pelo culto à mente e seus objetos (Hume, Kant e outros ingleses), para no século XX, os sistemas simbólicos voltarem a ter seu valor reconhecido, como se tem observado agora em muitos trabalhos filosóficos contemporâneos, nos quais se procura o entendimento da linguagem, das artes visuais, dos gestos e outros sistemas simbólicos.
Gardner, adotando esta perspectiva simbólica, não está pretendendo negar a epistemologia do conhecimento, de Piaget. Ao contrário, ele e seus colegas usaram o método piagetiano com seus “esquemas”, para aplicá-los em sistemas simbólicos musicais, corporais, espaciais, e até pessoais.
A neurobiologia revelou recentemente que há áreas específicas no cérebro que correspondem a certas formas de cognição, por processarem as informações de diferentes formas. Deste casamento da neurobiologia, com a revisão das principais teorias psicológicas da inteligência humana, vem o arcabouço teórico de idéias que sustentam a definição de inteligência e seus atributos para este autor.
Gardner (1994) em seu livro A Criança Pré-Escolar: Como Pensa e Como a Escola Pode Ensiná-la ressalta o conceito de inteligência única, para uma visão pluralista da mente, para um feixe de habilidades, e definiu inteligência como sendo a capacidade de resolver problemas e de ser útil à sociedade.
Apesar de não achar esse número definitivo, ele classificou a princípio, sete inteligências, que coexistem no ser humano, em maior ou menor grau e proporção. Em estudos recentes, acrescentou mais duas inteligências, a naturalista e a existencial. São elas:
Lingüística Verbal: Está relacionada às palavras e à linguagem escrita e falada. Domina a maior parte do universo educacional no ocidente. A produção da linguagem através de suas diversas formas, como poesia, humor, o contar histórias, gramática, metáforas, similaridades, raciocínio abstrato, pensamento simbólico, padronização conceitual, leitura e escrita. Está presente em poetas, teatrólogos, escritores, novelistas, oradores e comediantes.
Perfil: Entendimento da ordem e do significado das palavras. Capacidade de convencer alguém sobre um fato. Capacidade de explicar, ensinar e aprender. Senso de humor. Memória e lembrança. Análise meta-linguística.
Exemplo: Monteiro Lobato.
Lógico Matemática: Associada ao raciocínio científico ou indutivo. É uma inteligência que reconhece padrões, que consegue trabalhar com símbolos abstratos (números e formas geométricas), que vê conexões entre peças separadas. Está presente nos cientistas, programadores de computadores, contadores, advogados, matemáticos, banqueiros.
Perfil: Reconhecimento de padrões abstratos, raciocínio indutivo e também dedutivo, discernimento de relações e conexões, solução de cálculos complexos.
Exemplo: Albert Einstein.
Visual Espacial: É uma inteligência que se caracteriza por ter um senso de visão apurado, e na capacidade de rápida visualização espacial de um objeto. Também inclui a capacidade de criar imagens mentais, embora sua chave seja o sentido da visão. Por isso, pessoas com essa inteligência podem ser bons jogadores de xadrez, pela habilidade de visualizar objetos a partir de diferentes perspectivas. Está relacionada com todas as artes visuais (pintura, desenho, escultura), navegação, pilotagem de carros de corrida, criação de mapas e projetos de arquitetura (pois envolve o uso do espaço e de como se locomover nele). Estão presentes nos arquitetos, artistas gráficos, pintores e escultores, cartógrafos, desenhistas de produtos industriais.
Perfil: Percepção apurada de diversos ângulos, reconhecimento de relações de objetos no espaço, representação gráfica, manipulação de imagens, descobrirem caminhos no espaço, formação de imagens mentais, imaginação ativa.
Exemplo: Ayrton Sena, Mestre Vitalino.
Música Rítmica: É uma inteligência que reconhece os padrões tonais, incluindo os sons do ambiente, e numa sensibilidade para ritmos e batidas. Engloba capacidades de manuseio avançado de instrumentos musicais. Muitos aprenderam o alfabeto através da canção do ABC. A “alteração de consciência” que a música efetua no cérebro, constitui a principal, entre todas as inteligências. É encontrada em compositores musicais dos mais variados estilos (eruditos, populares, jingles – publicitários). Também em professores de dança e música, nos músicos profissionais, em bandas de Rock.
Perfil: Reconhecimento da estrutura musical, esquemas para ouvir música, sensibilidade para sons, criação de ritmos, melodias, percepção das qualidades dos tons, habilidade para tocar instrumentos.
Exemplo: Caetano Veloso, Alceu Valença, Luiz Gonzaga.
Corporal: Está relacionada com o uso do corpo físico, com o movimento físico, com a sabedoria corporal, incluindo o córtex cerebral que controla os movimentos do corpo. Envolve a habilidade de usar o corpo para expressar uma emoção (dança e linguagem corporal), para jogar um jogo (esportes), e para criar um novo produto (invenções). “Aprender fazendo”, tem tradição como uma forma importante na educação. Nossos corpos sabem de coisas que nossas mentes desconhecem ou não podem explicar. Por exemplo, quem sabe andar de bicicleta, skate, datilografar e estacionar o carro, é o nosso corpo. Essas capacidades sinestésicas podem ser encontradas em atores, mímicos, dançarinos profissionais e inventores.
Perfil: Funções corporais desenvolvidas, habilidades miméticas, conexão corpo/mente, alerta através do corpo (sentidos), controle dos movimentos pré-programados, controle dos movimentos voluntários.
Exemplo: Isadora Duncan, Mikail Barishnikov.
Naturalista: Habilidade para reconhecer flora e fauna, para fazer distinções no mundo natural e sensibilidade em relação a ele. Atração pelo mundo natural e sensibilidade em relação a ele. Capacidade de identificação da linguagem natural e capacidade de êxtase diante da paisagem humanizada ou não
Perfil: capacidade de discernir, identificar e classificar plantas e animais; distingue diferentes espécies de plantas e suas características; demonstra a utilidade botânica e curativa das plantas.
Exemplo:Darwin, Burle Marx...
Inteligências Pessoais:
Interpessoal: Opera e baseia-se no relacionamento interpessoal e na comunicação. Envolve a habilidade de trabalhar cooperativamente com outros num grupo e de travar comunicações verbais e não verbais. Tem a capacidade de distinguir entre alterações de humor, temperamento, motivações e intenções. A pessoa pode conseguir, ler desejos e intenções do outro, podendo ter empatia por suas sensações, medos e crenças. Apresentam-se nos aconselhadores, professores, terapeutas, políticos, palestristas famosos e líderes religiosos.
Perfil: Criação e manutenção da sinergia, superação e entendimento da perspectiva do outro, trabalho cooperativo, percepção e distinção dos diferentes estados “emocionais” dos outros, comunicação verbal e não verbal.
Exemplo: Ludwig Valbez, Silvio Santos.
Intrapessoal: É característica dos estados interiores do ser, da auto-reflexão, da metacognição (reflexão sobre o refletir), da sensibilidade frente às realidades espirituais. Relaciona-se ao conhecimento dos aspectos internos do ser, como o conhecimento dos sentimentos, a intensidade das respostas emocionais, auto-reflexão, um senso avançado de intuição.
É a inteligência que nos pode levar a sermos conscientes de nossa consciência. Envolve a capacidade de experienciar a Unidade e o Todo, discernirem padrões de conexões com coisas dos sentidos, terem intuições sobre o futuro e sonhar e realizar o possível. Podem ser encontradas nos filósofos, psiquiatras, aconselhadores espirituais e pesquisadores de padrões de cognição.
Perfil: Concentração total da mente. Preocupação, metacognição, percepção e expressão de diferentes sentimentos íntimos, senso de auto conhecimento, capacidade de abstração e raciocínio.
Exemplo: Carl Gustav Jung.
Existencial: Refere-se à preocupação e formulação de perguntas sobre a vida, a morte, o universo. É a inteligência de religiosos, líderes espirituais, devotos etc.
A teoria das Múltiplas Inteligências baseia-se em pesquisas biológicas e da psicologia, mas, onde encontra seu maior campo de aplicação, e sua melhor acolhida, tem sido na área educacional.
As escolas já estão acordando para o fato de que as capacidades individuais dos alunos com seus ritmos pessoais precisam ser levados em consideração, e que também deve explorar todas as formas de conhecimentos. Elas, por muito tempo esqueceram de que a primeira via de acesso do conhecimento é o caminho dos sentidos; aquele que passa pelo corpo, e queriam que as crianças entrassem para as aulas só com suas mentes, deixando seus corpos e sentimentos do lado de fora... Ora isso, numa visão coerente de entender o aluno como ser humano integral, é inaceitável! As Teorias das Múltiplas Inteligências vêm reforçar o que muitas linhas pedagógicas de tendência holística já têm proposto, e contribuí para a mudança desse quadro, para uma educação mais compreensiva, que proporcione um continente para abarcar todos, respeitando e ajudando a desenvolver qualquer ser, sejam quais forem suas preferências, sintonias, facilidades, habilidades, competências, inteligências.
4.2 Pedagogia Antroposófica – Escolas de Waldorf
Diz Greuel, em seu artigo O Holismo e a Pedagogia Waldorf, publicado na Revista Chão e Gente (1996), que, como atualmente a realidade do homem se resolve e se explica somente na matéria, a sua existência carece de razão e finalidade maior, havendo somente a perspectiva da felicidade material transitória, que, como único consolo dessa existência aqui na Terra, leva o homem ocidental à consagrada dinâmica de consumo, em que se quer sempre algo mais e nova. A Terra, como ambiente finito que é, de recursos limitados, está exaurida em seus recursos naturais e com a natureza toda sacrificada.
Na perspectiva pedagógica, isto equivale à preparação para o mercado consumista. O bem estar do homem está hoje atrelado a sua participação competitiva no mercado, na economia. Para conseguir isto, todos devem ser muito aptos em falar inglês, saber informática, etc. Uma escola que prepara o jovem para conquistar sua parcela no mercado, no processo econômico, diz-se que se está preparando para a vida, porque vida hoje, é poder participar dos bens de consumo que ela oferece.
Mas a pedagogia holística Waldorf, trabalha com outra visão do homem. É uma corrente educacional baseada nos princípios da Antroposofia, ciência espiritual elaborada por Rudolf Steiner no início deste século. Waldorf era o nome de uma fábrica de cigarros da Alemanha. O convite de seu diretor presidente, o pensador alemão concedeu um sistema de ensino para os filhos dos operários da fábrica. Há hoje aproximadamente 700 escolas Waldorf espalhadas em diversos países, inclusive no Brasil.
Na virada do século Steiner empenhou-se em elaborar formas de conhecimentos que, apesar de não dispensarem a postura científica e não dogmática do homem moderno, permitem que o conhecimento extrapole a esfera dos fenômenos materiais e quantificáveis. Explica-se, nessa visão, que o homem tem uma existência material e transitória, para que possa desenvolver sua identidade espiritual própria e autônoma. Como o homem não nasce pronto, com suas aptidões todas desenvolvidas, ele tem que ser conduzido pelo processo educativo para encontrar-se a si mesmo.
O processo pedagógico consiste então em proporcionar, através do ensino, o amadurecimento da criança para que ela possa definir a sua própria vida. O currículo deve seguir as necessidades evolutivas de o próprio ser humano, preparando-o para ser ele mesmo. O aluno deve aprender que está no mundo, não para se submeter ao que já existe, mas para tornar possível e criar o que ainda não existe, mas, numa concepção mais espiritualista, mais completa, mais solidária. As pedagogias do mercado, no fundo, não preparam o jovem para a vida, como quer fazer crer, pois restringe o aluno ao que está em evidência no momento. Na verdade, elas atrelam os jovens ao passado.
A pedagogia que tem sua base no próprio ser humano, liberta, pois abre sua mente, suas aspirações, visando um futuro mais em harmonia com os seus semelhantes, com a natureza, com o meio ambiente, e, portanto, com si próprio. Ela ensina desenvolvendo e exercitando habilidades, e não só inculcando informações.
A pedagogia Waldorf, com uma visão holística integrada e multidimensional do ser humano, conseguiu desenvolver alternativas fascinantes e concretas para a educação ocidental, nas mais de 700 escolas que orienta ao redor do mundo. Além de considerar e utilizar o currículo oficial do país preocupa-se em adequá-lo às necessidades evolutivas do homem, preparando-o para e assumir a si mesmo, a fim de ocupar o seu lugar no mundo. O mercado e o mundo é que deveriam servir ao desenvolvimento do homem, e não o homem ter que servir ao mercado, ela prega. A prática pedagógica antroposófica busca integração entre corpo, alma e espírito, e pretende o desenvolvimento saudável do ser humano, mostrando o erro que é considerar os aspectos espirituais como um campo de indagações fúteis, não necessárias.
A Antroposofia significa “sabedoria a respeito do homem” e estuda a natureza do homem e sua relação com o universo. Aplica-se na prática em vários âmbitos da vida: Medicina, Pedagogia, Agricultura Biodinâmica, Arquitetura, Consultoria Empresarial, Artes e Terapia Artística, Fonoaudiologia, Psicologia, Assistência Social, e Literatura em Geral.
As escolas que seguem essa linha são casas com atividades aconchegantes e tranqüilas, de quintais com árvores, horta, areia, brinquedos e cercadas de amigos. Os professores, atentos e carinhosos, realizam atividades próprias e dignas de serem imitadas através de gestos e de atitudes. Os ambientes são especialmente preparados, para proporcionar o respeito ao ritmo de cada criança.
Para o brincar são utilizados materiais naturais como pedrinhas, conchas, troncos de madeira, sementes, tecidos coloridos, lãs, bonecas e bichinhos de pano sem muita caracterização fisionômica, nem traços definidos e “fechados”, etc. As Artes (desenho, pintura, música, modelagem, teatro, canto...) e os Trabalhos Manuais (tricôt, crochêt, horta, cozinha, costura...) fundamentam-se em princípios filosóficos e éticos e estruturam-se no QUERER, SENTIR E PENSAR, visando desenvolver um ser humano equilibrado em todas as suas potencialidades.
As atividades de desenhar, modelar, cozinhar, brincar, ouvir contos de fadas, são planejadas observando os ritmos diários e os maiores, como o das estações do ano, com suas festas e riquezas folclóricas. Assim, amorosa e naturalmente, as crianças pequenas adquirem as condições necessárias para a próxima fase da vida: a escolaridade, onde a arte continua ocupando lugar de destaque nesta linha pedagógica.
“A vida social saudável só é encontrada quando, no espelho de cada alma humana, a sociedade como um todo se reflete e na comunidade vive a virtude de cada um”.Rudolf Steiner
Na pedagogia Waldorf, a brincadeira ocupa lugar de destaque. Desde a sua criação. Steiner pretendeu, com sua pedagogia, preservar a “solene seriedade”, inata das crianças ao brincar, para que essa atitude fosse transferida para seu aprendizado, como um ideal. Como salvaguardar para a vida, para o aprendizado, este entusiasmo que a criança tem com o seu brinquedo?
A seriedade da vida, que começa na escola, não deveria ser aborrecida, tristonha, mas cheia de alegria, entusiasmo e fervor. Por isso, até os 7 anos, a criança é deixada livre para brincar, e é estimulada a isto, mas não diretivamente, apenas indiretamente, pelo cultivo do imaginário, pelo ambiente físico especialmente preparado para dar asas à fértil imaginação infantil, pelos contos de fada e outros, transmitidos calorosamente pela voz humana. O propósito da Educação, para a pedagogia Waldorf, é transformar o entusiasmo pelo brinquedo em entusiasmo pelo estudo; o prazer na brincadeira pelo prazer na aprendizagem.
O grande desejo de cada professor é que a criança transforme a solene seriedade com que se entrega ao brinquedo, em uma seriedade igualmente solene, porém alegre, para com o estudo e o trabalho. A única ocupação digna para uma criança até os sete anos, é o brincar, pois é como ela põe em movimento sua fantasia e com a experimentação de suas faculdades criadoras, constrói uma nova realidade.
PARTE 5: CONCLUSÃO
Nossa preocupação, ao desenvolver esta pesquisa de revisão bibliográfica, foi de compreender, por quais transformações estamos passando e o que tudo isso pode refletir no processo educacional vigente. Procurando entender esse processo, sentimos que a visão holística, seja uma nova perspectiva que pode contribuir muito as novas exigências históricas.
É difícil afirmar se estamos ou não diante de um processo de mudança de paradigma, mas o que podemos constatar é a existência de uma forte representação de reflexões a partir dos mais diversos âmbitos da cultura que nos mostra as deficiências do paradigma vigente (Yus Ramos, 1997). Diante dessas deficiências foram dadas respostas contraculturais diversas, algumas delas possivelmente transitórias até que se fixe um novo paradigma. Dentro desse conjunto de respostas encontram-se as propostas de uma visão holística do mundo.
O mesmo autor compartilha com a hipótese do filósofo Capra (1994), afirmando que estamos diante de um processo de mudança de paradigma diante de uma evidente “crise de percepção”, segundo a qual o paradigma que vem dominando o mundo ocidental, o paradigma mecanicista (também conhecido como cartesiano ou analítico), não só está deixando de ser útil para as metas atuais, como se está provocando danos consideráveis em todas as escalas (devido à onipresença de todo paradigma). Diante dessa defasagem, vai surgindo de maneira progressiva um novo paradigma, chamado sistêmico ou holístico, que começa a dar respostas mais acertadas para os problemas que temos na atualidade em terrenos da atividade humana e planetária. Em linhas gerais, o paradigma mecanicista nos proporcionou uma ferramenta poderosa para o avanço científico e tecnológico, mas isso foi à custa de uma visão distorcida da natureza (sua dimensão material), ao incentivar uma visão compartimentada do mundo, separando o homem do resto da natureza, a mente ou a alma do corpo, e conseqüentemente, exigindo uma especialização precoce no âmbito educativo, esquecendo daquelas dimensões humanas que são essenciais para uma formação integral.
O paradigma sistêmico, com sua concepção holística, pretende recompor muitas das rupturas geradas pelo paradigma mecanicista, buscando a conexão homem/natureza e mente/corpo que havíamos perdido. Para que com isso possamos nos reconectar com o todo do qual fazemos parte, e assim começar um novo tipo de relação com nossos semelhantes e com a natureza em geral.
A abordagem holística em Educação ainda está em fase embrionária, buscando construir uma teoria sistematizada que, fundamente esta prática de ensino, também não é uma proposta acabada e definitiva.
Essa abordagem defende segundo Cardoso (1995), que todo indivíduo, possui muitas potencialidades até hoje pouco ou nada desenvolvidas na escola, que estão no campo da inteligência intuitiva e criativa, e que são igualmente importantes no processo de aquisição de conhecimento. Uma aprendizagem integral deveria, portanto, englobar todas as formas de construção da realidade, inclusive as formas intuitivas e dos sentimentos, onde, “parafraseando NOGUEIRA (2001, pg.36) a idéia de sujeito integral nos levaria a conceber um conjunto de áreas em que a cognição é apenas parte desse todo e como qualquer outra aprendizagem deve expandir-se também para as áreas motoras, afetivas, social, etc”.
Certamente estes aspectos serão frutos de futuras pesquisas, mas hoje, já se tem algumas aproximações do que seja “apreensão intuitiva”. De acordo com Bruner (1973 apud CARDOSO, 1995,p.54), a intuição permite ao pensamento dar saltos, pular etapas em campo de conhecimento familiar.
Caso isso passe pelo crivo do raciocínio analítico, e se confirmem como verdade, à intuição poderia gerar hipóteses súbitas, uma ordenação provisória de informações e meios para se investigar a realidade com maior profundidade.
O sentimento é a instância da consciência onde se podem captar os conteúdos da razão analítica, dando-lhes mais profundidade e significância. Sem o sentimento, podemos entender porque um computador não está funcionando, mas não poderemos compreender os conflitos existenciais do outro.
O distanciamento que o intelecto causa entre sujeito e objeto, para poder cientificamente desenvolver uma questão, é antagônico ao sentimento que dá condições de se colocar no lugar do outro, unindo-se com ele, para melhor compreende-lo.
O ato de aprender holisticamente não só se restringe a capacitar o indivíduo para entender este mundo físico, leva-o a saber resolver questões de ordem prática, mas é principalmente um processo de auto conhecimento, em busca da plena realização do homem, que em linguagem comum podemos traduzir por alcançar a felicidade. Ser feliz é celebrar a vida. É sentir-se em comunhão com todos os seres na vida e na morte.
Holisticamente, aprendizagem é mudança de valores, implica numa conversão. A compreensão do Universo só tem um sentido ético se levar o homem para uma melhor compreensão de si mesmo. O conhecimento, além de ser um caminho pessoal de descobertas, é também, fruto de atividades cooperativas.
O conhecimento científico nesta linha, não tem finalidade em si. É um instrumento para se transpor obstáculos no mundo concreto, mas não deve ser um fardo que impeça e dificulte o caminhar. Se numa travessia de um rio, alguém se utilizar de seus conhecimentos para fazer uma jangada, ótimo! O obstáculo poderá ser superado. Se, porém, esse alguém carregar a jangada consigo, ela certamente será um empecilho.
O saber para poder, é meio, o saber para ser, é fim. A educação deve promover a integração entre o SABER e o SER.
Para a aprendizagem holística não bastam estudos interdisciplinares, na tentativa de superar a fragmentação curricular. É indispensável também a vivência globalizante dos conteúdos. É assim que o conhecimento transcenderá o reino do determinismo para o reino das possibilidades infinitas do ser. O conhecimento deve ser um instrumento para uma prática libertadora do espírito humano. A aprendizagem seria um processo pelo qual o aprendiz se colocaria no caminho do saber ser, e não só uma aquisição de conhecimentos e habilidades técnicas. E a aprendizagem não estaria centrada nem no professor e nem no educando, mas sim no encontro experiencial entre eles.
O objetivo das aquisições científicas e técnicas devem ter nesta visão a finalidade suprema de obter a felicidade do indivíduo, na comunhão com a comunidade cósmica, planetária e humana.
Em suma, a educação holística é uma visão que aposta em uma exploração mais ampla e em uma reconceituação do significado da mudança social. Esse renascimento educativo trará consigo o espírito aberto do diálogo.
Por acreditarmos em tudo isso, esse trabalho não pretende concluir a Pedagogia Holística, mas sim abrir caminho para mais pesquisas, que possam contribuir para que novos educadores compactuem e desenvolvam uma visão holística nos processos educacionais.
PARTE 6: REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRANDÃO, Zaia (Org.). A Crise dos Paradigmas e a Educação. 3ª ed. São Paulo: Cortez Editora, 1994.
CARDOSO, Clodoaldo Meneguello. A Canção da Inteireza – Uma visão holística da Educação. São Paulo – SP, Summus Editoral, 1995.
CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação. São Paulo – SP: Editora Cultrix, 1982.
CREMA, Roberto. Visão Holísitica em Psicologia e Educação. São Paulo – SP: Summus, 1991.
GATE: Global Alliance for Transforming Education. Education 2000: A Holistic Perspective. Holistic Education Review, Atlanta, Geórgia, EUA, 1991.
GARDNER, Howard. A Criança pré-escolar: como pensa e como a escola pode ensiná-la. Trad. Carlos Alberto S. N. Soares. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
GREUEL, Marcelo da Veiga. Holismo e Pedagogia. Revista Chão e Gente. Publicação do Instituto de Economia Associativa. SP-SP. Nov. pp.18-22. 1996.
KÜGELGEM, Helmut von. A Educação Waldorf. Aspectos da Prática Pedagógica. 2a. ed. São Paulo – SP: Antroposófica, 1989.
LANZ, Rudolf. A Pedagogia Waldorf – Caminho para um ensino mais humano. 6a. ed. São Paulo – SP: Antroposófica,1989.
NARANJO, C. Educando a pessoa como um todo para um mundo como um todo. BRANDÃO, D.M.S. e CREMA, Roberto (orgs.). Visão Holística em Psicologia e Educação. São Paulo , Summus, 1991.
NOGUEIRA, Nilbo Ribeiro. Pedagogia dos projetos: uma jornada interdisciplinar rumo ao desenvolvimento das múltiplas inteligências. São Paulo: Érica, 2001.
SENGE, Peter M. A Quinta Disciplina: Arte e Prática da Organização da Aprendizagem. OP Traduções. 16. ed. São Paulo – SP: Best Seller, 2004.
WEIL, Pierre. A Arte de Viver em Paz. Por uma nova Consciência, por uma nova Educação. 4ª ed. São Paulo – SP: Editora Gente,1994.
__________. Educação e Cybercultura – A Nova Relação com o Saber. Acessado em 18/10/2004, no site:
http://portweb.com.br/Pierre Levy/educaecyber.html
YUS, Rafael. Educação Integral: uma educação holística para o século XXI. Trad. Daisy Vaz de Moraes. – Porto Alegre: Artmed, 2002.
ANEXO
EDUCAÇÃO 2000: UMA PERSPECTIVA HOLÍSTICA
Na citada Conferência de Chicago (1990), também foi fundada o GATE (Global Alliance for Transforming Education), que elaborou um importante documento que pretende aglutinar as inquietações de todos os educadores holísticos do mundo: Educação 2000: uma perspectiva holística. Nesse documento estão dez princípios que atualmente servem de referência a todos os educadores holísticos do mundo.
A Aliança Global pela Educação Transformadora (GATE) é uma organização internacional cuja missão declarada é “proclamar e promover uma visão da educação que fomente o crescimento da pessoa, da justiça social e do desenvolvimento sustentável”. Esse objetivo é cumprido com a criação de círculos GATE por todo o mundo, onde as pessoas se reúnem para discutir a implementação da visão exposta no documento:Educação 2000: uma perspectiva holística. Essa declaração nasceu em uma reunião integrada por oito educadores de sete países que teve lugar em Chicago, Illinois (junho de 1990), no VIII Congresso Internacional de Educadores Holísticos, para “criar uma Visão Comum para a Educação Holística”.
Somos educadores, pais e cidadãos de diversas procedências e movimentos, que manifestam um interesse comum pelo futuro da humanidade e de toda a vida na Terra. Acreditamos que os problemas sérios que afetam os sistemas educacionais modernos refletem uma profunda crise em nossa cultura: a incapacidade da visão dominante do mundo industrial/tecnológico de abordar de uma forma humana e vitalmente positiva os desafios sociais e planetários com os quais hoje nos deparamos.
Acreditamos que nossos valores e nossas práticas dominantes, que incluem a preponderância da competitividade sobre a cooperação, do consumo sobre o uso sustentável dos recursos e da burocracia sobre uma interação autenticamente humana, têm sido destrutivos para a saúde do ecossistema e também para o bom desenvolvimento humano.
Conforme analisamos essa cultura em crise, também vemos que nossos sistemas de educação são anacrônicos e não-funcionais. Em grande contraste com o uso convencional da educação mundial, cremos que nossa cultura deve recuperar o significado do mundo, que ainda está “por fazer”. Nesse contexto, a educação significa preocupar-se por fazer brotar a grandeza que existe no interior de cada pessoa.
O propósito dessa declaração é proclamar uma visão alternativa da educação, uma visão que seja resposta democrática e vitalmente afirmativa aos desafios dos anos 90 em diante. Como valorizamos a diversidades e incentivamos uma grande variedade de métodos, aplicações e práticas, essa é uma visão que os educadores podem aplicar de diversas maneiras. Não existe unanimidade completa, mesmo entre os que assinam esse documento, sobre todas as afirmações apresentadas aqui. A visão vai além de nossas diferenças e nos aponta uma direção que oferece uma solução humana para a crise da educação moderna.
Princípio I: educar para o desenvolvimento humano
Afirmamos que o primeiro, além de fundamental, princípio da educação é nutrir as possibilidades inerentes do desenvolvimento humano. As escolas devem ser lugares que facilitem o aprendizado e do desenvolvimento global de todos os alunos. A aprendizagem deve envolver o enriquecimento e o aprofundamento das relações consegue mesmo, com a família e com os membros da comunidade, com o planeta e com o cosmos. Essas idéias foram expressas e postas em prática de maneira eloqüente por grandes pioneiros da educação como Pestalozzi, Froebel, Dewey, Montessori, Steiner e muitos outros.
Infelizmente, a educação pública nunca viu o desenvolvimento humano completo como primeiro propósito. A literatura histórica deixa claro que os sistemas escolares foram organizados para aumentar a produtividade nacional, incutindo hábitos de obediência, fidelidade e disciplina. A literatura “reestruturante” e “excelente” dos anos 80 e 90 continua permitindo um interesse pela produtividade e competitividade da economia nacional, e busca utilizar as habilidades e os sonhos da próxima geração como único objetivo para o desenvolvimento econômico. Cremos que o desenvolvimento humano deve ser atendido antes que o desenvolvimento econômico.
Queremos um reconhecimento renovado dos valores humanos que foram ressaltados pela cultura moderna: harmonia, paz, cooperação, comunitarismo, honestidade, justiça, igualdade, compaixão, compreensão e amor. O ser humano é mais completo e mais global do que seus papéis como trabalhador e cidadão. Se uma nação, por meio de suas escolas, suas normas de bem-estar infantil e sua competitividade fracassa em nutrir a autocompreensão, a saúde emocional e os valores democráticos, então, os sucessos econômicos finais serão minados por um colapso moral da sociedade.
No entanto, isso já está acontecendo, conforme mostra a epidêmica dependência de drogas e os terríveis problemas do crime, alcoolismo, abuso infantil, corrupção política e corporativa, alienação e suicídio, e a violência nas escolas. Devemos nutrir seres humanos sadios para termos uma sociedade e uma economia sadias. Com toda certeza o sistema econômico exige uma força de trabalho especializada a realmente treinada.
Podemos garantir melhor essa força de trabalho tratando primeiro os jovens como seres humanos e depois como futuros trabalhadores. Somente as pessoas que vivem de maneira plena e significativa podem ser verdadeiramente produtivas. Exigimos um maior equilíbrio entre as necessidades da vida econômica e esses ideais humanos que transcendem o econômico e que são necessários para uma ação responsável.
Princípio II: respeitar aos alunos como indivíduos
Desejamos que cada aluno jovem e adulto seja reconhecido como único e valioso. Isso significa aceitar as diferenças pessoais e fomentar em cada aluno um sentido de tolerância, de respeito e de consideração pela diversidade humana. Cada individuo é inerentemente criativo, tem necessidades e habilidades físicas, emocionais, intelectuais e espirituais únicas, além do que possui uma capacidade ilimitada para aprender.
É preciso uma revisão profunda das qualificações, avaliações e provas padronizadas. Acreditamos que a função primeira da avaliação é proporcionar a realimentação para o aluno e para o professor, para evidenciar os problemas do aprendizado. Sugerimos que as notas “objetivas” realmente não servem para a aprendizagem e o bom desempenho dos alunos. Estivemos tão atarefados medindo o mensurável que negamos aqueles aspectos do desenvolvimento humano que são incomensuravelmente mais importantes.
Junto ao esquecimento das importantes dimensões de todos os alunos, as provas padronizadas também servem para eliminar aqueles que não podem ser padronizados. Em escolas de sucesso e inovadoras em todo o mundo, as provas e a notas padronizadas foram substituídas por avaliações pessoais, que fazem com que os alunos consigam conduzir-se internamente. O resultado natural dessa prática é o desenvolvimento do autoconhecimento, da autodisciplina e do autêntico entusiasmo pelo aprendizado.
É necessária uma maior aplicação do enorme conhecimento que hoje temos sobre os estilos de aprendizagem, as inteligências múltiplas e as bases biofísicas da aprendizagem. Não há mais desculpas para impor tarefas de aprendizado, métodos e materiais em amassa quando sabemos que qualquer grupo de alunos precisará aprender de diferentes formas, com diferentes estratégias e atividades. O trabalho realizado sobre as inteligências múltiplas demonstra que uma área de força como a sinestesia corporal, musical ou espacial-visual pode ser revelada para construir uma área frágil como a lingüística ou a lógico-matemática.
Questionamos o valor de categorias educativas, tais como “talentoso”, “com dificuldades de aprendizado” e “de risco”. Os alunos de todas as idades diferem muito por um espectro completo de habilidades, de talentos, de inclinações e de antecedentes. A colocação desses rótulos não descreve as potencialidades pessoais do aluno, define apenas uma relação às expectativas arbitrárias do sistema.
O termo “de risco” é especialmente pernicioso. Serve para fomentar os objetivos competitivos e homogeneizadores do sistema educacional, ignorando as experiências e as percepções que se encontram por trás de um determinado aluno.
Sugerimos, em seu lugar, que a escolaridade deveria ser transformada, respeitando a individualidade de cada pessoa e construindo uma verdadeira comunidade de aprendizado em que as pessoas aprendam com as diferenças dos demais, estaremos ensinando a valorizar suas próprias qualidades pessoais e incentivando que se ajudem. Como resultado, deve-se considerar as necessidades de cada aluno.
Princípio III: o papel central da experiência
Afirmamos o que os educadores mais perceptivos têm argumentado durante séculos: a educação é uma questão de experiência. A aprendizagem é um encadeamento ativo e multisensorial entre um indivíduo e o mundo, um contato mútuo que estimula o aprendiz e revela a rica significatividade do mundo. A experiência e dinâmica e esta sempre em crescimento. O objetivo da educação deve ser nutrir de maneira natural e saudável o crescimento por meio de experiência, e não apresentar um “currículo” limitado, fragmentado e pré-digerido como caminho para o conhecimento e a sabedoria.
Acreditamos que a educação deveria conectar o aluno com as maravilhas do mundo real por meio de abordagens experienciais que já os insiram na vida e na natureza. A educação deveria conectar o aluno com os trabalhadores do mundo social por meio de um contato real com a vida econômica e social da comunidade. E a educação deveria colocá-lo em contato com seu próprio mundo interior por meio das artes, do diálogo honesto e dos momentos de reflexão tranqüila; sem esse conhecimento de si mesmo, todo conhecimento é superficial e sem propósito.
Princípio IV: educação holística
Queremos a globalidade dos processos educativos e a transformação das instituições educativas e das regulamentações exigidas para alcançar essa meta. A globalidade implica que cada disciplina acadêmica proporciona somente uma perspectiva diferente sobre o rico, complexo e integrado fenômeno da vida. A educação holística celebra e torna construtivo o uso do desenvolvimento, das visões alternativas da realidade e das múltiplas formas de conhecimento. Não são somente os aspectos intelectuais e vocacionais do desenvolvimento humano que precisam ser alimentados e guiados, mas também os aspectos físicos, sociais, morais, estéticos, criativos e, em um sentido não sectário, os espirituais. A educação holística considera o mistério da vida e do universo além da realidade experiencial.
O holismo é um paradigma emergente, baseado em uma rica herança de muitas áreas escolares, afirma a interdependência inerente da teoria evolutiva, da pesquisa e da prática. O holismo está enraizado na idéia de que o universo é um conjunto integrado em que todas as coisas estão conectadas. Esse assumir a globalidade e a unicidade está em direta oposição com o paradigma da separação e da fragmentação que prevalece no mundo contemporâneo.
O holismo corrige o desequilíbrio das visões reducionistas por meio de sua ênfase em uma concepção ampla da ciência e das possibilidades humanas. O holismo traz consigo implicações significativas para a ecologia e para a evolução humana e planetária.
Princípio V: o novo papel dos educadores
Desejamos uma nova compreensão do papel dos professores. Cremos que o ensino é essencialmente uma vocação ou um chamado que requer uma combinação de sensibilidade artística com uma prática cientificamente assegurada. Muitos dos educadores de hoje chegaram a cair na armadilha do profissionalismo competitivo: credenciais e certificados fragilmente controlados, jargões e técnicas especiais, e uma frieza profissional com os temas espirituais, morais e emocionais inevitavelmente envolvidos nos processos de crescimento humano.
Afirmamos que esses educadores devem ser facilitadores da aprendizagem, que é um processo orgânico e natural e não um produto que pode ser mudado de acordo com a demanda. Os professores exigem autonomia para a elaboração e implementação de ambientes de aprendizagem que sejam apropriados para as necessidades particulares de seus alunos.
Ansiamos por novos modelos de formação de professores que incluam o cultivo do próprio interior dos professores e seu despertar criativo. Quando os educadores estão abertos para seu próprio ser, conseguem uma co-aprendizagem e alguns processos de co-criação com o aluno. Nesses processos, o professor é aluno, e o aluno é professor. O que o ensino requer é uma sensibilidade especial para os desafios do desenvolvimento humano, não um pacote de métodos e materiais pré-determinados.
Desejamos professores centrados no aluno que mostrem uma reverência e um respeito pelos indivíduos. Os educadores deveriam ser conscientes e estar atentos para as necessidades, diferenças e habilidades, e serem capazes de responder ás necessidades em todos os níveis. Os educadores têm de considerar sempre cada indivíduo nos contextos da família, da escola, da sociedade, da comunidade global e do cosmos.
Queremos a desburocratização dos sistemas escolares, de forma que as escolas (assim como as casas, os parques, o mundo natural, o local de trabalho e todos os locais de aprendizagem) possam ser espaços de encontro humano autêntico. A literatura reestruturante de hoje enfatiza a “taxação”, colocando o professor a serviço dos administradores e dos elaboradores de normas.
Acreditamos firmemente que o educador é responsável, acima de tudo, pela busca dos jovens por uma compreensão significativa do mundo que algum dia lhe será inerente.
Princípio VI: liberdade de escolha
É necessário que haja oportunidades significativas para a escolha real em todos os estágios do processo de aprendizado. A educação genuína somente pode ocorrer em um clima de liberdade. A liberdade de pesquisa, de expressão e de crescimento pessoal é plenamente exigida. Em geral, os alunos deveriam poder realizar escolhas autênticas sobre sua aprendizagem. Eles deveriam ter uma voz significativa na determinação do currículo e dos procedimentos disciplinares, de acordo com sua habilidade para assumir tal responsabilidade.
Não obstante, reconhecemos que algumas abordagens ligadas ao ensino irão permanecer por muito tempo guiado pelo adulto, devido às convicções filosóficas ou porque servem para grupos de alunos especiais. O fato é que as famílias e os alunos precisam ter liberdade para escolher tais abordagens, e não a tem.
As famílias deveriam ter acesso a um amplo leque de opções educativas nos sistemas de escola pública. Em vez do sistema corrente, que oferece um pacote de “alternativas”, a educação pública poderia englobar inúmeras opiniões. A missão da educação pública não deveria ser a de impor uma cultura homogeneizada em uma sociedade diversa.
Existe já uma necessidade de escolas não-públicas, que tendem a ser mais receptivas para desenvolver inovações e que são capazes de imbuir-se de valores de uma religião particular ou de outras comunidades estreitamente unidas. As famílias deveriam ter a liberdade de educar suas crianças em casa, sem a devida interferência das autoridades públicas. A escolaridade em casa mostrou-se ser educativa, social e moralmente nutridora para muitas crianças e famílias.
Princípio VII: educar para uma democracia participativa
Queremos um modelo de educação verdadeiramente democrático para possibilitar que todos os cidadãos participem de forma significativa na vida da comunidade e do planeta. A construção de uma verdadeira sociedade democrática significa muito mais do que permitir que as pessoas votem em seus líderes; significa possibilitar que os indivíduos tenham uma participação ativa nos assuntos da comunidade. Uma verdadeira sociedade democrática é mais do que a “regra da maioria”; é uma comunidade em que todos são ouvidos e que as questões humanas são atendidas. È uma sociedade aberta à mudança construtiva, seja ela social ou cultural.
Para garantir esses ideais elevados, os cidadãos têm de ser capacitados para pensar de maneira crítica e independente. A verdadeira democracia depende de que o povo seja capaz de discernir a verdade da propaganda, os interesses comuns dos slogans partidários. Em uma era em que a política está sendo conduzida pelos bytes de som e pelas relações públicas enganosas, a reflexão crítica é mais importante do que nunca para a sobrevivência da democracia.
Essas são todas as tarefas educativas. Os processos de ensino/aprendizagem já não podem fomentar esses valores a não ser que sejam completamente assumidos por eles. A aprendizagem ambiental deve voltar-se para a empatia, para as necessidades humanas compartilhadas, para a justiça e para a estimulação de um pensamento original e crítico. Ela é a essência da verdadeira educação; é o ideal socrático, que raramente tem sido realizado nos sistemas educacionais.
Princípio VIII: educar para uma cidadania global
Acreditamos que cada um de nós, percebendo ou não, é um cidadão global. A experiência humana é muito mais ampla do que os valores ou as formas de pensamento de qualquer cultura. Na comunidade global emergente, estamos sendo colocados em contato com diversas culturas e visões do mundo como nunca antes na história.
Pensamos que este é o momento em que a educação deve favorecer-se da enorme diversidade de experiência humana e dos potenciais perdidos ou ainda não considerados dos seres humanos. A educação em uma era global precisa voltar-se para o que é mais completo mais universalmente humano na jovem geração de todas as culturas.
A educação global está baseada em uma visão ecológica, que enfatiza a conectividade e a interdependência da natureza e da vida humana e sua cultura. A educação global facilita a tomada de consciência do papel de um indivíduo na ecologia global, o que inclui a família humana e outros sistemas da Terra e do Universo. Um dos objetivos da educação global é abrir mentes. Isso acontece por meio de estudos interdisciplinares, experiências que estimulam a compreensão, a reflexão, o pensamento crítico, e a resposta criativa.
A educação global nos lembra que toda educação e toda atividade humana precisa repousar em princípios que governem com sucesso os sistemas ecológicos. Esses princípios incluem a utilidade da diversidade, o valor da cooperação e do equilíbrio, as necessidades e os direitos dos participantes, e a importância da sustentabilidade a partir do sistema.
Outros componentes importantes da educação global incluem a compreensão das causas dos conflitos e a experimentação de métodos de resolução de conflitos. Ao mesmo tempo, temas de análise social, tais como os direitos humanos, a justiça, as pressões populares e o desenvolvimento são essenciais para uma compreensão adequada das causas da guerra e das condições para se alcançar a paz.
Como as religiões e as tradições espirituais do mundo têm grande impacto, a educação global incentiva sua compreensão e a apreciação de seus valores universais, incluindo o estudo do significado, do amor, da compaixão, da sabedoria, da verdade e da harmonia. Assim, a educação em uma era global está voltada para o que é mais completo e universalmente humano.
Princípio IX: educar para a alfabetização da Terra
Cremos que a educação tem de brotar organicamente de uma profunda reverência com a vida em todas as suas formas. Devemos despertar uma relação entre o mundo humano e o mundo natural que seja nutridora e não exploradora. Isso está no centro mais profundo de nossa visão no século XXI. O planeta Terra é um sistema complexo e vasto, entretanto fundamentalmente unitário, um oásis de vida no véu escuro do espaço.
A ciência pós-newtoniana, a teoria de sistemas e outros avanços recentes no pensamento moderno reconheceram o que algumas antigas tradições espirituais e mitológicas mostraram durante séculos: o planeta, e toda forma de vida existente nele, formam um conjunto interdependente.
As instituições econômicas, sociais e políticas devem ter um profundo respeito por essa interdependência. Todos têm de reconhecer a importância fundamental da cooperação global e da sensibilidade ecológica, isso se a humanidade quiser sobreviver neste planeta. Nossas crianças precisam de um planeta sadio para viver, aprender e crescer. Elas precisam de ar puro, de água, de luz solar, de solo fértil e de todas as formas vivas que fazem parte do ecossistema Terra. Um planeta doente não admite crianças sadias.
Pedimos uma educação que promova a alfabetização da terra para incluir uma consciência da interdependência planetária, a congruência do bem estar pessoal e global, o papel e o leque de responsabilidades do indivíduo. A educação precisa estar enraizada em uma perspectiva global e ecológica, com o objetivo de cultivar nas gerações mais jovens um apreço pela profunda ligação entre todas as formas de vida.
A educação da Terra implica uma valorização holística de nosso planeta e dos processos que sustentam todo tipo de vida. Centrais para esse estudo são os conhecimentos de sistemas de apoio básicos para a vida, o fluxo de energia, os ciclos, as inter-relações e a mudança. A educação da Terra é uma área integradora que inclui processos de mudança do tipo político, econômico, cultural, histórico, pessoal e social.
Princípio X: espiritualidade e educação
Acreditamos que todas as pessoas são seres espirituais na forma humana, que expressam sua individualidade por meio de seus talentos, suas habilidades, suas intuições e suas inteligências. Assim como o indivíduo se desenvolve física, emocional e intelectualmente, cada pessoa também se desenvolve espiritualmente.
A experiência e o desenvolvimento espiritual manifestam uma profunda conexão consigo mesmo e com os demais, um sentido de significado e de propósito na vida diária, uma experiência de globalidade e de interdependência da vida, um alívio para a atividade frenética, para a pressão e a superestimulação da vida contemporânea, a plenitude da experiência criativa e um profundo respeito com os mistérios ignominiosos da vida: A parte mais importante e valiosa da pessoa é seu interior, sua vida subjetiva e ou sua alma.
A ausência da dimensão espiritual é um fator crucial no comportamento autodestrutivo. O abuso de drogas e do álcool, a sexualidade vazia, o crime e a ruptura familiar, tudo é fonte de uma busca errada da conexão, do mistério e do significado, e uma fuga devido ao pânico de não ter uma fonte autêntica de plenitude.
Cremos que essa educação deve nutrir o crescimento sadio da vida espiritual, não violenta-la por meio da avaliação e da competição constantes. Uma das funções da educação é ajudar os indivíduos a se tornarem conscientes da conectividade de toda forma de vida. É fundamental para essa consciência de globalidade e de conectividade a ética expressada em todas as tradições do mundo: “Não fazer aos outro o que não quero que façam a mim”.
Também fundamental para o conceito de conectividade é a consideração do indivíduo. Se tudo está ligado com todo o mundo e também como qualquer coisa, então o indivíduo deve ter e tem sua singularidade.
Estimulando um sentido profundo de ligação com os demais e com a Terra em todas as suas dimensões, a educação holística promove um sentido de responsabilidade consigo mesmo, com os demais e com o planeta. Acreditamos que essa responsabilidade individual, grupal e global se desenvolve fomentando a compaixão que causam os indivíduos que querem aliviar o sofrimento dos demais, instalando a convicção de que a mudança é possível, e oferecendo as ferramentas para tornar essas modificações viáveis.
Por Adriana Soares Lourenço dos Santos
Pedagogia Holística Um Novo Olhar na Educação
Pedagogia Holística Um Novo Olhar na Educação, Holismo, Teoria e Educação, pedagogia.
resumo
No decorrer de minha trajetória como educadora, observei que o sistema educacional vigente vem trazendo alguns descontentamentos para educadores e educandos. Trazemos conosco uma bagagem cartesiana, e podemos senti-la bem de perto dentro das escolas, com os turnos, horários, seriações e etc. Nesse processo sentimos que nossos educandos apresentam certas dificuldades, como talvez não o temos levado a aprender a aprender.
Outro fator importante a ser citado é o nosso currículo, que é fragmentado, não dando bases as disciplinas a se correlacionarem. Temos ainda a avaliação que é feita pelo processo real do que foi apreendido, deixando de lado as potencialidades do nosso educando, sendo na maioria das vezes taxativa e opressora.
Por esse motivo fui levada a pesquisar uma nova proposta de educação que possibilite transformações profundas, principalmente na sociedade. Que valorize o nosso educando, baseando-se nos valores individuais, na cooperação e nos recursos sustentáveis.
Com essa interconexão, o nosso aluno, poderá se reconectar com o universo. E que a aprendizagem não seja mais fragmentada, mas sim que os leve a despertar a curiosidade de aprender coisas de seus interesses.
Este trabalho visa apresentar uma nova tendência educacional que contemple às angústias e às esperanças do homem desse início de século. Entre as diversas tendências de pensamento foi analisada a visão holística, pois ela oferece pistas para encontrar novos pressupostos e propostas educacionais. Por ser emergente, o pensamento holístico requer ainda estudos e reflexões de pesquisadores a fim de redirecionar melhor sua aplicação.
A abordagem holística em educação não é propriedade de uma única corrente educacional. Diversas correntes pedagógicas já propuseram cada uma ao seu modo, uma educação integral da pessoa. Dessa forma, este trabalho visa caracterizar a educação holística, sem deixar de valer-se de aspectos já enunciados em várias tendências educacionais.
PALAVRAS-CHAVE: Holismo, Teoria e Educação.
INTRODUÇÃO
"O homem, como podemos perceber ao refletirmos um instante, nunca percebe plenamente uma coisa ou a entende por completo. Ele pode ver ouvir, tocar e provar. Mas a que distância pode ver quão acuradamente consegue ouvir, o quanto lhe significa aquilo em que toca e o que prova tudo isso depende do número e da capacidade dos seus sentidos. Os sentidos do homem limitam a percepção que este tem do mundo à sua volta. Utilizando instrumentos científicos pode, em parte, compensar a deficiência dos sentidos. Consegue, por exemplo, alongar o alcance da sua visão através do binóculo ou apurar a audição por meio de amplificadores elétricos. Mas a mais elaborada aparelhagem nada pode fazer além de trazer ao seu âmbito visual objetos ou muito distantes ou muito pequenos e tornar mais audíveis sons fracos. Não importa que instrumentos ele empregue; em um determinado momento há de chegar a um limite de evidências e de convicções que o conhecimento consciente não pode transpor."
Carl Gustave Jung
O modelo conceptual de mundo ainda vigente parece vir causando uma crise como jamais vivida pela raça humana.
Nossos cientistas, guiados por este paradigma cartesiano, alcançaram um desenvolvimento tecnológico razoável, o que possibilitaria à nossa raça o conforto material ainda tão almejado, mas tal conforto vem sendo, na verdade, privilégio de poucos.
O mesmo modelo, principalmente quando aplicado às ciências humanas e sociais, conduz a uma concepção de ser humano tão fragmentado que parece ter feito com que o homem moderno perdesse todo o seu referencial, seu próprio motivo de ser, de existir.
A mãe Terra, grande mantenedora de nossa própria existência, encontra-se perigosamente ameaçada, ferida por seus próprios filhos.
Na educação é perfeitamente visível à fragmentação, principalmente nas universidades onde podemos observar vários departamentos científicos aprisionados em suas próprias teorias em mundos exclusivos, alheios ao todo do universo que os circunda.
Nossas crianças são massacradas nas escolas que ainda privilegiam o puro materialismo e mecanicismo, vistas como vasos vazios que precisam ser enchidos com os valores de uma sociedade decadente, desvalorizadas por seus sentimentos ainda puros.
Uma reação natural que levasse todo esse caos a um caminho de reequilíbrio não poderia deixar de surgir e um movimento de descontentamento com a limitada visão científica existente vem fomentando a construção de uma nova visão da realidade; mais humana, observadora das relações estabelecidas entre as diversas, ou talvez infinitas partes de um todo universal. É a esta nova maneira de se observar a realidade dentro de um conjunto que se dá o nome de holismo, ou seja, o todo não é o todo sem as partes e as partes não são nada fora do todo.
O holismo, sem negar as características “mecânicas” que se apresentam na natureza, percebe o universo mais como uma rede de inter-relações dinâmicas, orgânica.
Esta nova óptica que hoje podemos chamar de Educação holística vem mobilizando a sociedade científica e já se faz sentir à nível global.
A Educação Holística tomou corpo recentemente, a partir de importantes acordos internacionais entre educadores holísticos de diversos países e de diferentes tendências. O principal marco foi a Declaração de Chicago, consensuada na Oitava Conferência Internacional de Educadores Holísticos em Chicago, Illions (junho de 1990).
E de acordo com a Declaração de Chicago, os processos educativos do novo milênio devem ser baseados nos fundamentos do holismo. Enfatiza o desafio de criar uma sociedade sustentável, justa e pacífica em harmonia com a terra e sua vida. A visão holística procura ampliar a maneira como vemos e a relação que temos com o mundo, exaltando nossos potenciais humanos inatos: o intuitivo, o emotivo, o físico, o imaginativo e o criativo, assim como o racional, o lógico e o verbal.
Acreditamos que somente seres humanos saudáveis e integrais criam uma sociedade saudável.
Na contracorrente dos mais trágicos acontecimentos da realidade sócio-política nacional e internacional, o paradigma holístico vem nos dar novo alento, esperança, reacendendo as utopias adormecidas em nossas mentes.
Para compreender melhor esse processo pelo qual está passando a nossa educação e as aspirações de nossos educandos, como também de diversos educadores, entendemos a melhor, e mais efetiva forma de abordagem seja a holística, pois é na qual, poderá acrescentar ao sistema educacional, uma visão que possibilite a valorização do educando em todos os seus aspectos. É um vislumbrar de um futuro que pode ter um horizonte positivo ou negativo que devemos tentar.
E sendo essa perspectiva teórica que, acreditamos que deva acrescentar as práticas educativas, esperamos com esse trabalho possa ser de contribuição para todos os educadores que aspiram por uma educação mais integrada no universo escolar, inspirando novos paradigmas, para que as habilidades e percepções mais sistêmicas e sutis possam ser contempladas no dia a dia da sala de aula.
Tentamos nessa pesquisa de revisão bibliográfica, buscar alguns elementos tais como:
-Compreender os paradigmas através do processo histórico; compreender o paradigma holístico; e buscar uma nova proposta educacional que leve o processo educativo a ter uma visão mais abrangente do educando.
Este trabalho está dividido em sete seções:
PARTE 1 – PARADIGMAS
Essa parte inicial apresenta uma revisão bibliográfica para fundamentação teórica do paradigma holístico dentro do panorama filosófico histórico e atual.
PARTE 2 – DEFINIÇÃO E CARCTERISTICAS DA EDUCAÇÃO HOLÍSTICA
Esta parte reúne elementos para definir e caracterizar a Educação Holística, como também o marco inicial da Educação Holística que é a Declaração de Chicago.
PARTE 3 – BASES PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO HOLÍSTICA
Neste item apresentam as propriedades curriculares, os objetivos gerais, princípios pedagógicos da Educação Holística, que colaboram para formar o substrato para a aplicação do Paradigma Holístico na Educação, a partir de vários autores que têm estudado pesquisados e escritos sobre o tema. E para finalizá-lo aborda a Docência Holística.
PARTE 4 – LINHAS PEDAGÓGICAS SINTONIZADAS COM OS NOVOS PARADIGMAS
Apresenta algumas linhas pedagógicas e teorias que estão sintonizadas com os Novos Paradigmas.
PARTE 5 e 6 – CONCLUSÃO E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Conclui o trabalho de pesquisa bibliográfica e relaciona as fontes de pesquisa e inspiração para esse trabalho.
Este trabalho tem como proposta contribuir para as reflexões dos educadores, preocupados com o papel da educação frente aos graves problemas da sociedade, decorrentes do contexto da crise global.
PARTE 7 - ANEXO – EDUCAÇÃO 2000: UMA PERSPECTIVA HOLÍSTICA
Esse é um documento elaborado pela Alianza Global para la Educación Transformadora (GATE), no Oitavo Congresso Internacional de Educadores Holísticos (Chicago 1990), que para muitos representa o esquema conceitual do que foi chamado de “paradigma holístico da educação”. Nos itens desse documento, estão os dez princípios pedagógicos para a educação holística.
PARTE I: PARADIGMAS
Atualmente vivemos em uma sociedade em crise, e podemos sentir que o ambiente natural está sendo degradado, como também o social e o nosso psíquico. Para pensarmos em uma nova sociedade se faz necessário pensar em uma nova educação. Que tipo de educação poderá fazer eco às angústias e às esperanças do homem deste final de século? Entre as diversas tendências de pensamento, a visão holística oferece novos caminhos para encontrar pressupostos e propostas educacionais novas para esta questão. Por ser emergente, o pensamento holístico requer ainda estudos e reflexões de pesquisadores a fim de estabelecer melhor seus princípios.
Devemos salientar que o paradigma holístico não é uma determinada corrente filosófica, e sim um modelo (do grego, parádeigma) abrangente de pensar e viver a realidade, podendo ser desenvolvido por diferentes caminhos.
De acordo com Rafael Yus (2002) paradigma é um conjunto de regras que define qual deve ser o comportamento e a maneira de resolver problemas dentro de alguns limites definidos para que se possa alcançar êxito. Um paradigma nos condiciona a nossa “visão de mundo”, a perspectiva com a qual abordamos os temas e nos relacionamos com o mundo exterior. Quando um paradigma não consegue mais resolver os problemas que vão aparecendo, se faz necessário o surgimento de um outro para que haja a mudança. A vida de um paradigma passa por três fases, que vão desde uma etapa inicial de incorporação do tema, uma fase intermediária de ritmo rápido e produtivo, e uma fase de declínio, quando começa a deixar de ser útil. Mudando o paradigma, mudam-se as regras, e mudando as regras, mudam-se todas as outras coisas.
Falar em mudanças pragmáticas é referir-se a determinados momentos históricos em que ocorrem profundas rupturas no processo cumulativo da cultura humana, como podemos ver no parágrafo anterior. Esses momentos revolucionários provocam um novo modo de ver a realidade e mais uma nova concepção do que seja a própria realidade. Há diversas maneiras de fazer a leitura da realidade, a que estamos tratando é constituída pelo homem a partir de um modelo cultural hegemônico em um determinado momento histórico. Sendo assim, o conceito de ciências não é unívoco na história, em cada época houve sempre um esforço de um grupo de pensadores para constituir o que se denomina ciência, segundo o conceito histórico em que estava inserido. O consenso sobre o que é ciência se instaura quando os cientistas desenvolvem suas pesquisas a partir de um mesmo paradigma.
Para Kuhn (1978 apud CARDOSO, 1995, p. 16), paradigma científico é um conjunto de princípios, regras e padrões compartilhados por uma comunidade científica. Na história das ciências, determinadas obras impuseram-se, por seu valor e originalidade, como verdadeiros paradigmas para pesquisas posteriores. São exemplos clássicos a Física de Aristóteles, os Princípios e a Ótica de Newton, a Eletricidade de Franklin e a Química de Lavoisier.
O processo de transição de um paradigma a outro é cheio de percalços e resistências. Os cientistas defensores do antigo paradigma vêem seus esforços de décadas de estudos questionados por uma “ciência extraordinária” que anuncia um mundo novo ainda em bases mais utópicas do que as concretas. Toma-se o conceito de paradigma num sentido amplo, como uma constelação de crenças e valores que determina o modo de pensar e agir do homem de uma determinada época. Serão abordados nesta primeira parte da monografia, três grandes paradigmas da história ocidental: teocêntrico, antropocêntrico e ecocêntrico ou holístico, levando-se em conta que cada um pré-existe e sub-existe no interior dos outros.
1.1 Paradigma Teocêntrico: O reino do Outro Mundo
Garcia (1997) cita que a primeira onda descrita por Tofler, representou o primeiro grande período da história da humanidade. Durou mais ou menos 8000 anos, e chegou até aproximadamente 1650 – 1750. Caracterizava-se pela agricultura e trabalho escravo. Nessa época, atividade científica foi delineada pelo pensamento Aristotélico-Tomista, e a visão de mundo era orgânica, a de uma grande–mãe.
Interpretando Brandão, apud Garcia (op.cit.) pode-se inferir que a educação era voltada para os códigos da vida social, para as regras do trabalho, para os segredos da arte, da religião e dos artefatos que precisavam ser reinventados para o dia a dia do grupo. Este era cheio de trocas sem fim, com a natureza, e entre os próprios homens. O saber atravessava as palavras, pela tribo, de geração a geração.
Foi intuído desde o pensamento mítico. Teve suas bases nas tradições religiosas do orfismo e do cristianismo. Foi sistematizado filosoficamente no mundo medieval, pelas teorias do pensamento grego e em especial, pelo Platonismo.
O sistema de pensamento de Platão separou a matéria do espírito, e introduziu a concepção dualista-espiritualista de homem. Nele somos essencialmente “alma”. O corpo é o cárcere, a tumba da alma e, portanto, sua morte. No corpo reside a raiz de todo mal. É nele que se instala a fonte da insensatez, das paixões, das discórdias e da ignorância. A alma quer libertar-se deste mundo, e isso se dá mediante o sofrimento e a morte, até que ela possa receber o prêmio da felicidade e da vida eterna no reino de Deus, no outro mundo.
O sistema teocêntrico já no século XIV apresentou sinais de crise. O empirismo de Guilherme de Ockan iniciou a ruptura do equilíbrio entre razão e fé, e a crise deste paradigma instalaram-se definitivamente no século XVI quando Giordano Bruno trouxe o “universo infinito”.
Daí em diante verdadeira “anomalias” surgiram. Este paradigma não conseguiu resolver e um novo paradigma começou a aparecer, só que mais voltado para este mundo, com um novo modelo de se pensar e ser, que culminou com a turbulência revolucionária do renascimento, materializada no paradigma antropocêntrico.
1.2 Paradigma Antropocêntrico: O Império do Homem
A ênfase dada ao pensamento racional está sintetizada na célebre frase de Descartes: “Cogito, ergo sum” - Penso, logo existo – o que encorajou eficazmente os indivíduos ocidentais a equiparem sua identidade com sua mente racional e não com seu organismo total. Capra (1982).
O método de Descartes é analítico, linear e exato. Quer transforma a ciência em matemática. Consiste em decompor pensamentos e problemas em suas partes componentes e em dispô-las em sua ordem lógica. Esse método de raciocínio analítico é a maior contribuição de Descartes à Ciência, e foi útil para desenvolvimento de projetos tecnológicos e teorias científicas. Mas a excessiva ênfase dada ao método cartesiano levou à fragmentação do nosso modo de pensamento em geral e das nossas disciplinas acadêmicas, e levou à atitude generalizada de reducionismo na ciência – Creu-se que todos os aspectos dos fenômenos complexos podem ser compreendidos se reduzidos às suas partes constituintes.
E para discordar disso passa-se pelo medo de ser anticientífico.
1.3 Paradigma Ecocêntrico: O Homem, um Fio da Teia da Vida.
Capra (1982) sintetiza que a nova visão de mundo, o novo paradigma, inclui a emergente visão sistêmica da vida, integradora do corpo-mente, consciência e evolução, à correspondente abordagem holística de saúde e cura, a integração dos enfoques oriental e ocidental da psicologia, uma nova estrutura conceitual para a economia e a tecnologia, e uma perspectiva ecológica e feminista, que é espiritual em sua natureza essencial, que acarretará profundas mudanças em nossas estruturas sociais e políticas.
Na visão sistêmica da vida, o principal não é cada parte, mas “o todo” e como essas partes se inter-relacionam, sendo isso mais importante do que a soma das partes.
Na medida em que nos retiramos para nossas mentes, esquecemos como “pensar com nossos corpos”, de que modo usá-los como agentes do conhecimento, conforme Descartes nos legou, também nos desligamos do nosso meio ambiente natural e esquecemos como comungar e cooperar com sua rica variedade de organismos vivos.
A divisão entre espírito e matéria levou a concepção do universo como um sistema mecânico que consiste em objetos separados, os quais, por sua vez, foram reduzidos as seus componentes materiais fundamentais cujas propriedades e interações, acreditam-se, determinam completamente todos os fenômenos naturais.
Estendeu-se essa concepção cartesiana da natureza aos seres vivos, e eles foram consideradas máquinas constituídas de peças separadas. Veremos que tal concepção mecanicista está na base da maioria de nas ciências atuais, e foi o que levou à bem conhecida fragmentação em nossas disciplinas acadêmicas e serviu como fundamento lógico para o tratamento do meio ambiente natural como se ele fosse formado por peças separadas a serem exploradas por diferentes estudiosos.
Atualmente, está ficando cada vez mais evidente que a excessiva ênfase no método científico e no pensamento racional analítico, levou as atitudes profundamente ANTIECOLÓGICAS, diz Capra (op.cit.).
A compreensão dos ecossistemas é dificultada pela própria natureza da mente racional. O pensamento racional é linear, ao passo que a consciência ecológica decorre de uma intuição de sistemas não lineares. Os ecossistemas sustentam-se num equilíbrio dinâmico baseado em ciclos e flutuações, que são processos não lineares. Uma das coisas mais difíceis de serem entendidas pelas pessoas em nossa cultura é o fato de que se fazemos algo que é bom, continuar a fazê-lo não será necessariamente melhor. Ao contrário, pode ser pior.
Os empreendimentos lineares como, por exemplo, o crescimento econômico e tecnológico indefinido – ou, para dar um exemplo mais específico, o armazenamento de lixo radioativo durante longos períodos de tempo, interferirá sem dúvida no equilíbrio natural e, mais cedo ou mais tarde, causarão graves danos ao nosso meio ambiente.
Nosso progresso, portanto, foi uma questão predominantemente racional e intelectual, e essa evolução unilateral atingiu agora um estágio alarmante, uma situação tão paradoxal que beira a insanidade.
Podemos controlar os pousos suaves de espaçonaves em planetas distantes, mas somos incapazes de controlar a fumaça poluente expelida por nossas fábricas e nossos automóveis. Propomos a instalação de comunidades utópicas em gigantescas colônias espaciais, mas não podemos administrar nossas cidades, muito menos as nossas vidas.
São esses os resultados da exagerada ênfase dada, nessa sociedade patriarcal, ao ensino baseado no conhecimento racional, na análise, expansão, e da negligência a que ficou sujeito o nosso lado feminino, da sabedoria intuitiva, da síntese, da consciência ecológica.
1.4 Paradigma Holístico
O pensamento holístico é ainda emergente, concordam os autores que defendem essa linha e também Cardoso (op.cit.). Requer estudos e reflexões para estabelecer melhor seu princípio. É uma tendência que oferece pistas para se encontrar pressupostos e propostas educacionais novas para a questão de que a nova sociedade desejada por todos requer uma nova educação. E essas devem fazer eco às angústias e às esperanças dos homens nesse final de século.
A visão holística fala muito mais de esperanças e desejos do que de certezas no sentido científico tradicional. Mas há pesquisas sérias nesse campo, ainda que por hora no sentido de “ciência extraordinária”, aquela que surge no momento de crise paradigmática e que traz em seu bojo, certezas e incertezas.
A certeza está no fato de que ela detecta uma anomalia que o paradigma vigente não contempla. A questão ecológica realmente não pode ser resolvida pelo modelo racionalista/mecanicista, uma vez que suas raízes profundas se originam desse próprio paradigma. A visão fragmentária do racionalismo analítico, por sua própria natureza é insuficiente para resolver as questões ligadas a inter-relações, interconexões, sistemas e subsistemas, que são o campo dos problemas ecológicos.
Essa é a certeza. As incertezas são no campo de quais caminhos se devem seguir para construir um novo paradigma que supere e não simplesmente negue o anterior, sem que caia em simplificações de questões profundas, em carências de fundamentos pelo encantamento diante do novo ou por necessidade premente de solucionar as anomalias. Por isso as resistências conservadoras são necessárias, diz Cardoso (op.cit.) para dissipar as generalizações precipitadas da evolução filosófica da ciência nessa época de transição paradigmática.
Essa seriedade e postura crítica na produção dos fundamentos do paradigma holístico estão no cerne do trabalho dos pesquisadores. Disse Weil (1994, p.13) ao referir-se sobre o encontro entre a ciência e as tradições espirituais – “Sabemos o ponto de partida, o ponto de chegada, não”.
A partida é a necessidade de superação do racionalismo reducionista que só traz progresso material, e não humano. É chegada de se construir uma nova visão de mundo com racionalidade, que elimine e abra os caminhos do futuro da humanidade, diz Cardoso (op.cit).
É senso comum entre os pesquisadores do novo paradigma, o que Cardoso (1995, p.11), esclarece: “O paradigma holístico não é uma determinada corrente filosófica, e sim uma forma de se pensar, viver, e que prefere sinalizar a “holístico” como adjetivo ao invés de usar o substantivo “holismo”. Como exemplo, diz que não há congressos sobre holismo, mas sim congressos holísticos sobre os mais diversos assuntos, enfocados de maneira holística: física, psicologia, educação, comunicação, etc., onde os congressistas são convidados a participar de atividades artísticas, exercícios de relaxamento, celebrações espirituais ecumênicas intercaladas às conferências. É a razão, a sensação, o sentimento e a intuição atuando como meios de percepção e conhecimento”.
No nível epistemológico a construção desse paradigma novo tem na pesquisa transdisciplinar o caminho para a sua concretização. É necessário o diálogo entre as ciências, para o equilíbrio da ultra-especialização a que chegamos. As disciplinas são cada vez mais numerosas e mais enclausuradas dentre os muros da escola.
Os problemas que se originam dessa fragmentação epistemológica, aparecem no trato das questões ambientais, sociais e de ordem pessoal. Este paradigma, segundo Weil, (1999):
“Considera cada elemento de um campo como um evento refletindo e contendo todas as dimensões do campo [a metáfora do holograma]. É uma visão na qual o todo e cada uma de suas sinergias estão estreitamente ligados em interações constantes e paradoxais”. Weil (1999) - Universidade Holística Internacional.
Para Ron Miller em seu artigo “Holismo and Meaning” na visão holística os fenômenos jamais podem ser entendidos isoladamente e o pensamento tecnológico reducionista manipula partes da natureza, com propósitos limitados, sem se dar conta, num contexto mais amplo, das conseqüências dessa ação. Assim é que a marca fundamental da nossa cultura, pela destruição do ecossistema aparece. Apesar dessa separação aparente das coisas no cotidiano, das classificações que nossa intelectualidade estabelece, o cosmo é uma totalidade única em um complexo sistema de relações. Miller, apud Cardoso (op.cit.) ao fazer a importante observação, de que a nova consciência holística só será desenvolvida com a percepção da interdependência entre os vários planos de totalidade: pessoal, comunitário, social, planetário, e cósmico. Tudo o que ocorre em um dos planos repercute-nos demais.
Nesse contexto, em que somos apenas um fio da teia cósmica de infinitas relações, o homem não pode mais ser o “Senhor do Universo”, querendo submeter à natureza a seus caprichos.
A visão holística dá então, lugar a um Oceano Cósmico dotado de vida e consciência, que se regula e se expande por si próprio. Surge daí um novo conceito de espiritualidade no homem, de integração teórica - vivencial - com a totalidade cósmica, através dos planos pessoal, comunitário, social e planetário.
Ele continua a explicação, dizendo que cada um desses planos possui propriedades de poder, duração, unidade e importância. Sobre o termo espírito, ele esclarece que o paradigma holístico o entende no sentido bergsoniano (não teocêntrico): seria a energia vital que abrange unitariamente o intelecto as emoções e nossa própria força física. O autor Boff (1993, apud CARDOSO, 1995, p.36) em consonância com essa posição, afirma que o “espírito não é entendido como parte do ser humano ao lado do corpo, mas como totalidade humana enquanto é vida e fonte de energia vital.”
Assim, a essência da espiritualidade não está na crença de superstição, dogma, ou intuição Religiosa. Ela está na nossa profunda identificação com os outros seres (vivos ou não), e conseqüentemente, com a totalidade do ser. Essa atitude faz brotar em nós os mais altos valores morais: compaixão, humildade, altruísmo, paz, justiça e amor. O absoluto é visto como um atributo da própria natureza, o fundamento de todo ser.
O outro mundo habita o interior desse mundo. Deus está dentro de cada ente (assim como o pensamento pré Socrático o concebia). Assim resgata-se o sentido originário de toda religião, ou seja, o de religar o ENTE AO SER. Foi talvez, para Cardoso (1995), uma experiência mística da unidade cósmica que Buda teve ao se sentir uno com uma árvore, Cristo com o “Pai”, e São Francisco com os pássaros, sol e lua. E usando metáforas míticas o homem tentou exprimir essa inexprimível experiência: nirvana, reino dos céus, consciência objetiva, estado de graça, de beatitude, de contemplação, de iluminação, experiência mística cósmica, oceânica, transpessoal.
No plano epistemológico, a teoria da relatividade e a teoria quântica provocaram um abalo na sólida construção da mecânica clássica ancorada na objetividade e na neutralidade das ciências, mas não quer dizer que agora se tenha instaurado um subjetivismo epistemológico.
Bachelard, (1984.p.128, apud CARDOSO, 1995, p. 37), apresenta o racionalismo aplicado, para resolver isso, que tanto rejeita o empirismo tradicional quanto o racionalismo idealista. Para ele o “real cientifico não é dado pela experiência imediata e primária. O “objeto científico”, diferente do objeto imediato, é sempre relativo a sistemas teóricos, instruído por ele. O que garante a precisão do conhecimento científico não é o objeto, mas o método. Nesse sentido, a objetividade, é fruto da ação dialética sujeito – objeto, e não do que pensa o dualismo de exclusão do sujeito e do objeto.
A interferência da situação de observação na realidade do fenômeno observado, conforme constatado nas experiências subatômicas, reforçou a possibilidade de se conceber até mesmo o conhecimento científico como um processo interativo entre sujeito e objeto.
Visando uma percepção do todo, a visão holística considera não somente a razão e a sensação, mas também a intuição e o sentimento como vias de construção do real.
É preciso pensar de forma analítica, juntamente com as funções cerebrais intuitivas, emocionais, sintética e espirituais.
Com relação à inclusão das funções verbais intuitivas características da holística, para complementar o lado analítico lógico em trabalhos científicos, é importante termos em conta que todo o novo paradigma está calcado em habilidades desenvolvidas pelo hemisfério cerebral direito, e a ciência oficial, por sua vez, com todo seu lado materialista, exato, concreto, preciso, lógico, estanque, ancora-se no funcionamento do hemisfério cerebral esquerdo.
Essa nova estimulação que o paradigma holístico faz ao nosso hemisfério cerebral direito vem trazer um equilíbrio para o “super privilégio”, verdadeiro “culto” às habilidades cerebrais do hemisfério esquerdo, que a ciência e essa sociedade incutiram em seus sistemas educativos.
Assim precisamos pesquisar, práticas pedagógicas que privilegiem o belo, a arte, o sutil, a expressão e a consciência corporal, a música, etc., a par de todo trabalho que já é feito nas escolas para o campo do raciocínio lógico formal / concreto.
Capra (1982), ao iniciar as pesquisas holísticas estabeleceu pontes entre o misticismo oriental e a física moderna em sua obra “O Tao da Física”, que Cardoso (1995) também corrobora, e bem sintetiza: “numa palavra, a atitude integrativa da razão sentimento, Ocidente – Oriente lado esquerdo – lado direito do cérebro, ciências tradicionais espirituais é o alicerce fundamental da visão holística. Trata-se, de uma racionalidade complexa, que pretende se desenvolver por dois caminhos, um simbólico/metodológico/mágico/ outro racional/ lógico/empírico”.
A partir dessas bases epistemológicas, estruturam-se dois grandes caminhos metodológicos que permitem ao homem desenvolver a percepção holística da realidade.
- O primeiro, de cunho teórico, representa os estudos que visam estabelecer pontes entre as ciências, a filosofia, a arte e a tradição. É a holologia.
- O outro é o caminho da holopráxis: vivências voltadas para a superação da fantasia de separatividade, entre as quais encontramos: Yoga, T’aichi, Aikidô, Medicina Psicossomática, Terapias Integrativas, Cultos Ecumênicos, etc.
Por tudo isso, pode-se afirmar que a visão holística não é só a construção de um novo conceito de saber, diz Weil, apud Cardoso (op.cit) mas também e muito mais, uma conversão para valores como: Simplicidade, Harmonia, Integridade, Completude, Dignidade, Sacralidade, Beleza, Universalidade, Pureza, Amor, Comunhão, Serenidade, Respeito, Abertura.
PARTE 2: DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS DA EDUCAÇÃO HOLÍSTICA
A Pedagogia Holística tem seus alicerces fundamentados em filósofos e pedagogos do século XVII, incluindo os românticos como Rousseau, Pestalozzi, entre outros, assim como os liberais, os humanistas, os transcendentalistas,etc., passando por reconhecidos, e ainda influentes pedagogos do inicio do século XX, como Maria Montessori, Rudolf Steiner, Ferrer e Guardiã, Dewey, Decroly, etc.
No entanto, só mais recentemente é que o holismo adquire um corpo mais consistente e unificado, a ponto de ser visto como um novo paradigma educacional, que maneira crescente vem sendo assumido e praticado por uma rede cada vez maior de educadores de todo o mundo.
A maioria das escolas que ministram currículos holísticos é privada, mas a exigência de inúmeras iniciativas públicas é muito esperançosa e anuncia a urgência de um novo paradigma que somente será generalizado na medida em que suas propostas não forem vistas como “ameaçadoras” para determinados interesses políticos e econômicos que são decisivos para o estabelecimento da função da escola.
2.1: Ponto de Partida: a fragmentação
Na atualidade, o ponto iniciático dos educadores holísticos é a convicção da existência de uma fragmentação de todas as esferas da vida humana. J. Miller (1996 apud YUS, 2002, p. 13) dizia que, desde a Revolução Industrial, a humanidade estimulou a compartimentalização e a padronização, cujo resultado foi à fragmentação da vida.
Essa fragmentação afeta tudo:
Vida econômica: A fragmentação na economia teve como resultado devastação ecológica. O ar que respiramos e água que bebemos estão normalmente poluídos. Estamos destruindo tudo, pois nos vemos separados do processo orgânico que nos rodeia.
Vida social: a maioria das pessoas nas sociedades industrializadas vive em grandes Metrópoles, onde se sentem inseguros e separados dos demais. A violência urbana se tornou interesse predominante. Essa fragmentação se revela também em diversas formas de excesso. Nós abusamos do fumo, do álcool e das drogas. Abusamos também, dos demais, incluindo os idosos, as esposas e as crianças. Esses tipos de abusos vêm de pessoas que se sentem desconectadas das outras e afastadas das formas consideradas válidas na comunidade.
Vida Pessoal: outra configuração de fragmentação ocorre dentro de nós mesmos. O principal motivo da falta de unidade do mundo e a falta da unidade na pessoa. Estamos desconectados de nosso próprio corpo e de nosso coração. Como conseqüência, vivemos centrados somente em nossos interesses. A visão materialista da vida estimula as pessoas a darem maior importância a bens materiais, no entanto, muitas delas que adquiriram bens materiais não se sentem completas, elas notam que estão perdendo algo, que na falta de outra palavra melhor, podemos chamar de espiritualidade.
Vida cultural: a fragmentação em nossa cultura é percebida por uma falta de sentido compartilhado de significados. Essa falta de censo chega a ser evidente quando procuramos abordar temas de interesse social e humano. O único tema que compartilhamos e a visão materialista da vida, que surge que a realidade e só física, e que somente podemos controlá-la com o método cientifico. Relacionado a ele esta o consumismo, que nos estimula a guardar o maior número de bens materiais possíveis. Quanto mais tivermos, maior será a nossa felicidade.
Essa fragmentação ultrapassa os muros das escolas e exige delas sua reprodução. Devido a isso, nossas escolas transpiram fragmentação por todos os lados: organização (tempo, espaço) compartimentada e hierarquizada, profissionais especializados e desconectados, conhecimento fragmentado em disciplinas, unidades e lições isoladas, sem possibilidade de ver a relação dentre e entre elas, e entre estas, a realidade que os alunos vivem. Tudo isso prepara e educa para a fragmentação.
2.2 Definição de Educação Holística
Não existe uma definição universalmente aceita sobre a educação holística, isso se deve a diversidade de abordagens e de ênfases em aspectos determinantes. Podemos rastrear sua denominação a partir de seu significado etimológico. Tudo que esta relacionado com o holismo, vem do grego Holon, que faz referência a um universo feito de conjuntos integrados que não pode ser reduzido a simples somas de suas partes. Mas dentro dessa concepção, que se contrapõe a visão reducionista do mundo, existe uma, que ressalta a existência de uma dimensão espiritual nas coisas, e outra mais materialista que admite a existência de um todo formado por partes que se inter-relacionam. No entanto, o termo holístico, muitas vezes, veio acompanhado por diversas propostas de caráter esotérico, por isso, a denominação pode levar a um entendimento muito restrito das potencialidades reais desse enfoque educativo.
O termo “Educação Holística” foi proposto pelo americano R. Miller (1997 apud YUS, 2002, p. 16) para designar o trabalho de um conjunto heterogêneo de liberais, de humanistas e de românticos que tem em comum a convicção de que a personalidade global de cada criança deve ser considerada na educação. São consideradas todas as facetas da experiência humana, não só o intelecto racional e as responsabilidades de vocação e cidadania, mas também os aspectos físicos, emocionais, sociais, estéticos, intuitivos e espirituais inatos do ser humano.
Um pouco antes, e de maneira independente, o canadense J.P.Miller (1996 apud YUS, 2002, p.16) havia utilizado esse termo em seu trabalho sobre “Currículo Holístico”. Para ele, a educação holística esta baseada no principio de interconexão. Desse modo, procura desenvolver visões do ensino e da aprendizagem que estimulem as conexões entre disciplinas e entre aprendizes por várias formas de comunidades. Também procura um equilíbrio dinâmico em situações de aprendizagem, entre elementos, tais como o conteúdo e o processo, a aprendizagem e a avaliação, e o pensamento analítico e o criativo. Por último, a educação holística é inclusiva, no sentido de incluir um leque amplo de tipos de estudantes e uma diversidade de visões de aprendizagem, procurando atender as diversas necessidades do aprendizado.
O Holistic Education Network do ACSA descreveu a educação holística como um conjunto de visões da educação que procuram educar completamente a pessoa. Isso inclui estudos de visões interconectadas do mundo, tais como as de relações corpo/mente, de inteligência múltiplas, de análises de conceitos, de espiritualidade e de prática em sala de aula, além de estudos que abordam, a partir de visões holísticas, as pessoas, as culturas, enfim, o mundo e o cosmos.
Por outro lado, a American Society for Curriculum Development tem um grupo interessado na Educação Holística e utiliza a definição de J.P.Miller ao considerar que se trata de um sistema de aprendizagem baseado no principio de interconexão e globalidade. A partir dessa perspectiva, o estudante é visto como uma pessoa global com corpo mente emoções e espírito.
Do mesmo modo, o Institute of Education oh the Ontário Institute for Studies in Education da Universidade de Toronto assinala que a educação holística e estética reconhece a possibilidade de interconexão entre o corpo, a mente, as emoções e o espírito. A aprendizagem é vista como um processo experimental e orgânico; estabelecer conexões é visto como um assunto central para os processos curriculares. Uma perspectiva estética e o processo de construção do conhecimento por meio de questionamento são vistos como integrais a todas as formas de educação e da própria vida. As estratégias de instrução incluem a visualização, a aprendizagem cooperativa, as estratégias de resolução criativa de problemas e o drama. No entanto, a educação holística evita a ênfase em uma técnica particular e, em seu lugar, estimula uma visão de educação multifacetada, que reconhece a interdependência e a conectividade.
Para R. Miller (1997 apud YUS, 2002, p. 17), a educação holística não é nenhuma técnica ou currículo, afirmação que entra em conflito com as diversas propostas de currículo holístico (exemplo, J.P.Miller, 1996). Possivelmente, R. Miller queria propor com isso que a ênfase seja vista como uma mudança de “perspectiva” que implica o holismo, e não que seja vista como uma proposta pedagógica acabada e definitiva. Para esse autor, a educação holística alimenta o desenvolvimento da pessoa em sua globalidade. Ela se desenvolve em torno das relações entre aprendizes, entre pessoas jovens e adultas, e estão interessadas na experiência vital, não nas, rigorosamente definidas habilidades básicas. A educação holística não se centra na determinação de quais fatos ou habilidades os adultos deveriam ensinar as crianças, mas na criação de uma comunidade de aprendizagem que estimule o crescimento do envolvimento criativo e interrogativo da pessoa com o mundo. Ela é nutridora de pessoas saudáveis, completas e curiosas, que podem aprender qualquer coisa que precisem e em qualquer contexto.
Consequentemente, com esse termo se pretende denominar uma mistura de tradições educativas e de posições filosóficas bem diversificadas, às vezes até contraditórias entre si em determinados pontos, mas que, em compensação, possuem aspectos comuns. A educação holística foi criticada por sua ênfase excessiva no individuo, o que possivelmente seja verdade quanto as suas raízes, mas atualmente acolhe entre seus princípios a vertente social-transformadora, embora, e diferentemente da corrente crítica-emancipadora, não o faça a partir de pensamentos racionais, mas a partir da importância do eu.
2.3 Características e Finalidades da Educação Holística
As definições descritas no item anterior podem dar uma idéia das características e finalidades da educação holística. Assim para J.P.Miller (1996 apud YUS, 2002, p. 17), o centro de atenção da educação holística esta nas relações, entre o pensamento linear e a intuição, entre mente e corpo, entre os diversos domínios de conhecimento e entre o eu e o Eu. No currículo holístico, o estudante analisa tais relações de maneira que obtenha tanto uma consciência delas quanto das habilidades necessárias para transformá-las onde for mais apropriado.
Por outro lado, R. Miller (em Flake, 1998 apud Yus, 2002, p.18) considera que a educação pode ser descrita como holística quando demonstra as seguintes características:
1. A educação holística nutre o desenvolvimento da pessoa global; está interessada no intelectual, assim como no emocional, no social, no físico, no criativo/intuitivo, no estético e nos potencias espirituais.
2. A educação holística gira em torno das relações entre os aprendizes, às pessoas jovens e adultas. A relação professor-aluno tende a ser igualitária, aberta, dinâmica e não limitada por funções burocráticas ou regras autoritárias. Um sentido de comunidade é essencial.
3. A educação holística está interessada na experiência vital, não em “habilidades básicas” rigorosamente definidas. A educação é crescimento, descoberta de uma vastidão de horizontes; é um envolvimento com o mundo, uma questão para compreender e dar sentido. Essa questão vai além dos horizontes limitados dos currículos convencionais, livros didáticos e provas padronizadas.
4. A educação holística capacita os alunos para que se aproximem criticamente de contextos culturais, morais e políticos de suas vidas. Reconhece que as culturas são criadas pelo povo e que podem ser mudadas por ele se deixarem de servir às suas necessidades. Como contraste, a educação convencional somente reproduz a cultura já estabelecida. A educação holística, então, é um empreendimento fundamental.
A educação holística ligou-se a determinadas visões educativas na área da educação ambiental (movimento de eco-alfabetização, de ecologia profunda). Um de seus expoentes, Gang (em C.L.Flake, 1998 apud YUS, 2002 p. 18), indica que os propósitos da educação holística são:
1. Dar para os jovens uma visão do universo em que todo ser animado e inanimado esteja interconectado e unificado.
2. Ajudar os estudantes a sintetizar a aprendizagem e a descobrir a inter-relação entre todas as disciplinas.
3. Preparar os estudantes para a vida do século XXI, enfatizando uma perspectiva global e os interesses humanos comuns.
4. Capacitar os estudantes para desenvolver um senso de harmonia e espiritualidade, necessário para a construção da paz mundial.
Para Holistic Education Network of Tasmânia (HENT), a educação holística pode ser caracterizada da seguinte forma:
1. Está relacionada com o crescimento de todas as potencialidades da pessoa: intelectual, emocional, social, física, artística, criativa e espiritual. Envolve os alunos de maneira ativa nos processos de ensino/aprendizagem e incentiva-os a ter uma responsabilidade pessoal e coletiva.
2. É uma questão de compreensão e significado. Seu objetivo é nutrir de maneira saudável e de forma global as pessoas curiosas que possam aprender tudo o que precisam saber em qualquer contexto novo. Introduzindo os alunos em uma visão holística do planeta, da vida na terra, e da emergente comunidade mundial. As estratégias holísticas capacitam os alunos para que percebam e compreendam os diversos contextos que determinam e dão significado à vida.
3. Reconhece o potencial inato de todo aluno para um pensamento inteligente, criativo e sistêmico. Isso inclui os chamados “alunos em situação de risco”, a maioria dos quais têm dificuldades graves para aprender a partir de um paradigma mecanicista e reducionista, que enfatiza processos lineares e seqüenciais.
4. Valoriza o conhecimento espiritual (não em um sentido de parcialidade). A espiritualidade é um estado de conexão de toda a vida, respeitando a diversidade na unidade. É uma experiência de ser, pertencer e cuidar. São sensibilidades e compaixões, diversão e esperança. É o sentido de encanto e reverência pelos mistérios do universo e um sentimento do sentido da vida. É o movimento em direção às mais alta aspirações do espírito humano.
Para Hutchison (2000 apud YUS, 2002, p. 19), a visão holística da educação surge dentro do contexto da filosofia perene, que apresenta uma visão ecológica do mundo. A partir dessa perspectiva, todos os fenômenos na natureza são vistos como interconectados em um universo interdependente. Tal interdependência está baseada em uma reciprocidade dentro e entre os mundos natural, físico e cultural que vão além de nossas vidas e de toda a comunidade biótica. O enfoque sobre conexões levou os educadores holísticos a valorizar uma grande variedade de enfoques do “saber” que complementa os modelos lógicos-analíticos do conhecimento tradicionalmente legitimados pelas escolas. Esses modelos incluem os processos intuitivos de pensamento, que implicam um contato direto e imediato com o conhecimento, cujo processo cognitivo, não mediado pelas considerações ou pelas análises racionais, surge com maior freqüência em momentos de intensa atividade criativa, ou quando o corpo está em repouso, com a mente em estado de alerta. Esses modelos incluem também processos metafóricos, os quais implicam saltos cognitivos no pensamento e fazem ponte, por analogia, entre os fenômenos aparentemente não-relacionados e que, portanto, descobrem várias relações e padrões; e os modos narrativos de pensamento, em que a base temporal da vida ganha voz, e as seqüências de eventos são reconstruídos por seu significado a ser aprendido.
O mesmo autor assinala que o currículo holístico aborda a busca de significado e de propósito empreendida pela criança no mundo natural que as rodeia. Os educadores holísticos consideram a busca como algo internamente dirigido pela criança quanto como algo externamente dirigido pelo professor ou pelo currículo. Ao dar uma atenção especial para as motivações internas das crianças e para os estágios de crescimento críticos em relação ao momento, os educadores holísticos argumentam que são capazes de atender efetivamente, as necessidades das crianças em várias fases de seu desenvolvimento. Desse modo, escreve R. Miller (1997 apud YUS, 2002, p. 20), a filosofia holística “começa com um respeito profundo pelo ser humano em crescimento e procura oferecer, dessa forma, um ambiente de aprendizagem” coerente e sensível para as tarefas que impulsionam os sucessivos estágios do desenvolvimento.
Pode-se dizer que a Educação Holística tomou corpo recentemente, a partir de importantes acordos internacionais entre educadores holísticos de diversos países e de diferentes tendências. O principal marco foi a Declaração de Chicago, elaborada na Oitava Conferência Internacional de Educadores Holísticos em Chicago, Illinois (junho de 1990).
Declaração de Chicago
“Conforme nos aproximamos do século XXI, muitas de nossas instituições e profissões estão entrando em um período de profunda mudança. Em educação, estamos começando a reconhecer que a estrutura, os propósitos e os métodos de nossa profissão foram elaborados para um período histórico que agora esta terminando. O tempo transformou a educação, o que nos conduziu aos desafios humanos e ambientais com os quais nos deparamos.
Acreditamos que a educação para essa nova era deve ser holística. A perspectiva holística é o reconhecimento de que toda a vida neste planeta está interligada de incontáveis, profundas e sutis maneiras. A visão da Terra, suspensa sozinha no véu negro do espaço, revela a importância de uma perspectiva global voltada para realidades sociais e educativas. A educação de nutrir-se da comunidade humana de todo o planeta.
O holismo enfatiza o desafio de criar uma sociedade sustentável, justa e pacífica, em harmonia com a terra e sua vida. Implica uma sensibilidade ecológica, um profundo respeito pelas culturas indígenas e modernas, e também pela diversidade de formas de vida no planeta. O holismo procura ampliar a maneira como nos vemos e a relação que termos com o mundo, exaltando nossos potenciais humanos inatos: o intuitivo, o emotivo, o físico, o imaginativo e o criativo, assim como o racional, o lógico e o verbal.
A educação holística reconhece que os seres humanos buscam significado, não exatamente em fatos ou habilidades, como um aspecto intrínseco de seu desenvolvimento integral e saudável. Acreditamos que somente seres humanos saudáveis e integrais criam uma sociedade saudável. “A equação holística nutre as esperanças mais altas do espírito humano”. (YUS ,2002 p -20)
Na citada Conferência de Chicago (1990), também foi fundada o GATE (Global Alliance for Transforming Education), que elaborou um importante documento que pretende aglutinar as inquietações de todos os educadores holísticos do mundo: Educação 2000: uma perspectiva holística. Nesse documento estão os dez princípios que atualmente servem de referência a todos os educadores holísticos do mundo, que está em anexo desse referido trabalho.
2.4 Conclusões das Características da Educação Holística
A partir das inúmeras definições e tentativas de conceituação desse paradigma, acreditamos que ele está formado pelos seguintes elementos caracterizadores:
Globalidade da pessoa: A tradição holística teve sua primeira incursão no âmbito educativo pela ênfase dada á totalidade da pessoa. A pessoa não é apenas “mente”, mas também é corpo e espírito, e estes são elementos que estão estreitamente relacionados com um todo. A educação holística está interessada no crescimento de todas as potencialidades humanas: intelectual, emocional, social, física, artístico-estética, criativo-intuitiva e espiritual. Da mesma forma aceita a existência de inteligências múltiplas que precisam de processos educativos diferenciados.
Espiritualidade. Talvez o traço mais característico e diferenciador da tradição holística tenha sido, e ainda é a ênfase dada às dimensões espirituais dos alunos, um elemento desprezado pelos sistemas educacionais atuais, ou mesmo reduzido a um determinado dogma. O holismo valoriza e desenvolve a espiritualidade como estado de conexão de toda a vida, da experiência do ser, de sensibilidade e compaixão, de diversão e esperança, de sentido de reverência e de contemplação diante dos mistérios do universo, assim como do significado e do sentido da vida.
Inter-relações. Outro elemento diferenciador da educação holística é sua ênfase em todos os tipos de relações entre os elementos que constitui o “todo”, do qual a mente, no homem, e a própria espécie humana, fazem parte. Isso significa que são contempladas as inter-relações entre corpo e mente, entre os diferentes domínios e facetas da pessoa, entre colegas e entre professores e pais. Essa inter-relação é especialmente visível no tratamento das áreas de conhecimento, que são abordadas a partir de diversas formas de interdisciplinaridade e de globalização.
Equilíbrio. Diferentemente do que se pode pensar, o holismo não significa uma visão radical, extremista ou paidocêntrica em relação à escola tradicional. Ao contrário, tem um caráter sincrético, pelo qual pretende equilibrar tendências e tirar proveito de todas elas na medida em que possam ser conciliadas, pois na verdade, são facetas de uma mesma realidade.
Cooperação. Como conseqüência dos princípios de inter-relação e de equilíbrio, a educação holística presta especial atenção nas relações pessoais, incentivando com isso um espírito cooperativo, e na adoção de decisões coletivas responsáveis. A educação holística gira em torno das relações entre os alunos, entre estes e os adultos, de modo que a relação professor-aluno tenda ser igualitária, aberta, dinâmica e não sujeita as regras autoritárias, conseguindo, com isso, um sentido de comunidade.
Inclusão. O caráter holístico dessa educação coloca todos os indivíduos em um plano de igualdade, reconhecendo que todo ser humano independente de seu coeficiente intelectual, seu sexo, sua cultura e sua classe social, possui algumas potencialidades inatas, dignas de serem desenvolvidas na escola. A escola holística integra, de maneira efetiva, alunos com diferentes ritmos de aprendizagem e com diferentes capacidades de aprendizado, dentro de uma proposta cooperativa.
Experiência. A escola holística confia muito no principio de aprendizagem pela experiência vital, e não tanto nas rigidamente definidas “habilidades básicas”. A educação é crescimento por meio da descoberta de horizontes, o que supõe um envolvimento no mundo, sustentado pelo interesse, pela curiosidade e pelo propósito pessoal de compreender e encontrar sentido.
Contextualização. A educação holística reconhece que todo conhecimento é criado a partir de um contexto histórico e cultural, e que os “fatos” raras vezes são mais do que pontos de vista compartilhados, estimulando nos alunos uma visão crítica dos contextos culturais, morais e políticos de suas vidas. A educação holística defende que as culturas são criadas pelo povo e podem ser mudadas pelo povo se deixarem de servir ás necessidades humanas consideradas importantes, por isso seu caráter radical.
De acordo com R.Miller (1997 apud YUS, 2002, p. 25), apesar das grandes diferenças nas técnicas pedagógicas e na ênfase filosófica, os educadores “contra culturais” compartilham importantes elementos de uma visão do mundo emergente que se chegou ao consenso de chamar “holística”. Se o século XXI deve ver a chegada de uma cultura ultra moderna (que supera as estreitezas de modernidade e da pós-modernidade) arraigada em uma visão de mundo mais orgânica, ecológica e espiritual, então poderemos presenciar mudanças importantes na escola tradicional, incorporando muitos dos princípios que os educadores holísticos defenderam durante os últimos séculos, com a lógica atualização decorrente dos novos conhecimentos da ciência pedagógica.
Segundo R. Miller , o holismo é, em última instância, uma rebelião do espírito humano, do inconsciente profundo, que se eleva acima de tudo na globalidade. Tanto é assim que o pensamento holístico atraiu as almas mais sensíveis da sociedade moderna (buscadores e místicos), que não podem tolerar uma cultura mecanicista e sem significado. Essa “revolução das sensibilidades” ou “reencantamento do mundo” não é mais do que a psique, que foi reprimida por uma orientação abertamente racional, utilitária e mecanicista, para nossa experiência na Terra, e que, para muitos pensadores, é a chave de todas as crises que começamos a enfrentar no início do século XXI. Apesar de a educação holística ter nascido como uma preocupação exclusiva pelo indivíduo, as tendências atuais, que convergem com a tradição mundialista da educação Global, assinalam que é a partir da potencialização holística da pessoa que se alcança uma perspectiva mais compassiva, tolerante e solidária com todos os povos e com toda forma de vida neste planeta.
PARTE 3: BASES PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO HOLÍSTICA
Nesta parte do trabalho, vamos procurar chegar a uma caracterização, a mais inclusiva possível, das bases pedagógicas da educação.
3.1 Propriedades Curriculares da Educação Holística
Para caracterizar a educação holística, J.Miller (1996 apud YUS, 2002, p. 30) propôs uma análise por meio de três características ou metáforas comuns: equilíbrio, inclusão e conexão. Vejamos, detalhadamente, suas implicações educativas.
Equilíbrio
Diante de um mundo de dicotomias, desenvolvido a partir de uma visão mecanicista e reducionista, o holismo ressalta a necessidade de alcançar um equilíbrio em dicotomias, tais como homem/mulher, independência/interdependência, quantidade/qualidade, fora/dentro, racional/intuitivo, economia/ambiente, hierarquia/rede, tecnologia/consciência, material/ sagrado e nação/ globo/região. A meta da educação holística é ajudar os estudantes para que aprendam a manejar essas dicotomias a partir de uma ótica equilibrada.
Dentro dessa perspectiva, o desenvolvimento intelectual da criança deve ser considerado em equilíbrio com seu próprio desenvolvimento emocional, físico, estético e espiritual. Embora em determinados momentos um aspecto de sua pessoa possa ser predominante, o educador holístico nunca deve perder de vista a noção de globalidade da pessoa.
Se analisarmos um currículo de educação holística, teremos de reconhecer esse equilíbrio nas diferentes situações dicotômicas da vida escolar, como assinaladas por J.Miller:
Equilíbrio entre o indivíduo e grupo. Os sistemas educacionais tradicionais enfatizam mais a competição individual do que a colaboração grupal. O currículo holístico exige uma aprendizagem mais colaborativa, em que os estudantes aprendam a trabalhar em pequenos grupos, e isso não vai contra a qualidade das aprendizagens individuais, nem do desempenho de cada indivíduo.
Equilíbrio entre conteúdos e processos. A escola tradicional baseou a aprendizagem na memorização do conteúdo. Como reação, algumas correntes educativas centraram-se mais nos processos, desprezando as aprendizagens teóricas. O currículo holístico busca um equilíbrio entre dois elementos, reduzindo a quantidade de conteúdos para melhorara a qualidade das aprendizagens, assim como para processar a informação (aprender e aprender), sem renunciar a um esquema lógico de conteúdos.
Equilíbrio entre conhecimento e imaginação. A ênfase nos conteúdos fez com que se valorizasse o conhecimento como único processo mental e como algo externo, estático e acabado. O currículo holístico defende que é possível relacionar conhecimento e imaginação, possibilitando que o conhecimento seja visto como resultado de uma construção global, de nossa habilidade de interpretar e construir significados, e tudo isso exige a colaboração de nossa imaginação.
Equilíbrio entre razão e intuição. Seguindo o paradigma mecanicista e cartesiano, a escola tradicional deu importância exclusiva para abordagens racionais e lineares dos problemas. Entretanto não se pode desprezar a riqueza e a força do pensamento racional. Por isso, a partir, de um currículo holístico, tenta-se encontrar um equilíbrio enriquecedor entre a razão e a intuição, pois na prática não existe descoberta sem a ajuda desse processo irracional que chamamos de intuição.
Equilíbrio entre avaliação quantitativa e qualitativa. A escola tradicional costuma aplicar métodos quantitativos em avaliação, por meio de uma bateria interminável de provas. A educação holística não deixa de lado a realização de algumas medições quantitativas, mas incorporam métodos qualitativos como a avaliação do desempenho, o uso de portifólio, etc., que permitem avaliar um trabalho mais contínuo.
Equilíbrio entre avaliação e aprendizagem. A ênfase nos resultados por parte da corrente educativa majoritária leva os estudantes a centrarem-se na avaliação mais do que na aprendizagem em si. Da perspectiva holística, avaliação e aprendizagem devem equilibrar-se, pois são dois aspectos do próprio processo de crescimento: aprendemos conjuntamente com uma avaliação continuada, por processos de retro alimentação.
Inclusão
A tendência em equilibrar leva a uma nova propriedade do holismo: a inclusão. No debate pedagógico sempre houve uma tendência em radicalizar posições, isso é algo que se pretende evitar a partir do holismo com uma visão eclética, em busca de um sincretismo sintetizador. J Miller (1996 apud YUS, 2002, p. 31) considera que todas as propostas pedagógicas podem ser agrupadas em três orientações básicas:
Transmissão: é a orientação dominante da pedagogia “reducionista” ou “lógico-positivista”, que vê o ensino e a obtenção de conhecimento como a imitação e repetição das formas tradicionais de conhecimento e comportamento. Nessa orientação, o professor, ou livro didático, é o que “transmite” a sabedoria cultural ao estudante. Em ambos os casos, ocorrem um fluxo unidirecional de informação, conhecimentos e habilidades, quase sem oportunidades para refletir ou analisar a informação. Essa orientação teve uma longa história, reforçada por uma visão behavorista (estímulo-resposta) do aprendizado humano e por uma visão tradicional no currículo articulado em disciplinas. O conhecimento é visto como algo fixo, mais do que como um processo, e normalmente se fragmenta em pequenas unidades para que os estudantes possam manejar a matéria. A pedagogia holística questionou essa orientação exclusiva do ensino. No entanto, o princípio de inclusão é percebido na consideração de seus aspectos positivos em casos específicos. Por exemplo, o papel transmissivo pode ser necessário no relato de histórias ou no canto de músicas. Por outro lado, a aprendizagem transmissiva é comum quando começamos a aprender uma habilidade específica (a fala ou uma habilidade esportiva), pois essas são adquiridas por um processo imitativo e repetitivo.
Transação: a aprendizagem transacional é mais interativa, embora a interação seja principalmente do tipo cognitivo. Nessa orientação, envolve-se o aluno na resolução de algum problema ou em algum tipo de questionamento. O conhecimento não é visto como algo estático e dividido em pequenas unidades, mas como algo que pode ser mudado e dominado. Muitas vezes, o método científico é utilizado como um modelo de aprendizagem transacional, inspirando-se no princípio de Dewey de que o método científico é o único meio autêntico de nosso domínio para alcançar o significado das nossas experiências diárias do mundo em que vivemos. A relação entre currículo e estudante pode ser caracterizada por uma ênfase no diálogo ou na interação entre os dois sujeitos. O aluno geralmente é visto como um sujeito racional e capaz de comportamentos inteligentes, ou como um solucionador de problemas. É evidente que a pedagogia transacional incentiva unicamente às interações cognitivas e dá maior atenção aos processos de análise do que aos de síntese, e ao pensamento mais do que aos sentimentos, mas esse enfoque pode ser importante para a aprendizagem de procedimentos de resolução de determinados problemas, essencialmente do tipo científico-técnico, embora insuficiente para problemas complexos com temas sociais.
Transformação: mais próxima dos princípios holísticos; essa orientação parte da base de que a aprendizagem ocorre na globalidade da criança. A meta da posição de transformação é o desenvolvimento da pessoa global, não reduzida somente a uma série de competências ou habilidades de pensamento, mas considera todas as dimensões (físicas, emocionais e espirituais) do aprendiz. A partir dessa orientação, o currículo e a criança não são vistos como seres separados, mas interligados. Na pedagogia da transformação são utilizadas estratégias, tais como a resolução criativa de problemas complexos, a aprendizagem cooperativa e a globalização ou a interdisciplinaridade, que estimula os estudantes a realizarem diferentes tipos de conexões. Essas conexões fazem da aprendizagem algo pessoal e socialmente significativo para o estudante, com sentido para suas próprias vidas e para a comunidade.
O caráter eclético da educação holística permite a participação dessas três abordagens, sem esquecer a orientação transformativa, que por sua natureza holística, sempre será inclusiva em relação ás demais. No entanto, esse princípio não anula o conflito intrínseco da co-existência de orientações tão diferentes, exigindo dos professores um contínuo ajuste dessas tendências aos princípios da educação holística.
Conexão
Uma terceira característica ou metáfora, bem específica da educação holística, é a conexão, pois o holismo sempre buscou unir as partes a um todo, todavia, estabelecer conexões e descobrir relações entre as coisas já supõe um posicionamento crítico ante a fragmentação pessoal e social causada por nossa sociedade moderna. O desafio da educação holística é procurar construir todo tipo de conexões, por exemplo:
Relações entre pensamento linear e intuição. Um currículo holístico tenta restabelecer um equilíbrio entre o pensamento linear e a intuição. Várias técnicas, tais como a metáfora e a visualização, podem ser integradas aos pensamentos mais tradicionais, de forma que se consiga uma síntese entre a análise e a intuição.
Relações entre mente e corpo. Um currículo holístico explora a relação entre a mente e o corpo, de forma que o estudante sinta a conexão entre ambos. A relação pode ser explorada por movimentos, danças e exercícios de concentração.
Relações entre domínios de conhecimento. Existem muitas formas e graus diferentes com os quais podemos unir as disciplinas acadêmicas e os temas escolares. Por exemplo, abordar um tema complexo, como é o dos problemas ambientais, requer necessariamente a cooperação de diferentes disciplinas, mais isso pode ser tratado a partir de uma perspectiva multidisciplinar ou interdisciplinar, de acordo com o grau de integração.
Relações entre o eu e a comunidade. Um currículo holístico vê o estudante em relação com a comunidade, entendendo-se por esta tanto a comunidade escolar quanto as comunidades de cidadãos, da nação e até a comunidade global da Terra. Para isso, o estudante deve desenvolver habilidades interpessoais, habilidades de serviço comunitário e habilidades de ação social.
Relação entre o indivíduo e a Terra. É um tipo de relação entre o indivíduo e a natureza da qual ele faz parte, aprendendo a escutar as “vozes da Terra”, os sons dos animais, o murmúrio da corrente marítima, ou até o bramido do vento. Essa conexão implica vermos a nós mesmos como parte da rede da vida mais do que como uma entidade separada da Terra.
Relações entre o eu e o Eu. Em última instância, um currículo holístico nos leva a uma conexão com a parte mais profunda de nós mesmos. Além de nosso eu socializado, com o qual costumamos nos identificar, está o que foi chamado nosso “eu superior”, o Eu que se manifesta em determinados momentos de nossa vida (escutando uma música, vendo uma criança brincar, ou estando em contato com a natureza) que é por meio da qual sentimos uma profunda conexão com os demais e com tudo que é vivo.
No currículo holístico, o aluno analisa essas relações de modo que comece a ter consciência delas e das habilidades necessárias para transformar as relações onde for mais apropriado.
3.2 O Holismo como Eixo Conciliador de Tendências
Na história da educação sempre houve um debate entre tendências conservadoras, resistentes à mudança, e tendências progressistas, que desejam mudar o que não se ajusta a um ideal ou a uma nova situação. Usando as cinco perspectivas de Jackson (1992 apud YUS, 2002, p. 34), podemos mostrar como uma perspectiva de currículo holístico não é só uma via para unir a distância entre as posições aparentemente opostas de conservadores e progressistas, mas também para mostrar a necessidade de mudar a batalha dos “ismos” por um esforço comum entre todos. Conforme será mostrado, isso supõe preconizar uma sexta perspectiva ou sugerir uma opção a mais, mas proporcionar um mecanismo para alcançar uma visão holística que integre as cinco perspectivas de Jackson (1992 apud YUS, 2002, p. 34) e as metáforas holísticas.
Sem dúvida, as “cinco perspectivas” de Jackson (1992 apud YUS, 2002, p. 34), são caracterizações úteis que servem como ponto de partida para o diálogo sobre a mudança curricular, em geral, e do currículo holístico, em particular, permitindo centrar a discussão em questões curriculares profundas como o sentido da escola. A educação holística tem uma série de características que a coloca ao lado das visões tradicionais do currículo e da educação, porém, ao mesmo tempo, representa um ponto de partida para a reconstrução social.
O currículo holístico é contra a “fragmentação da vida” (J. Miller, 1996 apud YUS, 2002, p. 34), criada pela filosofia científica, egocêntrica e patriarcal do consumo capitalista e industrial, baseado no sistema econômico do excessivo desenvolvimento das nações do Norte. As cinco perspectivas de Jackson são uns sintomas dessa alienação dentro da educação, pois servem para reforçar as divisões categóricas e os elementos isolados da aprendizagem. Todo o professor praticante desenvolveu e mudou suas perspectivas em determinados momentos. Usando as três orientações do currículo holístico (equilíbrio, inclusão e interconexão), assinaladas por J.P.Miller, pode-se tentar entrelaçar as diferentes perspectivas:
1. Perspectiva conservadora. Arraigadas naqueles que acreditam no estabelecido, um desejo de manter ou resgatar (“voltar ao básico”) as matérias e os métodos de ensino do passado. Os proponentes vêem que existe somente uma via “correta” de ensinar a conhecer o conjunto de conhecimento, normalmente os conteúdos das disciplinas acadêmicas, por isso não são partidários a nenhuma mudança. Essa orientação está presente em todos os sistemas educacionais do mundo, e muitos educadores que hoje enfatizam a orientação holística foram formados nessa perspectiva, sendo levados a empregá-la nos primeiros anos de docência.
De fato essa tendência e problemática quando se adota uma perspectiva holística. Seus defensores desejam permanecer igual, preservar o estabelecido. No entanto, se adotarmos a característica de “equilíbrio” definida por J.P.Miller (1996 apud YUS, 2002, p. 35) para a educação holística, é possível perceber que o currículo holístico não despreza os elementos da escola tradicional, mas os vê de outro modo, buscando um equilíbrio em um mundo desvirtuado pela orientação mecanicista.
Embora a educação holística dê mais importância para a orientação transmissiva e reprodutora dessa visão, sua condição de “equilibradora” faz com que ela respeite as diferentes áreas disciplinares, de modo que as perspectivas holísticas não propõem suprimir ou diminuir essas disciplinas, pois são vistas até como algo necessário para o aprendiz. Todavia, para equilibrar, utiliza uma terceira característica: a conexão, para promover a união das matérias em busca da integração. O movimento de integração curricular ressalta a necessidade de um currículo integrado e exige uma “dissolução das fronteiras” entre as áreas disciplinares.
2. A perspectiva da natureza do aprendiz. Afirma que o trabalho educativo deve estar centrado na criança: são suas capacidades e atitudes atuais as que deverão ser exercitadas e intensificadas. È uma abordagem da “relevância pessoal”, segundo a qual é preciso proporcionar meios para que o estudante libere seu potencial.
Essa perspectiva é perfeitamente compatível com a educação holística, pois a natureza do aluno é parte essencial da posição holística da corrente de educação da “criança global”. As propriedades de inclusão, equilíbrio e conexão da posição holística proporcionam ao aprendiz a oportunidade e o ambiente para que ele desenvolva um equilíbrio entre o eu e o outro Eu, os elementos masculinos e femininos, a independência e a interdependência, e o mundo material sagrado, que são aspectos essenciais do holismo. A ênfase na conexão entre a mente e o corpo, e entre o eu e o Eu são áreas importantes em um currículo que tem a “natureza do aprendiz” como seu princípio norteador. Essa perspectiva é compatível com os modos de aprendizagem transacional e transformacional de J.P.Miller.
3. A perspectiva do instrumento de mudança social. Afirma que a educação pode conduzir a uma nova sociedade se for proporcionado aos estudantes o conhecimento e as habilidades para uma mudança social efetiva. São os movimentos de “adaptação social e reconstrução social” que enfatizam o desenvolvimento do estudante (ação) na comunidade em geral. Exemplos atuais dessa perspectiva são encontrados na educação dos direitos humanos e no currículo da educação global (Pike e Selby. 1988 apud YUS, 2002, p. 36), na exigência de mudança social de autores como Freire (1975), e no reconhecimento da educação como conflito social por meio de uma pedagogia crítica em Giroux (1990). Em sua evolução, muitos professores maduros perceberam a necessidade de abrir-se para o mundo exterior, permeando as matérias com problemáticas do mundo real, percebendo o papel da escola na reconstrução social, embora outros atuem nesse processo com uma volta ao básico e aos ensinos academicistas, não dando atenção para as manifestações dos temas sociais.
A posição do “instrumento de mudança social” é uma parte importante da perspectiva holística. Exige dos estudantes que a educação não seja somente “voltada para o serviço”, mas que consiga envolve-lo em “programas de ação social” (J. Miller, 1996 apud YUS, 2002, p. 36). Ensinar habilidades em que precisem equilibrar a independência e a interdependência, a hierarquia e a rede, o nacional, o regional e o global, são partes fundamentais do currículo holístico. A criação de uma conexão entre o eu e a comunidade, e entre o ser humano e a Terra, também proporciona metas para a perspectiva de mudança social. Essa perspectiva também é compatível, tanto com o modo de aprendizagem transacional quanto com o transformacional.
4. A perspectiva do controle efetivo. Interessa-se menos em como o currículo é apresentado do que em seu controle, regulamento e avaliação. É uma abordagem fundamentalmente “tecnológica”, que busca a “excelência” como eficiência. Os professores devem ser técnicos especialistas que saibam controlar a eficiência, seguindo os princípios básicos do currículo e da instrução de Tyler (1973 apud YUS, 2002, p. 36), e a taxonomia de objetivos de Bloom e colaboradores (1975) com a qual se pretende conseguir a neutralidade e a eficiência. É uma orientação comum em todos os sistemas educacionais, sendo especialmente exigida pelos governos em períodos de restrição econômica. Para alguns professores, o rigor das medidas adotadas em tais circunstâncias permitiu que vissem mais claramente a necessidade de um equilíbrio na educação e que se voltassem mais para uma orientação holística.
A posição de “controle efetivo” é a mais difícil de ser assumida dentro da perspectiva holística. Muitas vezes são a oportunidade política conjetural e as propriedades econômicas, mais do que o interesse nos estudantes, as que direcionam a educação pública. Os administradores de educação e do governo que supervisionam a educação, em tempos economicamente severos, exigem “taxação” em um sentido econômico, e os programas educativos “frágeis”, baseados no holismo, não podem ser justificados. Em teoria, a qualidade do equilíbrio na educação holística levaria a um equilíbrio entre a quantidade e a qualidade, entre a economia e o meio ambiente, etc. No entanto nessas circunstâncias, o que se valoriza é a eficiência econômica, por isso é um desafio manter uma perspectiva holística nesses tempos de restrições econômicas.
5. A perspectiva dos processos cognitivos. Enfatiza a necessidade de treinar mentalmente os estudantes para que saibam abordar e resolver problemas. As escolas deverão propor problemas intelectuais que desafiem os alunos a desenvolver habilidades cognitivas e, com isso, conseguir uma transferência dessas habilidades para os problemas da “vida real”. Trata-se de uma orientação defendida a partir do cognitivismo e das técnicas de resolução crítica e criativa de problemas. Qualquer professor tem consciência de que a comunidade escolar exige eficiência nos processos de aprendizagem, e que o cognitivismo trouxe luz para muitas dúvidas sobre como os alunos aprendem.
O princípio de equilíbrio da educação holística nos levaria a equilibrar a parte racional e a intuitiva das habilidades de pensamento, necessárias para que o aprendiz resolva criativamente os problemas da vida; é a chave, tanto para a aprendizagem holística quanto para a posição dos “processos cognitivos”. Enfatiza-se a conexão entre o pensamento linear e a importância do cultivo do intuitivo, mas não se deve esquecer que os processos cognitivos, assim como a imaginação e a mediação, são apropriados para abordagens holísticas e acrescentam força ao pensamento crítico linear da orientação transacional.
Enfim, a maneira transformativa pode resgatar uma imagem de crescimento individual que seja espiritualmente satisfatória e esteja profundamente conectada com a comunidade. O currículo holístico permite aos educadores realizar a compreensão científica do século XXI, retrocedendo ao mundo da natureza, da comunidade e do indivíduo, sem sacrificar nenhuma ferramenta ou elemento que precisamos para sobreviver crítica e criativamente.
Desse modo, os princípios de equilíbrio, inclusão e conexão permitem entrelaçar as diferentes perspectivas educacionais e modos de aprendizagem, mias do que tentar posicioná-las em uma alternativa isolada e excludente em relação ao saber escolar acumulado.
3.3 Objetivos Gerais da Educação Holística
Descobrir novas respostas para os desafios da época atual, pela aquisição do conhecimento científico que estabeleça pontes com a filosofia, com as tradições espirituais, com as artes.
- Recuperar a o prazer pelo processo de auto-descoberta, e a curiosidade natural pelos conhecimentos.
- Desenvolver a autodisciplina fundamentada no amor e dedicação a aquilo que se gosta.
- Estimular o cultivo pessoal dos valores universais humanos (amor, compaixão, verdade, harmonia,...) pelo contato com as tradições espirituais.
- Desenvolver no aluno uma consciência ética não dogmática – a espiritualidade.
- Cultivar e ampliar todas as potencialidades do aluno, estimulando a iniciativa, a sensibilidade, à imaginação, a criatividade, a autoconfiança, gerando um convívio social mais harmonioso e consciente.
Hoje, muitos educadores já desenvolvem suas atividades educativas com vistas a uma questão fundamental: O futuro da humanidade e da vida na terra. O movimento Educacional de Atlanta, Geórgia, EUA, GATE – Global Alliance for Transforming Education, publicou, em 1991, o documento : “Education 2000: A Holistic Perspective”, (apud Yus, op.cit), divulgado em vários países, para favorecer a espiritualidade do indivíduo, a justiça social, a paz, e o desenvolvimento sustentado. Esse documento considera o principal propósito da educação, o desenvolvimento integral do aluno. Na escola, a aquisição de conhecimentos deve proporcionar aprofundamento das relações do indivíduo consigo mesmo, com a família, com a comunidade, com o planeta, com o cosmo. A dimensão mais profunda do ser humano está na sua cidadania cósmica.
3.4 Princípios Pedagógicos da Educação Holística
O ponto inicial para caracterizar qualquer currículo ou teoria de educação é a concepção que ela sustenta sobre a função da escola, pois, tudo o que for feito numa instituição educacional deve ser orientado para a realização dessa função. Tradicionalmente, a missão da educação foi a de transmitir para a geração seguinte o conhecimento acumulado de uma cultura. A mudança social é tão rápida que o futuro não é mais previsível, e a própria juventude é impedida de criar o seu próprio futuro. Desse ponto de vista, a função fundamental da educação para o século XXI deve ser a de proporcionar aos estudantes a reflexão, os conhecimentos e as habilidades necessárias para criar consciente e deliberadamente uma visão do futuro que eles desejem. Isso requer que os estudantes sejam capazes de “aprender o que eles precisam no momento em que precisarem”, ou seja, é preciso que “aprendam a aprender”.
Para caracterizar pedagogicamente a educação holística, Clark (em Flake, 1997 apud YUs, 2002, p.40) propõe refletir sobre os princípios pedagógicos retirados do documento Educação 2000: uma perspectiva holística, elaborado pela Alianza Global para la Educación Transformadora (GATE), no Oitavo Congresso Internacional de Educadores Holísticos (Chicago,1990), que para muitos representa o esquema conceitual do que foi chamado de “paradigma holístico da educação”. O fundamental desse novo paradigma é acreditar no compromisso para a elaboração de uma nova geração global de escolas baseadas nos princípios e apropriações implícitas nessa nova perspectiva. Nos itens desse documento, o citado autor esboça os seguintes princípios pedagógicos para a educação holística:
O estudante como centro. Por suas raízes rousseaunianas, a educação holística vê as pessoas como intrinsecamente boas, como uma grandeza construída na confiança, que se manifesta de três formas fundamentais: uma necessidade de amar e ser amado, uma natureza curiosa que a leva a perseguir a verdade e o conhecimento, e uma necessidade de ser reconhecida como uma pessoa de valor. Para os educadores holísticos, a educação é um processo de desenvolvimento do interior para o exterior, um processo de auto-descoberta, de aprender a responder perguntas essenciais como “quem sou eu?”, “O que posso ser um dia?”, e “Qual é a minha missão na vida?”.
As escolas holísticas não tentam padronizar os estudantes. Querem ajudar cada criança a descobrir e a desenvolver seus próprios talentos e dotes, e desenvolve-los de maneira natural, de dentro para fora, sem pressão. A meta principal é fortalecer o crescimento do estudante por meio de sua auto-realização, e desse modo desenvolver seres humanos saudáveis e completos, que serão cidadãos ativos.
Desse modo, a educação holística está “centrada no estudante”, o que obriga a proporcionar a ele uma variedade de opções, perspectivas e estratégias para explorar seu potencial oculto, pois reconhece que a aprendizagem efetiva sempre se baseia na experiência, começando pela experiência da vida, das reflexões, compreensões e contextos dos próprios estudantes.
O alicerce dessa educação personalizada é que a educação holística reconhece a natureza multidimensional da experiência humana e respeita as necessidades emocionai/psicológicas, físicas e espirituais, assim como as necessidades cognitivas do aluno. Cada estudante é incentivado para a auto-estima, a responsabilidade pessoal e a potencialização individual. Ao envolver ativamente os estudantes nos processos de ensino/aprendizagem e considerar os professores também como aprendizes, as estratégias holísticas ressaltam o auto-conceito de todos e estimula a responsabilidade pessoal e coletiva de todos os aspectos de nossas vidas.
Como característica especial nessa opção pedagógica, à educação holística proporciona aos estudantes um sentido do significado e da ordem das coisas. Ao introduzir nos estudantes uma visão holística do planeta, da vida sobre a Terra e da comunidade mundial emergente como “contexto de significado”, as estratégias holísticas pretendem capacita-los para que percebam e compreendam os diferentes contextos que formam e dão significado para a vida.
Inteligência e pensamento. A educação holística reconhece o potencial inato de qualquer estudante para o pensamento inteligente, criativo e sistêmico. Isso inclui os chamados “jovens em situação de risco”, a maioria dos quais é aprendiz global com graves dificuldades de aprendizagem em um ambiente que enfatiza somente processos lineares e seqüenciais. O holismo assume que os únicos limites para a mente humana são aqueles que aceitamos e reforçamos.
A educação holística reconhece que a inteligência é multidimensional e podem ser expressa e valorizada em uma variedade de formas, diferentes das meramente matemáticas e verbais. Existem também formas cinéticas, musicais, espaciais, intrapessoais e interpessoais de atuar de maneira inteligente no mundo.
Uma idéia controvertida assumida pela educação holística, e que é a base do movimento de “linguagem global”, é que a aquisição da linguagem é um processo inato, intuitivo e possível de ser desenvolvido, que requer pouca, ou quase nenhuma instrução direta.
Durante muitos anos a sociedade privilegiou somente dois tipos de habilidades humanas: a capacidade lógica matemática e da linguagem. O famoso teste do QI avaliava essas habilidades, classificando e diferenciando os humanos em números, desprezando inúmeras outras capacidades. Em 1983, um pesquisador americano chamado Howard Gardner, da prestigiada Universidade de Harvard, publicou os resultados de sua pesquisa demonstrando que somos portadores de múltiplas inteligências. Além da verbal-lingüística e lógico-matemática, há também a corporal-cinestésica, a musical, a visual-espacial, a intrapessoal, a interpessoal e mais duas que foram recentemente mencionadas pelo pesquisador e estão sendo estudadas, a naturalista e a espiritual-existencial. Ele afirma que essas inteligências podem ser aumentadas se receber estímulos coerentes e serenos em momentos específicos. Mostrou ainda que esses estímulos estejam ao alcance de todas as pessoas que se disponha a proporcioná-los.
Com o estudo, Gardner apontou o caráter democrático das inteligências, com a sentença de que todos nascem com todas essas inteligências. O que faz a diferença é o estímulo que é dado a elas para se desenvolverem.
Ensino e aprendizagem. A educação holística se desenvolve como um processo sistêmico. As estratégias holísticas não são hierárquicas e fechadas. Estão formuladas para fazer com que os esforços de estudantes e professores sejam produtivos e que seus pontos fracos sejam irrelevantes. Esses processos estão formulados para incentivar o autoconhecimento e a auto-descoberta, ressaltando a auto-estima e a potencialização individual, e para estimular a imaginação, a simplicidade e a criatividade individual e coletiva.
Essa educação é flexível. Em vez de um conteúdo curricular pré-determinado, o professor proporciona estratégias e orientações dentro de cada idade, e o conteúdo curricular de cada situação específica pode ser obtido localmente.
Por outro lado, a educação holística reconhece que a relevância é o melhor motivador para a aprendizagem. Assim, o professor assume a responsabilidade com a aprendizagem de qualidade dentro e fora da sala de aula, selecionando e organizando informações que sejam mais relevantes para os alunos. Por isso, os estudantes têm uma voz significativa na determinação, tanto do conteúdo quanto da metodologia de ensino/aprendizagem.
Para conseguir tal relevância, a educação holística procura assumir as próprias estruturas administrativas, com o objetivo de criar um clima que apóie a iniciativa individual e reflita o conhecimento, as habilidades e os interesses de professores e estudantes. Por isso, em uma escola holística todos os sistemas administrativos apóiam firmemente a participação responsável.
Conhecimento. A educação holística ressalta a qualidade do conhecimento, das idéias e respostas, mais do que a quantidade de detalhes a lembrar. Com a aprendizagem da seleção de uma informação de qualidade, os estudantes e professores podem, literalmente, “saber mais com menos” informação.
Um aspecto essencial do conhecimento é seu caráter contextualizado. A educação holística reconhece que todo conhecimento é criado dentro de um contexto cultural e que os “fatos” raras vezes são mais do que pontos de vista compartilhados. Quando os fatos são apresentados como “verdade objetiva”, é como se não tivessem relação com a vida real.
Isso não significa que a educação holística não assuma a existência de um corpo de conhecimentos que toda pessoas alfabetizada deve aprender e que, portanto, toda escola deve ensinar. Entretanto, o singular na educação holística é que esse assumir não implica que o conhecimento deve ser encontrado necessária ou exclusivamente nos livros didáticos ou nas explicações do professor, embora admita que estes, usados de maneira apropriada, podem oferecer recursos materiais e pessoais importantes para o ensino e para a aprendizagem.
Currículo. O currículo, da perspectiva holística, é visto mais como um “meio” do que como um fim em si mesmo. Os professores não procuram fazer com que os alunos sejam os primeiros do mundo em matemática, ciências, ou em qualquer outra disciplina. Faz-se uma tentativa de proporcionar a cada criança um currículo personalizado que alimente seus interesses, talentos e inteligência.
Como a educação holística reconhece que o pensamento e a aprendizagem são processos sistêmicos que envolvem o cérebro em sua totalidade, esforça-se por situar o conteúdo escolar dentro de um contexto que sirva como um esquema de referencia para a compreensão e a aprendizagem de informação detalhada. Assim, essa educação, “compatível com o cérebro”, ressalta mais o contexto do que os resultados desses processos, e o conteúdo padronizado.
O currículo holístico deve incentivar a transferência da aprendizagem de todas as áreas disciplinares, constituindo autênticas pontes conceituais estendidas sobre as distâncias que separam as disciplinas acadêmicas no passado, ajudando a estabelecer uma visão mais globalizada. Esses conceitos e princípios proporcionam um poderoso esquema conceitual como contexto para a seleção e organização de informação relevante para o tema em questão.
Do mesmo modo, o currículo holístico incentiva a intuição, a imaginação e a criatividade. Em vez de centrar-se em respostas “corretas”, incentiva os estudantes a explorar questões reflexivo-provocativas que estão carregadas de valor. Essas questões semi-abertas estimulam as capacidades inatas dos estudantes para abordar assuntos, temas e problemas a partir de um amplo leque de perspectivas: individual, cultural, nacional e global.
A educação holística incentiva à aprendizagem cooperativa. Reconhece que raras as vezes existem respostas “corretas” simples, de modo que os estudantes são incentivados a compartilhar idéias e experiências conforme exploram muitas e variadas respostas para cada questão. Quando trabalham cooperativamente, aprendem logo que, geralmente, “duas cabeças (ou mais) pensam melhor do que uma”.
Para ajudar a perceber essa diversidade de pontos de vista, a escola holística se esforça em criar um clima de apoio e respeito com a diversidade. Desse modo, os estudantes aprendem rapidamente que para as questões mais fundamentais da vida não existe uma resposta simples que seja apropriada para todos. Com o mencionado enfoque sobre o contexto, os estudantes aprendem a perceber as diversas influências que formam suas perspectivas individuais e coletivas.
Essa visão reconhece e respeita a diversidade humana. Aceita a recente pesquisa que desafia o mito do quociente intelectual (QI). Sabemos agora, por exemplo, que cada pessoa possui uma única série de inteligência, talentos e dotes que estão intrinsecamente interligados, são limitados e não podem ser medidos (toda pessoa pode ser um gênio em potencial).
Vemos que, quando uma escola se adapta às necessidades dos estudantes individuais antes que ao currículo e às necessidades econômicas, coisas espantosas acontecem. Começamos a ver a natureza ilimitada da potencialidade humana, geralmente em formas inesperadas. Essa abordagem requer que crianças, pais e professores trabalhem juntos na unidade e no amor. O tempo extra e os esforços são pagos com o crescimento de todos.
A escola como organização. A educação holística reconhece que como organização, a escola se comporta como um sistema vivo. Como o mais importante dos princípios organizativos dos sistemas vivos é a interdependência, a organização não pode ser compreendida ou descrita somente em termos de suas partes, mas unicamente em termos das relações existentes dentro dela, e entre ela e o ambiente externo.
Deste modo, em uma escola holística a organização deve ser conjugada com os princípios de companheirismo, evitando os princípios hierárquicos. Por outro lado, as estruturas são flexíveis, as definições dos papéis são funcionais, o poder é distribuído de acordo com que se necessita, e a tomada de decisões é de natureza participativa.
Por mais paradoxal que possa parecer nas escolas holísticas o papel dos professores e dos estudantes é, em certo sentido, contrário. Os professores se tornam aprendizes, e os aprendizes professores. Toda pessoa na escola é um professor, e o adulto que educa deve ser uma pessoa que atua no papel de um aprendiz-modelo que inicia perguntas interessantes e convida os estudantes a se unirem. Por outro lado, eles colocam os estudantes em uma situação apropriada para que tenham os primeiros encontros com o mundo real da natureza, das pessoas, da ciência e da indústria.
Como sistema vivo, a escola holística é parte integral e responsável de uma comunidade mais ampla. Dentro dessa perspectiva, a comunidade é vista como uma extensão do ambiente de ensino e aprendizagem, de modo que o sucesso da escola depende das interações ativas nos vários níveis entre a escola e a comunidade.
Embora a educação não anule o indivíduo, pois procura valorizar a conquista individual, também reconhece que um ambiente colaborativo e cooperativo ressalta a aprendizagem efetiva e cria algumas relações humanas positivas. Por isso, nas escolas holísticas a competição se restringe as situações em que seja estritamente necessária, como nas competições de atletismo.
Esse ambiente cooperativo faz parte de um estímulo geral para a participação democrática. Isso significa que existe participação plena das pessoas diretamente envolvidas nos diferentes níveis de tomada de decisões. Nas escolas holísticas, esses processos participativos respeitam e incorporam os interesses, as habilidades, as aspirações e as necessidades daqueles grupos que na escola tradicional são silenciados pelas hierarquias, como ocorrem com os estudantes e os próprios professores. Isso significa que dentro de algumas orientações gerais de lógica transparência para a comunidade, cada escola é auto-reguladora, auto-diretora e auto-avaliadora; isto é, reflete seus recursos e potencialidades únicas.
A noção de cooperação e participação inclui os pais e as mães dos estudantes. A escola holística reconhece que os pais são co-criadores dos processos educativos, devendo ser incentivados a participar ativamente na vida da escola, como co-educadores, como ajudantes, como visitantes observadores. Os pais trabalham não como voluntários, mas como parceiros dos professores para ajudar os estudantes a crescer na grandeza pessoal. Por isso, a porta está sempre aberta aos pais.
A participação seria meramente formal se a escola não fosse dirigida democraticamente. Isso significa que tanto os estudantes quanto os pais e professores têm voz e voto na tomada de decisões, favorecendo, com isso, um sentido comunitário.
Dentro do esquema de organização, também se contempla o acesso e o uso de recursos. Sobre isso, a educação holística reconhece que o único propósito dos recursos é apoiar e reforçar os processos educativos, isto é, proporcionar aos professores e alunos as ferramentas e o clima necessários para incentivar o pensamento independente e a aprendizagem. Os recursos substituem o papel da interação pessoal, mas bem utilizados podem aumentar e facilitar as trocas da informação na escola.
Direção. A educação holística reconhece que a tarefa primeira de um diretor é a de uma liderança efetiva, baseada na supervisão do projeto educativo geral da escola, de modo que seja compreensiva, procurando abranger os ambientes interno e externo, assim como as interações entre os dois domínios. O trabalho administrativo deve ser visto em segundo plano, buscando nele a direção do fluxo dos recursos e a informação necessária para aplicar essa visão.
Como a educação holística está centrada na pessoa, o diretor deve incentivar que cada uma delas faça o melhor que sabe fazer, e não esperar que elas atuem em áreas em que não são competentes. Reconhece que toda pessoa apóia aquilo que contribuiu para criar. Baseado na óbvia verdade de que a “relevância” é o melhor motivador para a efetividade, o diretor deve assegurar que todo mundo tenha voz nas decisões que configuram sua participação e seu envolvimento na escola e em seu programa.
A educação holística considera que o diretor que adota essa postura se transforma no eixo central da escola e no facilitador de uma rede de relações entre educadores, pais, estudantes e membros da comunidade, de maneira que todos eles se sintam responsáveis pelo sucesso da escola. No entanto, a direção é um elemento próprio de sistemas hierarquizados, por isso devem-se encontrar alternativas de direção bem mais apropriada nas estruturas abertas e horizontais, como podem ser formas de direção mais colegiadas, capazes de realizar a mesma função incentivadora ou catalisadora.
Conteúdos. O tipo de conteúdos está implícito na função da escola holística. Esses conteúdos são estabelecidos em termos de reflexões, conhecimento e habilidades requeridas para aprender a aprender. São intencionalmente amplos porque representam aprendizagens fundamentais que, uma vez dominadas, se tornam a base da aprendizagem que se precisa ter. Os resultados de aprendizagem incluem, embora não de forma limitada, os seguintes aspectos:
A reflexão principal. A reflexão principal requerida pela nova missão educativa se baseia na compreensão fundamental da conectividade dos fatos. Essa reflexão reconhece a natureza interdependente do universo, em que todos os seres vivos dependem uns dos outros para sua existência, bem-estar e desenvolvimento. Compartilha por todas as grandes tradições religiosas do mundo, essa reflexão parece ser intuitiva na experiência humana. Essas tradições também compartilham a ética pragmática que nasce desta reflexão: se tudo está conectado com tudo, então, o único comportamento racional é fazer aos outro aquilo que você quer que os outros façam a você. Uma vez que nossa interdependência é reconhecida, torna-se evidente que a vida neste século exigirá altruísmo, compaixão e amor, atributos que incentivem a capacidade para respeitar a unicidade pessoal, estimular a capacidade humana, promover os direitos humanos por meio de exercício responsável das liberdades pessoais e tornar possível um ambiente sustentável.
A base de conhecimento. A base de conhecimento para essa nova missão educativa é o tipo de conhecimento que vem de uma compreensão da conectividade dos fatos. É o conhecimento do tipo “grande quadro” que permite a uma pessoa conhecer mais com menos informação. Esse núcleo de conhecimento de sistemas globais, o conhecimento contextual, os conceitos e princípios fundamentais, o conhecimento intuitivo, etc.
As habilidades. As habilidades são comitantes ao conhecimento acima exposto. São as habilidades exigidas para aprender o que umas pessoas precisam aprender. Isso inclui competência em leitura, escrita e matemática; pensamento crítico e tomada de decisões; habilidades interpessoais e intrapessoais de comunicação, cooperação, resolução de conflitos, pensamento auto-reflexivo e auto-avaliativo; capacidade de se tornar aprendiz independente, etc.
Avaliação. A educação holística reconhece que o propósito único da avaliação é proporcionar a retro alimentação necessária para incentivar a competência por meio do autoconhecimento. Como uma das metas da educação é aprender a avaliar corretamente a si mesmo e seu trabalho, a educação holística fomenta características, tais como a avaliação cooperativa, auto-avaliação, o portifólio e a demonstração como modos de avaliação de maior alcance e exatidão.
Em uma escola holística, os estudantes são avaliados pelo crescimento na grandeza pessoal para amar, ser amável e se comunicar; para crescer em seus talentos e dotes únicos; para crescer no poder de seu questionamento pessoal. As provas padronizadas e os diários de qualificações não são usados. Os estudantes não são comparados uns com os outros; não são rotulados de nenhuma maneira (por exemplo: “superdotado”, “incapacitado”, “em situação de risco”). Os estudantes mostram seu trabalho por meio de portifólios, projetos, demonstrações e discussões, um a um, com professores, com outros alunos e com os pais.
Por outro lado, como a educação holística procura cobrir todas as dimensões da pessoa, dentro do conceito de educação integral, o objetivo da avaliação é a pessoa global e não exclusivamente seus conhecimentos e habilidade acadêmica. Isso requer a utilização de instrumentos não-padronizados que determinem dimensões, tais como o desenvolvimento de atitudes e valores e aspectos mais espirituais, como a compaixão, a criatividade, a intuição, a fantasia e a espiritualidade em geral; aspectos que não são levados em conta na escola convencional (Yus Ramos, 2000 apud YUS, 2002, p. 46).
Assim, em uma escola holística, os estudantes alcançam a excelência de modos bem diversos: com trabalhos individuais em arte, música, ciência, matemática, geografia, escrita, desenho, política, eletrônica, para nomear somente alguns. Os alunos de escolas, com uma perspectiva centrada no estudante, desenvolvem um caráter e uma auto-imagem forte, fazem o que é preciso para evitar o abuso de drogas e o sexo antes do casamento. Esses estudantes raramente deixam à escola antes de uma graduação personalizada. Eles entram então, na força do trabalho ou se aliam a colegas de sua própria escolha, mostrando aos administradores do colégio universitário que eles têm a “matéria-prima” para serem estudantes vencedores.
3.5 O Encontro: o “ser” Educando com o “ser” Educador
O centro energético que impulsiona o processo de aprendizagem nesta metodologia holística é o encontro entre os dois seres envolvidos. É quase imperceptível quem conduz e quem é conduzido. Nem por isso se prega a não diretividade. Para que essa dinâmica aconteça é preciso que saia só do campo intelectual e vá para o plano da sensibilidade, dos sentimentos, das emoções. O equilíbrio entre o intelectual e o afetivo é fundamental nesta prática de ensino.
Educando: Cada aprendiz é um hólon: Uma totalidade única, com capacidade e necessidades específicas, a que o professor deve atentamente atender. A educação deve proporcionar um encontro do educando consigo mesmo, mas para que se realize humanamente é preciso também, haver o encontro com o outro. A classe é aquela comunidade onde se exercita a amizade, solidariedade, e o respeito às idiossincrasias, do desenvolvimento da liberdade com responsabilidade. Assim, emerge uma autodisciplina espontânea, cita Cardoso (1995), que não se norteia por leis formais e preestabelecidas, mas por normas construídas dentro pela própria comunidade. O comportamento que comprometer a boa convivência comunitária será o “indisciplinado”. Se isso ocorrer sistematicamente, trará uma reflexão sobre as causas individuais e contextuais. Lembra Cardoso (1995), que nem a punição tradicional e nem a impunidade são educativas. É direito de a comunidade cobrar dos indivíduos participantes a responsabilidade sobre seus atos, sempre no sentido construtivo de que: quem destrói deve construir, quem suja deve limpar, quem ofende deve reconciliar.
Educador: Crema (1991), no seu livro Visão Holística em Psicologia e Educação cita algumas características necessárias para que o “facilitador holocentrado” alcance a maestria:
Inclusividade: É considerar as inúmeras facetas do ser humano, e da realidade. Tudo tem múltiplos aspectos. Nada é insignificante: um sorriso, uma lágrima, um olhar, um simples gesto. Incluir é abrir-se e estar atento a tudo o que está dentro e fora de nós.
Inocência: O nosso processo de aculturação nos faz perder a beleza interior, a espontaneidade e simplicidade infantil. Recupera-las é se colocar no caminho da sabedoria. Sem cair no campo da ingenuidade, a meta é se “desarmar”, captar a fluidez natural da realidade.
Espaço Interior: Estar cheio de teorias e verdades prontas vai sufocar e inibir o educando. Ele precisa de ar, espaços vazios, para se mover e preencher, expressando com suas próprias convicções as suas verdades. Para facilitar este auto-desenvolvimento do educando, o educador precisa ter alcançado algum silêncio, esvaziamento interior. Precisa ter desapego das teorias, dos métodos, das técnicas. Deve esvaziar as mãos, estar aberto às possibilidades do conhecimento e da vida.
Flexibilidade: A vida é flexível, a morte é rígida. A atitude holocentrada é flexível. As concessões e recuos devem acontecer dentro da dança do Yang e do Yin, como é na vida: expansão e recolhimento. O exemplo chinês é sábio: O vendaval quebra o tronco forte, mas não derruba o ramo frágil. O processo ensino aprendizagem deve fluir naturalmente, mas sem sair da rota correta.
Plena Atenção: Estar sempre atento ao presente. Que o lugar e tempo onde ocorre o processo vital concreto, o encontro existencial com o educando. Esta atenção no momento presente permite que respostas criativas resolvam os desafios da aprendizagem.
Humor: Ambiente alegre e lúdico é imprescindível. A educação tradicional contrapôs as virtudes da dedicação, responsabilidade, atenção com as da alegria e descontração. São tidas como incompatíveis. O sorriso é a expressão simples de felicidade por estar vivo.
Vocação: Essa não deve ser vivida como mera profissão, para ao simples recebimento do salário, mas deve incorporar seu papel existencial, vocacional, sem que a dimensão profissional seja abandonada.
Paciência: É saber respeitar o ritmo da própria vida. O ritmo de cada um, em sua aprendizagem. O caminhar lento e profundo traz mais sabedoria. Qualidade do que se aprende é mais importante que quantidade. A noção do tempo é necessária para não se atrasar nem antecipar a aprendizagem.
Humildade: Dizer eu sei ou eu não sei com autenticidade e naturalidade, sem problemas. Onipotência é querer mudar aquilo que não pode ser mudado. O impotente, por outro lado, aceita até aquilo que pode ser mudado. Sabedoria, para São Francisco de Assis, cita o autor, está na atitude de potência, ou seja, de discernir entre uma coisa da outra.
3.6 - A Docência Holística
Em capítulos anteriores vimos às características que mais definem um currículo holístico. De certo, qualquer mudança curricular que se queira realizar nas instituições escolares passa pela consideração dos profissionais responsáveis por implementá-las ou, melhor dizendo, de elaborá-la e de pesquisá-la, isso se o que queremos é ampliar uma concepção docente que vá além do mero papel técnico que tradicionalmente lhe foi designado. Um currículo holístico exige um modelo de educador que admita e viva os princípios do holismo, embora esse perfil possa ser causa e conseqüência desse currículo, pois um profissional holístico “se faz” com a prática do holismo. Nessa parte, veremos o papel que desempenhariam os responsáveis pela direção de uma escola, dando a ele novas dimensões que nos levariam a um modelo holístico de direção escolar.
Temos consciência de que uma mudança educativa nesse sentido significa uma importante mudança nas perspectivas dos cidadãos, administradores e dos próprios educadores. Ao longo da história, todas as grandes mudanças exigiram uma transformação do pensamento, da visão ou da interpretação da realidade, isto é, aquilo que se costuma chamar mudança de paradigma. Portanto, sem menosprezar as mudanças sociais e políticas necessárias para iniciar uma reforma profunda da educação, primeiro é fundamental uma mudança nas crenças dos professores e da cidadania em geral, o que possivelmente exija passar por várias gerações.
3.6.1 - Características dos Professores Holísticos
Toda proposta educativa traz um modelo de profissional da docência. Ao falar de currículo holístico, é pertinente considerar as qualidades (competências, atitudes e valores) dos professores que serão os encarregados de algumas finalidades educativas que, em essência, são uma alternativa ao sistema educacional convencional, um sistema que, inclusive hoje, é o que formou os professores, primeiro como aluno e depois como profissional. Vejamos algumas das propostas feitas em relação a essas qualidades.
O professor como profissional.
Clark (1997 apud YUS, 2002, p. 234) considera que uma mudança de paradigma na educação exige uma mudança naquilo que os professores assumem sobre a natureza da inteligência, do pensamento e do aprendizado. Em seu nível mais fundamental, significa mudar a percepção do professor como um profissional.
Até agora os professores tiveram pouca influência nas decisões profissionais mais importantes. Embora formados como profissionais, os professores Têm pouca voz na seleção do que irão ensinar e, exceto dentro dos limites estreitos, sobre como irão ensinar. Para muitos, uma das principais funções das escolas em nossa sociedade é a de custódia, por isso a primeira responsabilidade da maioria dos professores é ser um efetivo cuidador de crianças e controlador da sala de aula. As responsabilidades incluem elementos tão diversos como a disciplina, a coleta de dinheiro para o almoço, o chamar a atenção, o manter os estudantes sentados e ocupados com um trabalho ou com provas, o entreter os estudantes e dar seminários. Acima de tudo, o professor deve manter os estudantes tranqüilos, de modo que o centro de atenção ainda esteja no controle.
A idéia fundamental do paradigma holístico é a de que os professores são profissionais. Clark (1997 apudYUS, 2002, p. 234) sugeriu isso, e compreende quatro qualidades que caracterizam todo profissional:
Visão: Os professores compartilham ideais comuns sobre o que é um bom ensino e um aprendizado efetivo. Eles têm uma visão, e sua frustração declarada é perceber sua incapacidade de fazer com que a visão seja uma realidade.
Formação: A maioria dos professores já adquiriu o conhecimento fundamental e as habilidades necessárias para ser um profissional. A maioria deles tem conhecimentos e habilidades que não chegaram a usar.
Responsabilidade: Caminha lado a lado com a propriedade, pois em nossos sistemas a propriedade proporciona a melhor motivação para o sucesso. Profissionalmente, a propriedade implica a participação completa nas decisões que influem no trabalho de alguém, é disso que se deriva o assumir responsabilidades.
Prestar Conta: Inerente à participação e ao assumir responsabilidades está à obrigação de prestar contas. Até que não se permita que os professores assumam responsabilidades não será possível um sistema de prestação de contas autenticamente profissional.
Além do reconhecimento do profissionalismo, os professores devem deixar de ser aqueles que dão informação e conhecimento para ser um “jardineiro”, cuja responsabilidade é nutrir o crescimento das crianças de forma a permitir que o potencial inato de cada uma delas floresça e dê frutos.
Uma resposta popular atual para a necessidade de melhorar o ensino é a exigência de tempos de prática sob a tutela de professores especialistas. Ainda que essa idéia tenha seu mérito, Clark considera que é mais produtivo dar tempo aos professores para que pensem, compartilhem idéias e escrevam com seus colegas. Infelizmente, o ensino é percebido com tal independência e função isolada que poucos professores esperam que as escolas proporcionem a eles esse tempo de trabalho cooperativo com seus colegas.
Exigências para os professores holísticos.
Para J.Miller (1996 apud YUS, 2002, p. 235), o currículo holístico tem suas raízes na consciência de professores e de professoras que são autênticos e atentos. Embora respeite as listas de qualidades que todo educador deve ter, o autor prefere centrar-se em apenas algumas. Em seu livro The holistic teacher, de J. Miller (1993 apud YUS, 2002, p. 235), encontramos quatro características básicas para os professores holísticos:
Autenticidade. Existem várias formas de autenticidade (psicológica moral e holística). Essa qualidade foi destacada por filósofos do existencialismo como Kierkegaard e Heidegger. Rogers também acredita que, se os professores irão estimular o crescimento dos estudantes, eles devem ser coerentes. A atitude mais essencial na facilitação do aprendizado é o realismo ou a autenticidade. Desse modo, os professores deveriam ser reais ou autênticos em suas comunicações com os estudantes (coerência psicológica). Outra forma de autenticidade é viver de acordo com os valores morais próprios, isso é o que Miller chama coerência moral. Em cursos de formação permanente de professores, percebem-se, com freqüência, comportamentos entre professores que eles não tolerariam em seus próprios alunos. É importante que os professores estejam preparados para fazer as mesmas perguntas que eles fazem aos estudantes. Os estudantes, principalmente os adolescentes, são muito sensíveis às incoerências entre o que seus professores dizem e fazem. Finalmente, Miller distingue outra modalidade: a coerência holística, que diz respeito ao estar de acordo com o centro da pessoa. O professor holístico ensina a partir de seu Eu (eu superior), de acordo com a profundidade com que elabora sua vida. Desenvolvendo sua vida interior, os professores podem estar mais em contato, ou ser coerentes, com o sentimento moral. A coerência psicológica, a moral e a holística são importantes na educação holística.
Atenção. Ser holisticamente autêntico implica dar atenção; se percebemos a conectividade com os demais, então será inevitável atende-los. Nossas escolas estão passando por uma “crise de atenção”, pois os estudantes e os professores são brutalmente atacados, verbal e fisicamente. De novo, essa crise reflete a fragmentação da sociedade e das escolas. Não é responsabilidade de o professor envolver cada estudante em uma relação interpessoal profunda, entretanto o que um professor pode fazer é estar total e não seletivamente presente diante de cada estudante quando se dirige a ele. Isto é, os professores deveriam simplesmente aprender a “estar” com os estudantes, pois eles também podem mostrar sua atenção com a matéria acadêmica em função dos interesses dos estudantes, muitas vezes eles responderão envolvendo-se mais diretamente em sua matéria.
Thayer-Bacon (1998 apud YUS, 2002, p. 236) estudou em profundidade esse importante atributo para a profissão docente, desenvolvendo um método para identificar os professores atentos. Para tanto, procurou encontrar uma definição aceitável de professor atento. Encontrou que a palavra “atenta” tem muitos significados. Quando essa palavra era vista como uma qualidade pessoal, significava qualidades como alguém com senso de humor, intuitivo ou sensível; um significado mais centrado nos sentimentos do que no pensamento. Somente podemos afirmar que somos atentos se estabelecemos com sucesso algumas relações de atenção com os estudantes. Os alunos definem a “atenção” em termos de “prestar ajuda” e “carinho”, e os professores atentos como àqueles que “valorizam a individualidade, mostram respeito, são tolerantes, se esforçam em explicar, verificam a compreensão, estimulam e planejam atividades divertidas”. Os professores definem a “atenção” em termos de procurar ser próximo e receber bem os estudantes, colocar sua ênfase no processo de aprendizagem e em aprender conceitualmente, oferecendo aos estudantes um visto de aprovação sobre que estão aprendendo, de forma que possam sentir-se envolvidos no aprendizado, e se interessar por fazer com que suas aulas tenham um ambiente de segurança e de apoio.
Em suma, por atenção, Thayer-Bacon não quer significar a atenção com a outra pessoa, tal como ter carinho ou amar alguém, embora certamente se uma pessoa tem afeto ou carinho por alguém ele ou ela também lhe de atenção como alguém especial. Não temos por que gostar ou amar os demais para dar atenção a eles. As pessoas precisam desenvolver a habilidade de serem receptivas e abertas com as outras e com suas idéias, dando-lhes atenção, escutando-as e considerando suas possibilidades. Dar atenção não significa que as pessoas tenham de concordar com os demais. Dar atenção significa que as pessoas possivelmente estão mais completamente abertas a ouvir os demais. Atender uma pessoa ou as idéias de uma pessoa requer respeitar os demais como pessoas independentes e autônomas (idéias, outras formas de vida, etc.), merecedoras de atenção. É uma atitude que dá valor aos outros demonstrando que eles são importantes por meio de uma atenção sérias e calorosas. Por isso a importância de uma atitude de aceitação e confiança, de inclusão e de abertura.
Cuidado. O cuidado é a terceira característica. J.Miller (1993 apud YUS, 2002, p. 237) afirma que o cuidado não é uma técnica, ele faz parte de nosso ser. Sem ele, seríamos conduzidos por meio dos movimentos. Realmente, acredita-se que é uma das virtudes profissionais, é um compromisso com a ética do cuidado. Essa qualidade não pode ser ensinada nem ordenada, ela se desenvolve independentemente de uma crença na conectividade com os demais e pode ocorrer na sala de aula (e na escola) que está tornando-se uma comunidade.
Pensamento Holístico. A quarta característica de um professor holístico é que deve demonstrar o mesmo pensamento e a mesma ação holística que eles esperam de seus alunos e colegas. Na organização da aprendizagem de Senge (1990), cita no seu livro A Quinta Disciplina, que o líder (nesse caso, o professor) também deve querer aprender. O líder deve estar disposto a reconhecer e a compartilhar a incerteza, a abraçar o erro, a obter conhecimento de si mesmo. Foi a isso que se chamou “a nova competência” dos líderes e que faz parte da quarta estratégia para o “novo” líder, chamada de “o desenvolvimento do eu”. Também é necessária uma disposição para abrir-se aos demais e, desse modo, ser vulnerável, o que significa correr risco. Isso é algo necessário para a criação de uma comunidade de aprendizado. A construção de uma “organização de aprendizagem” precisa de abertura participativa e abertura reflexiva década pessoa especialmente do líder.
Os Professores da Escola Waldorf.
Um exemplo de professores holísticos é do movimento da escola Waldorf. Trostli (em Flake, 1998 apud YUS, 2002, p. 237) parte da consideração de que durante os primeiros sete anos as crianças estabelecem a base de sua relação com o mundo que as rodeia. De seis ou sete até os quatorze anos, elas empreendem um imenso processo de crescimento interior e começam a descobrir o mundo por elas mesmas. Enquanto a criança pequena aprende primeiro a partir de seu ambiente e por imitação das palavras, gestos e ações daqueles que a rodeiam, a criança da escola elementar aprende por meio de sues sentimentos ou de quem a ensina. Rudolf Steiner, fundador da Escola de Waldorf, enfatizava a importância de cultivar esse elemento de sentimento com os professores na vida da criança, de forma que propôs que as crianças do ensino básico tivessem um professor-tutor durante um bom número de anos, o ideal seria que fosse do primeiro ao oitavo ano. Apesar de aprenderem também com professores especializados em línguas estrangeiras, música, trabalhos manuais, educação física, etc., o professor-tutor é o único que trabalha com uma classe durante um longo espaço de tempo.
Para Trostli e outros educadores da escola Waldorf, as crianças entram na escola elementar com uma energia imensa e com uma fé sem limites nos indivíduos que estão diante delas. As crianças pequenas normalmente sentem uma conexão natural e profunda com seu professor porque este aparece como uma representação da humanidade que, dia-a-dia, levará a classe a explorações mais amplas do mundo. Por seu interesse sincero em cada criança e seu entusiasmo autêntico com cada disciplina, o professor prova a si mesmo que é digno da confiança e do amor que as crianças lhe dão.
As crianças são muito perceptivas e reconhecem os esforços do professor quando este procura conhecer-se superar seus defeitos. Desse modo, as próprias crianças ajudam os professores em suas tarefas internas: por meio de suas respostas, nossos sentimentos para com eles se transformam, e nossa relação com eles se enriquece. Muitos professores experimentam uma enorme conexão com aquelas crianças com as quais tiveram mais dificuldades.
Através dos anos, o professor-tutor usa qualquer oportunidade para desenvolver na criança o sentido de unidade e de interconectividade do mundo e do conhecimento. Ele ensina cada disciplina ligando-a com as outras, desenvolve e estabelece conexões entre elas. Embora deva trabalhar para conseguir uma base sólida de conhecimento em todas as matérias, o professor-tutor não precisa ser um especialista em qualquer área. Não é fato de ser um especialista, mas o interesse do professor e o entusiasmo com a matéria que inspira seus estudantes. Muitos professores percebem que conseguem ensinar melhores aquelas disciplinas em que eles têm menos experiência prévia, porque é pelo seu próprio processo de aprendizado que entra um ingrediente mágico em seu ensino.
Outra questão importante dos professores das escolas Waldorf, assinala Trostli, para preparar os estudantes para serem cidadãos do século XXI, é a necessidade de transformar a profissão de ensino em uma arte de educação. Nesse sentido, estabelece uma diferença importante entre “ensinar” e “educar”. Pra Trostli, “ensinar” (to teach) vem do verbo do antigo inglês taecan, que significa “mostrar, apontar, instruir”. Esse verbo do antigo inglês tem uma conotação do inglês moderno na palavra “sinal”, “signo”, “símbolo” ou “marca”. O verbo “educar” vem do latim ex ducere, que significa “levar para fora ou levar adiante”. Se uma pessoa busca realizar essa linha de pensamento que vai além dos significados literais da palavra, pode ver que o professor é essencialmente alguém que ensina, aponta ou instrui. Em compensação, o “educador” é alguém que leva a criança para além do que ela vive, ou alguém que leva a criança para algo mais na vida. Um professor vê a criança como um recipiente que precisa ser preenchido, uma tabua rasa em que as linhas de aprendizagem devem ser escritas; um educador vê a criança como um ser de capacidades não-desenvolvidas, que pode ser nutrido de forma que possa ter seu lugar adequado na vida.
Trostli considera que as crianças da escola de hoje, que serão adultas no século XXI, viverão em um mundo onde muito do que experimentamos no século passado será obsoleto. Para isso, não podemos prepará-las para entrar em uma nova era ensinando-lhes do modo que estamos fazendo. Devemos prepará-las para nutrir-lhes a habilidade de trabalhar adaptando-se ao que o futuro possa trazer-lhes. É claro que os estudantes das escolas Waldorf devem desenvolver-se além dos prazos, com conhecimento profundo das disciplinas de estudo, e certamente damos a eles as habilidades e os recursos necessários para ter êxito em seus estudos e em suas carreiras futuras, entretanto, se as escolas Waldorf devem preparar os estudantes para viver no século XXI, elas devem ir além dessas tarefas imediatas de escolaridade e se esforçar para educar capacidades que possam amadurecer e possam servir aos estudantes em situações inimagináveis no futuro.
A educação de capacidades como: o pensamento lógico e criativo, o autoconhecimento, o sentimento profundo, a compaixão, a vontade de agir tanto para si quanto para a Humanidade e a Terra, não se conseguem somente com nosso currículo e nossos métodos de ensino, mas, também, com a atitude com que os professores se aproximam dos processos de educação de educação em si. O educador holístico percebe a educação como um processo de crescimento interior promovido pelas relações dos estudantes com seus professores e com seus colegas, sua exposição a um currículo rico, e seu trabalho nas artes e nas esferas práticas da vida. A maioria dos graduados das escolas de Waldorf testemunha o fato de que a educação que recebera teve uma importância vital em suas vidas e reconhece que isso vem dos valores de seus professores, do respeito fundamental dos professores com a individualidade de cada criança, e da vontade dos professores de servir a cada criança e atender suas necessidades.
Finalmente, Trostli conclui que toda forma de educação somente pode ir tão longe como aqueles indivíduos que a praticam. A filosofia mais profunda, o currículo mais interessante e os métodos de ensino mais inovadores não podem ter êxito se os indivíduos que trabalham na escola não estão tentando conhecer-se. Os professores holísticos procuram, de maneira consciente e constante, desenvolver-se e transforma-se em indivíduos autoconscientes e compassivos para que possam traduzir suas idéias em ideais e seus ideais em realidade.
3.6.2 - Modelos Transformacionais de Formação dos Professores
A era industrial está terminando. Assim, conforme cresce a consciência da enorme profundidade de nossa crise ecológica, social e espiritual, começa a surgir à necessidade de uma civilização global. Nessa cultura emergente, a educação terá um papel muito diferente daquele que desempenhou nos dois últimos séculos. A educação precisará estimular e favorecer o desenvolvimento mais completo das habilidades humanas por seu próprio interesse, não para o benefício de interesses corporativos ou políticos. Precisará reconhecer-nos com nossas fraquezas humanas em todas as partes do mundo (educação global) e com todas as demais espécies com as quais compartilhamos esse precioso planeta (educação ambiental ou “verde”). Para R. Miller (em Flake,1998 apud YUS, 2002, p. 239), nenhuma das “reformas” na formação dos professores aborda seriamente esse paradigma holístico emergente, por isso a necessidade de um modelo inteiramente novo. Vejamos as características desse novo paradigma de formação de professores.
Um Novo Paradigma de Formação de Professores.
Hoje se conhece um número significativo de bons programas centrados nos estilos de aprendizado, na psicologia transpessoal, na educação humanística, ou nas escolas alternativas. No entanto, ainda estamos longe de dispor de um programa completamente desenvolvido, compreensivo e integrado que forme educadores holísticos para as escolas do século XXI. Segundo R. Miller (1993 apud YUS, 2002, p.240) um programa novo de formação de professores deveria abordar:
Primeiro. Uma concepção de ensino mais como uma “arte” do que como uma ciência técnica, mais como um compromisso do que como uma profissão. O elemento central de um programa desse tipo deveria ser o desenvolvimento e o cultivo das próprias qualidades artísticas dos professores: sensibilidade, criatividade, espontaneidade, responsabilidade, compaixão e um sentido de reverência. Uma parte significativa do programa deveria estar centrada nas habilidades de relações humanas, na resolução de conflitos, na mediação e na dinâmica de grupos. Os professores deveriam ser estimulados a realizar práticas contemplativas ou meditativas (tai chi ou ioga, por exemplo) com o objetivo de nutrir seu próprio crescimento pessoal (não para dispor de um novo pacote de truques para as crianças). Eles deveriam ser estimulados a ler jornais, a envolver-se em discussões com seus colegas e a adquirir um hábito de reflexão sobre seu trabalho, sobre o mundo e sobre as crianças que estão sob seu cuidado. A ênfase não deveria estar tanto nas técnicas, mas no desenvolvimento próprio.
Segundo. Os professores deveriam ter uma compreensão profunda e um respeito para o milagre que é o desenvolvimento humano. Hoje se proporciona aos professores certa dose de psicologia do desenvolvimento, que é importante, todavia a psicologia moderna tende a propostas reducionistas, com pouca ou nenhuma compreensão, apreço ou interesse pelos aspectos espirituais, transcendentes e transpessoais do desenvolvimento humano. Um professor verdadeiramente holístico é aquele que vê e trata cada criança como uma alma em crescimento, como um “embrião” espiritual, como dizia Maria Montessori. Porém Montessori e outros pioneiros holísticos, como Rudolf Steiner, fizeram grandes descobertas serem incorporadas a uma teoria holística mais ampla da educação. Não são métodos pedagógicos específicos, mas verdades profundas, algumas das quais apoiadas pela psicologia de Jung ou pela psicossíntese.
Terceiro. Um programa holístico deveria enfatizar o significado radical dos “fundamentos educativos”, isto é, das implicações sociais, culturais e filosóficas da prática educativa. Toda escolaridade acontece em um clima cultura e intelectual, que define seu propósito e influi enormemente na escolha de seus métodos. Os professores holísticos devem reconhecer que seu trabalho sempre serve a alguns propósitos sociais e não a outros, e que devem ser obstinados e capazes de escolher conscientemente a que propósitos servir.
Quarto. A formação de professores holísticos deveria apresentar aos seus estudantes o amplo espectro de filosofias e abordagens possibilitadas pela educação holística, desde a pesquisa dos estilos de aprendizado até a linguagem global, os ritos selvagens do passado, etc. R. Miller é da opinião de que o professor não deveria ser um especialista, contudo um generalista, capaz de responder de maneira apropriada às necessidades únicas de cada criança que está sob seu cuidado.
Quinto. Um programa holístico deveria, finalmente, proporcionar uma formação intelectual sólida, isto é, uma preparação nas disciplinas. Não obstante, a ênfase aqui deveria ser completamente diferente da “competência” que exigem os políticos tecnocráticos de hoje. Julgar a habilidade dos professores com base em provas padronizadas é certamente uma concepção perversa da educação, tão perversa quanto a medida de valores dos estudantes para a sociedade com base em suas notas. Em uma abordagem holística, o crescimento intelectual significa pensamento crítico, flexível e criativo, e a habilidade para pesquisar, localizar e tirar partido de todas as fontes potenciais.
Na emergente “era da informação”, lembra R. Miller, existe muita informação que qualquer pessoas precisa para armazenar e lembrar; o que precisamos agora, tanto em nossos professores quanto nos estudantes, é a habilidade para aprender efetivamente em qualquer situação. É isso que John Dewey dizia há 80 anos, e ainda é a verdade mais vital. Um professor não é uma figura autoritária que sabe todas as respostas corretas, mas um modelo maduro de indagação, curiosidade, persistência e vontade para desfazer percepções enraizadas e discrepantes na busca da verdade.
R. Miller reconhece eu somente formar professores diferentes não transformará nossas escolas. A educação é primeiramente, um problema cultural e, mesmo com essas novas habilidades e ideais, os professores provavelmente continuariam encontrando a resistência de um sistema que permanece preso a concepções de aprendizagem e de desenvolvimento humano que permanece preso a concepções de aprendizagem e de desenvolvimento humano da era industrial e mecanicista. No entanto, um modelo holístico de educação dos professores é um elemento central e necessariamente crítico na transformação da educação que está por vir. Pedimos a todos que estão ligados às instituições de formação de professores que façam um trabalho que vá além da importante revisão de seus programas. Este não é o momento de propor pequenas mudanças.
O Uso das Práticas Contemplativas
Muitos professores foram atraídos pelo ensino por razões como saber quem são (ou quem querem ser) em alguns níveis profundamente éticos e espirituais. A maioria dos professores é motivada por “reforços psicológicos” como: um sentido de missão social, de gratificação e de maior intimidade com seus estudantes, e o prazer de vê-los espiritualmente florescendo sob seus cuidados. Sem considerar com que freqüência o sujeito tem sido ignorado na literatura de formação dos professores, é quase certo que muitos compromissos de ensino de professores em formação ainda residem em valores religiosos. No entanto, esses aspectos apenas são considerados nos planos de formação de professores. Até mesmo os programas de formação de professores baseados na reflexão geralmente deixam de fora o trabalho com as dimensões psicoespirituais mais profundas da decisão de ensinar.
Contudo Mayes, (1998 apud YUS, 2002, p. 242) está convencida de que a formação de professores deve incluir a importante dimensão espiritual da pessoa, tanto pelas necessidades próprias dos professores quanto pelas necessidades de seus próprios alunos. De fato, embora a psicoespiritualidade seja virtualmente um “não-tema” na maioria dos currículos de formação de professores, em poucas escolas, a maioria delas particular, houve nas três últimas décadas uma tentativa de abordá-la. Ao contrário do que se acredita, não existem ordens legais claras contra realizar práticas psicoespirituais, desde que não estejam configuradas em termos religiosos, mas como exercícios psicológicos de autoconsciência, eficácia pessoal e relaxamento, ou, alternativamente, como uma análise não-partidária de diferentes tradições espirituais. Essas atividades não violam o princípio constitucional de escola leiga, chegando-se inclusive, a indicar que a análise de diferentes tipos de espiritualidade não só na ameaça à diversidade nas escolas, como realmente a fomenta, porque o pluralismo autêntico requer uma aceitação bem-informada das diferenças religiosas, não sua eliminação.
Por outro lado, a questão contundente de nossa moralidade, a mortalidade ou, finalmente, o lugar no esquema de Deus (e se de fato tal esquema ou tal Deus ainda existe), é crucialmente significativa, tanto para as crianças quanto para os adolescentes, e não abordar essas questões em um programa de formação de professores é duplamente desastroso: primeiro porque essas questões sempre estão no âmago da decisão pessoal de se tornar umas professoras, segundo, pelas crianças que esses futuros professores irão cuidar. O currículo do movimento da Escola Waldorf, por exemplo, é praticado dentro de um contexto espiritual eclético que incentiva os estudantes a experimentar diferentes tradições espirituais. Para muitos autores, é precisamente por meio dessas experiências que as possibilidades psicoespirituais de uma pessoa podem frutificar. E isso ao mesmo tempo proporciona uma base e amplia o âmbito pessoal de prestação de serviço no mundo.
Para Mayes, se nossa compaixão deve ser inteligente, não-sentimental, devemos procurar compreender nossa própria prática e a dos professores na formação de tantas perspectivas quanto forem possíveis. A formação de professores compassivos deve ser holística, de modo que ignorar qualquer aspecto da estrutura psicológica, social e espiritual da pessoa é cometer violência com essa parte da pessoa. Um caminho para fazer isso é utilizar o modelo de educação confluente, que se dirige tanto aos estudantes quanto aos professores em quatro níveis inter-relacionados:
Intrapessoal: aborda os sentimentos e os autoconceitos, especialmente relacionados com a decisão pessoal de ensinar, com os modelos interiorizados do que para uma pessoa é uma boa prática, e quais forças do ego e problemas ela traz para o ato de ensinar.
Interpessoal: gira em torno de como os estudantes e os professores se relacionam uns com os outros. Aqui os modelos e os métodos oferecidos pela análise transacional, à terapia centrada no paciente, o encontro de grupos e a teoria do aprendizado social são úteis para ajudar os professores a promover comunicação aberta com e entre seus alunos.
Extrapessoal: em termos de formação reflexiva dos professores é nesse nível que ocorre a tomada de consciência crítica, que pode ser por meio da análise do papel da economia política do ensino, da pesquisa de projetos para explorar e transformar a dinâmica política da prática docente, etc.
Transpessoal: é nesse quarto e último nível que o território se mantém relativamente inexplorado. Este é o nível das esperanças (e dos medos) de uma pessoa para consigo mesma e com os demais em um contexto cósmico. É sobre essa ontológica base do Ser que construímos as estruturas de significado que servem de suporte para nossas vidas. Isto é, em poucas palavras, o que vivemos em última instância para e como vemos a nós mesmos. E finalmente, (se acreditamos em tais coisas) é a meta transcendente de nossa peregrinação nesse planeta.
Contra a idéia de que a formação transpessoal é apolítica, Mayes indica que as formas mais fortes e complexas de compromisso político sempre estão enraizadas em uma espiritualidade que pode resultar de ou ser reforçada pelo tipo de análise interior recomendada pelo Dalai Lama (1997 apud YUS, 2002, p. 243): “abrindo a mente para a consciência da importância de nossos próprios potenciais interiores”. As visões generalizadas que alcançamos em nossas experiências transpessoais se tornam particularizadas e podem ser praticamente aplicadas a nós mesmos, à sociedade em geral, e à nossa parte na sociedade. É por essa razão que Wilber (1999 apud YUS, 2002, p. 243) afirmou que somente uma sociologia transcendental pode ser verdadeiramente libertadora e pode realmente satisfazer a pessoa inteira desde o nível intrapessoal ao transpessoal.
A partir dessas premissas, Mayes vê a necessidade de incluir práticas contemplativas na formação dos professores. Nesse sentido, adverte que temos nas mãos uma variedade excitante de ferramentas, tanto antigas quanto modernas, que foram completamente desconsideradas nos programas de formação de professores. No entanto, a partir de sua experiência como formadora, essas ferramentas de desenvolvimento psicoespiritual mostram ser úteis para vitalizar e afinar tanto a prática dos formadores de professores quanto à dos professores em serviço e professores em formação. Por outro lado, essas práticas também são aconselháveis para os alunos do ensino médio, principalmente por três objetivos: fomentar seu crescimento psicológico, social e espiritual, oferecer alternativas excitantes, saudáveis e legais ao álcool e às drogas e melhorar seu desempenho em sala de aula. Dessa forma, Mayes utiliza dois grupos de práticas psicoespirituais:
Técnicas meditativas: retiradas da tradição oriental, requer que o formador procure fazer em sala de aula o que ele também procura fazer durante a sua meditação pessoal (manter sua mente tranqüila, reduzindo suas próprias elaborações mentais tumultuadas, conforme diz o budismo) para desfazer suas projeções e estar o mais autenticamente presente em sua situação imediata. Independentemente das diferentes formas com que usa o termo reflexividade na formação de professores, quase todo programa de formação reflexiva se beneficia com a inclusão da prática meditativa. A consciência somente pode ser “ensinada” de acordo com a maneira como nós a incorporamos. A consciência não pode ser ensinada como uma instância despersonalizada de “racionalidade técnica”, pois os formadores de professores devem modelá-la como uma forma de “conhecimento-ação” intensamente pessoal, embora também pública. O resultado final do aprendizado é que nós ensinamos aquilo que somos. E se o que os formadores desejam ensinar é como estar realmente presentes em sala de aula, então não precisam ser somente o que ensinam, visto que também podem sê-lo quando ensinam. Isto é, deve ser consciente, meditar sobre e em suas aulas. A prática meditativa representa uma importante adição ao uso de diários, pesquisa-ação, discussões em seminário e análise narrativa que hoje são virtualmente as únicas ferramentas que o professor educador pode exigir dos estudantes sem que ele as use. Entretanto, não se pode “ensinar” os próprios professores em formação como ser conscientes de seus estudantes, não se pode ensinar a se concentrar e a sentir compaixão a partir de um exterior confuso e frio. De preferência, os formadores têm de mostrar aos seus professores em formação como ser conscientes, sendo holisticamente conscientes de suas necessidades (intrapessoal, interpessoal, extra pessoal, e transpessoalmente) Concluindo, a meditação pode ser uma parte importante no aprimoramento da pesquisa da história vital do professor, trazendo à luz, em seu interior, os textos e as imagens. Entendendo-se a si mesmos se tornarão mais reflexivos e compassivos, tanto dentro quanto fora de sala de aula.
Técnicas de psicologia transpessoal: também conhecida como Psicologia da Quarta Força, segundo denominação de Maslow. Em muitos de seus aspectos, apresenta semelhanças com a prática meditativa. A Psicologia da Quarta Força oferece uma riqueza de modalidades inexploradas para o aprofundamento da refexividade dos professores. Inicialmente, Maslow postulava uma pirâmide de importâncias, começando na base com as necessidades psicológicas e depois subindo para as de segurança, seguidas das de pertencer, de estima, cognitivas, estéticas e terminando nas necessidades de auto-realização. A auto-realização se parece com os desejos de autenticidade, de boa fé, e do viver como um “ser para si”. Entretanto, em meados dos anos 60, Maslow começou a sentir que esse modelo, embora tão correto, era incompleto, pois abaixo e acima das necessidades de auto-realização ele começou a perceber a necessidade inerentemente humana de transcender a si mesmo; de estabelecer contato psicológico com “o naturalisticamente transcendente, espiritual e axiológico”. Para Maslow, essa psicologia transpessoal, transumana, centrada mais no cosmos do que nas necessidades e nos interesses humanos, que vai além da h8umanaidade, da identidade e da auto-realização, é fundamental para a auto-realização, pois sem o transpessoal nós ficamos doentes, violentos e niilistas, ou até mesmo desesperados e apáticos. É preciso ressaltar que a psicologia transpessoal vê a espiritualidade e a religião como categorias ocasionalmente coincidentes, mas certamente não idênticas. Por outro lado, a Psicossíntese de Assagiolo oferece uma grande variedade de técnicas concretas e potentes para o crescimento psicoespiritual que são eminentemente adaptáveis às salas de aula em todos os níveis, desde o elementar até o universitário. Essas técnicas, com freqüência, são especialmente curativas e revigorantes para os adolescentes.
Baseando-se nessas duas tradições, Mayes experimentou diversas técnicas transpessoais para aprofundar na reflexividade dos professores, destacando as seguintes:
Demonstração e transformação de escritas e de mensagens internas: aceitando o valor dos exercícios meditativos para nos tornar conscientes de nossas escritas e metáforas guias, Mayes descobre que, embora nem sempre por meios negativos, esses textos e essas imagens são frequentemente problemáticos. Requer tenacidade e muita coragem para abrigá-las em uma visão estável e duradoura de um recurso analítico. Partindo de sua própria experiência, esses escritos não são necessariamente complexos, todavia são extremamente potentes. A técnica consiste em elaborar textos reflexivos sobre a história pessoal de cada professor, de modo que, conforme esses textos surgem, com clareza crescente em sua meditação, vão sendo capazes de vê-los criticamente e de relacioná-los com seus hábitos e crenças no ensino. Por meio de atividades de autoconsciência, podemos ver e compor os textos que formam nossa prática. Sugerem-se formas simples, entretanto potentes, para mudar textos destrutivos, substituindo-os por outros mais frutíferos e realistas. Essas técnicas, embora simples de descrever, não são fáceis de realizar. Trazer a lembrança escritos e metáforas em meditação e depois pacientemente transforma-las plantando e tendo novas e imaginativas sementes lingüísticas é um sutil e, ás vezes, penoso processo que evolui lentamente e empurra a pessoa para enfrentar e dominar muitas formas complexas de resistência interna. No entanto, pode dar lugar a um fruto rico em nosso ensino e no dos alunos.
Reconhecimento e desidentificação de subpersonalidades: as subpersonalidades são satélites psicológicos que coexistem como uma grande quantidade de vidas dentro de um meio geral de nossa personalidade. Cada subpersonalidade tem um estilo e uma motivação própria, muitas vezes claramente diferente das demais. Existem várias formas de conseguir abordar essas subpersonalidades. Pode-se, por exemplo, utilizar exercícios sistemáticos de diário ou diálogos da Gestald, em que cada membro da díada emite e responde ao imperativo “Diga-me quem é você”. Em suas aulas, Mayes recorre à meditação para evocar e explorar quatro a cinco dessas identidades, dando inteira liberdade aos alunos para se somar a esse processo. Essas técnicas são complicadas, pois requer alguma introdução delicada antes de pedir aos estudantes que vejam uma subpersonalidade sem julgá-la, não importando à problemática, por mais apaixonante ou grotesca que ela seja. Deve-se explicar que essas subpersonalidades representam energia psicológica que, compreendidas e aplicadas corretamente, podem prestar um grande serviço aos professores. Também se deve advertir que todos são feitos dessa mistura de caracteres, que o fato de ver um aspecto indesejável de si mesmo não significa atuar com base nele. De fato, é precisamente não analisando esses aspectos do eu que se pode, finalmente, chegar a um comportamento destrutivo. Os professores podem usar esses elementos para se tornarem professores mais perceptivos e compassivos. Em seguida, pede-se ao estudante que converse com a entidade (mesmo que seja um animal ou um objeto), descubra seus desejos, suas esperanças, seus medos e assim sucessivamente. Depois de vários minutos nesse processo, pede-se a eles que dêem um nome a entidade (como, por exemplo, o Juízo, o Palhaço, a Polícia, o Mártir, o Santo, etc.). Nesse ponto, o estudante estará disposto a começar a explorar a subpersonalidade e a compreender sua possível relação com seu estilo de ensino. Ele consegue conhece-la melhor observando e conversando com ela mais extensamente por meio da escrita de diários, com conversas duais, discussões em grupos e, claro pela meditação continuada. Como componente essencial desse trabalho de subpersonalidade tem o que o budismo chama de separação, já a psicossíntese denomina desidentificação que é quando reconhecemos uma subpersonalidade, somos capazes de observá-la de fora, o que significa uma desidentificação. Como todos têm a tendência de nos identificarmos como essa subpersonalidade chega a acreditar de maneira implícita que nós “a somos”. A desidentificação consiste na ruptura dessa ilusão e a volta ao nosso eu, e isso muitas vezes vem acompanhado por sentido de aprofundamento e de libertação. Desse modo, os professores se tornam mestres de sua subpersonalidades, não são seus escravos. Para Mayes, essa também é à base do ensino espiritual e da formação de professores.
Diálogo forçado na terapia Gestalt: de acordo com a psicoterapia Gestalt, todas as personalidades que aparecem nos sonhos são aspectos da própria pessoa. Vítima e vitimizador, herói e covarde, santo e pecador (tudo o que faz existencialmente a alguém uma psique única). Em uma das técnicas centrais da terapia Gestalt, o paciente senta-se em uma cadeira e tem de encarar uma cadeira vazia. Na cadeira vazia. Na cadeira vazia, o paciente imagina alguma pessoa, algum animal ou objeto que apareceu em seu sonho quando estava acordado. O terapeuta, como interlocutor, ajuda o paciente a falar com a entidade. Depois o paciente passa para a cadeira vazia e imagina que agora ele é essa entidade. O paciente como entidade, se dirige a ele mesmo na outra cadeira. Esse processo de troca de cadeiras termina quando se chega a algum tipo de compreensão e aproximação entre o paciente e esse aspecto de si mesmo. Usando essa técnica, Mayes abordou somente personalidades que se relacionassem com experiências passadas ou com futuras expectativas sobre a escola de professores em formação. O estudante pode escolher pessoas que sejam avaliada tanto positiva como negativamente por ele (por exemplo, “o professor mais valioso que nunca existiu”, “o estudante ideal”, “o tipo de estudante que me dá mais medo”). De acordo com a teoria junguiana, desse modo os estudantes entram em contato com arquétipo da “sombra” (nesse caso “o professor sombra”), de modo que a sombra deve ser reconhecida e explorada com o objetivo de aprender como possuí-la e utiliza-la de maneira positiva e não ser inconscientemente possuído por ela.
Assim, com essas ferramentas, Mayes consegue que os professores revejam suas práticas como professores e formadores de professores para serem mais reflexivos e responsáveis com a dimensão espiritual que irão ensinar. A conexão com técnicas meditativas orientais e com aspectos da psicologia transpessoal, especialmente a psicossíntese, mostram como uma variedade de técnicas novas e antigas pode ajudar-nos a cultivar o espiritual no ensino. Longe de desafiar ou procurar substituir outras formas de reflexão, tais como a consciência crítica das dimensões políticas do ensino e a análise textual das narrativas da história de vida de professores em formação, essas perspectivas teóricas e práticas significam uma ampliação do repertório de reflexividade dos professores, para capacitar-lhes a prestar mais atenção neles mesma e em seus alunos nas três dimensões básicas: a psicológica, a social e a espiritual.
3.6.3 – Experiências com a Formação de Professores Holísticos
Nos últimos anos, houve uma considerável quantidade de pesquisa significativa na área da formação de professores e da mudança curricular. Uma lição aprendida dessa pesquisa é que não podemos desenvolver um programa e esperar que os professores o apliquem sem nenhum tipo de planejamento e apoio. Por outro lado, ficou claro que a aplicação de um programa não é um evento particular, mas um processo complexo que ocorre durante um período de tempo mais ou menos longo. Quando falamos de pôr em prática um currículo holístico, deparamo-nos com um grande contraste entre os modelos convencionais da escola e o modelo holístico em cada um dos elementos que caracterizam um currículo. Por isso é fundamental pôr em prática um plano de formação de professores em exercício paralelo à aplicação desse programa.
Uma das experiências mais notáveis se refere à formação de professores por meio de um currículo integrado. Trabalhando com um currículo integrado, Clark (1997 apud YUS, 2002, p. 248) notou as enormes dificuldades para a sua aplicação, especialmente pelas mudanças que exige dos professores. Desse modo, esse autor considera que a adaptação de novas idéias e estratégias não é fácil e não ocorre da noite para o dia. A mudança transformativa é um processo longo e sistêmico que muda através do tempo, mas em etapas claramente definidas. Não obstante, como a mudança externa sempre reflete alguma experiência interna de transformação, as mudanças raramente são previsíveis. Isso significa que sempre se deve começar do ponto em que as pessoas estiverem no processo. Compreendendo essas etapas, a pessoa é capaz de identificar mais corretamente tanto as necessidades individuais quanto as do grupo e, portanto respondem criativamente a essas necessidades. Como cada uma dessas etapas implica uma mudança autêntica na consciência, essas modificações não podem ser precipitadas. Segundo Clark, esse processo passa pelas seguintes etapas:
Ignorância: uma pessoa que não tem consciência de qualquer necessidade de mudança está “adormecida”. Hoje, muitos professores e administradores parecem estar adormecidos. Levam a vida tomando todas as decisões que lhe são exigidas dia após dia (exemplo: dar notas, controlar a ordem, etc.) sem nunca pensar seriamente ou refletir sobre o que estão fazendo. Essas pessoas sentem-se satisfeitas quando qualquer um toma as decisões administrativas importantes sobre o currículo. Embora possam ter alguma consciência de que existem sérios problemas, assumem que não há nada que possam fazer para marcar uma diferença, de forma que simplesmente as ignoram. As modificações sugeridas como a mais importante reforma curricular são, no máximo, vistas com ceticismo e, muitas vezes, até com desdém.
Consciência:nessa etapa, o professor acorda depois de um longo sono. Em princípio existe pouca consciência de que esteve adormecido. Depois olha ao redor e subitamente vê as coisas com novos olhos. Essa etapa acontece quando as pessoas reconhecem que antes de abordar os sérios problemas existentes têm de adquirir alguma perspectiva sobre a situação. Essas pessoas estão prestes a passar para a etapa seguinte do processo de mudança.
Compreensão: a compreensão, a verdadeira compreensão, requer duas coisas: refexividade (consciência auto-reflexiva) e contexto (o grande painel). Uma vez que a pessoa percebe a educação dessa perspectiva mais ampla, consegue perceber claramente que os problemas supostamente separados e insolúveis são realmente sintomas de um problema estrutural mais simples e básico.
Revisão, compromisso e ação: depois de ter conseguido orientar-se e compreender a natureza do dilema, o professor está pronto para criar uma visão do potencial. Conforme essa visão vai tornando-se mais clara e vêem o que realmente pode ser possível, estarão preparados para dotar um compromisso de fazer o que for necessário para tornar essa visão realidade. Tal compromisso, por sua vez, energiza tanto a ação individual quanto a coletiva. Isso é seguido de um novo nível de compromisso e de uma ação ainda mais energizada.
Em uma linha similar, J. Miller e colaboradores (1990 apud YUS, 2002, p. 249) consideram que a aplicação do currículo difere de acordo com a perspectiva ou a postura curricular da qual se parte. Desse modo, o desenvolvimento profissional em um esquema de transmissão se caracterizara por sessões gerais de desenvolvimento profissional centradas na transmissão de informação, com papéis pré-determinados dentro de um sistema hierarquizado. Em um esquema transacional, o desenvolvimento profissional é mais individualizado, com ênfase na prática, na retro alimentação e no treinamento, de modo que os papéis são mais flexíveis, permitindo uma interação entre professores. Em compensação, em um esquema transformacional, que é aquele que segundo J. Miller e colaboradores se adaptam melhor a um currículo holístico, o desenvolvimento profissional é mais individualizado, com ênfase no treinamento e no crescimento pessoal dos professores, com papeis muito flexíveis e com ênfase na relação eu - você entre os professores.
O uso dos estudos integrados demonstrou se altamente carente de uma aproximação transacional ou transformacional em sua aplicação. A integração pode ocorrer por meio de tentativa do professor de integrar as matérias dentro de uma situação de aula elementar, ou por meio de dois ou mais professores colaborando para ensinar uma unidade integrada. Em qualquer caso, sua aplicação precisa aproximar-se tanto reflexivamente quanto de dentro para fora. Entre as estratégias utilizadas, J. Miller e colaboradores propõem o seguinte:
Desenvolvimento de equipe: o desenvolvimento da equipe implica considerar o aprendizado e o crescimento das pessoas adultas. Segundo Miller, a aprendizagem adulta é facilitada:
1- Quando a experiência passada se aplica ao aprendizado atual por intermédio de processos de pensamento divergente. Estes incluem as metáforas, as analogias, os gráficos, as figuras, os desenhos, os jogos, etc.
2- Com um ambiente de aprendizagem psicologicamente seguro onde o indivíduo se sinta confortável tentando novos comportamentos.
3- Quando está relacionada diretamente com as necessidades e os problemas atuais do individuo.
4- Quando for satisfatória, isto é, quando for autodirigida.
5- Quando as expectativas são claras e precisas e os reforços são imediatos.
6- Com uma comunicação de dois sentidos entre o professor e o aluno, estimulando a reflexão do aluno.
7- Quando o indivíduo não se sente pressionado por limites temporais arbitrários.
8- Quando o professor/facilitador reconhece e se acomoda a diferentes estilos de aprendizado.
9- Quando o professor renuncia a algum controle sobre o processo instrucional e compartilha esse processo com o aluno.
10- Quando existe uma variedade de atividades individuais e de grupo.
Baseados nessas ítens foram identificados os seguintes fatores associados à formação de grupos:
1- O reconhecimento da perícia do professor em relação à prática de ensino. Em outras palavras, o professor é visto como um recurso válido que ajuda a compartilhar a direção do programa de desenvolvimento do grupo.
2- A adaptação local, isto é, que permita “reinventar a roda”, de modo que o diretor e o grupo tomam conhecimento do novo programa em seus próprios termos.
3- O desenvolvimento profissional é de longo prazo e não-linear. A aplicação de um programa muitas vezes exige vários anos para que a mudança ocorra.
4- A redução dos riscos psicológicos da mudança. Isso ocorre quando os administradores estão envolvidos no processo.
5- O desenvolvimento do grupo não é um programa especial, mas uma parte da vida organizacional em andamento na escola.
6- O treinamento, que é a etapa mais importante, pois está em muitos dos princípios-chave da aprendizagem adulta: a comunicação de dupla direção que estimula a reflexão do professor sobre a prática, a revisão direta, a autodireção, etc.
Os professores que se desenvolvem e programam unidades em estudos integrados notam que esse treinamento facilita seu uso em novos programas de suas classes. Uma estratégia de treinamento deveria constar dos seguintes passos:
Análise. Nesse primeiro passo, o treinamento procura conseguir uma compreensão da relação dos novos programas, nesse caso uma unidade em estudos integrados, com a prática de seu aluno. Este explica ao treinador que procura fazer a nova unidade e ver como relaciona o programa geral em sua classe. O treinador esclarece os objetivos, as estratégias de ensino e os recursos que o aluno deverá usar.
Observação. O treinador visita e observa a sala de aula do aluno. Essa primeira visita permite que ele se familiarize com a turma, e proporciona uma base para observações e discussões futuras com ele. Durante esse dia inicial de observação, o treinador não aborda o uso dos estudos integrados, mas simplesmente tenta confirmar a imagem da classe desenvolvida durante a análise.
Planejamento. O aluno e o treinador desenvolvem uma imagem do que na classe parece ser o resultado da implementação da unidade nova. Essa imagem pode centrar-se em estratégias de ensino, no aprendizado do estudante e nos recursos envolvidos. O treinador deve assegurar que a imagem seja alcançada. O treinador e o aluno também devem identificar os passos que precisarão seguir para conseguir a imagem desejada. Os passos poderão ser realistas e apropriados. Finalmente, o aluno e o treinador devem estar de acordo sobre um horário de observação e os critérios para determinar se a unidade de estudos integrados está sendo usada com sucesso.
Uso do plano. O aluno começa a usar a unidade nova. Pode achar útil visitar a classe do treinador ou outra classe onde os estudos integrados estão sendo usados. Depois que o aluno teve a oportunidade de começar a unidade nova, o treinador observa como ela está sendo implementada. Este pode guardar anotações para compartilhar com o aluno durante as sessões de revisão, em que o treinador compartilha suas percepções de aula e suas reações com as percepções do treinador. Em seguida, os dois discutem os passos que o aluno irá trabalhar e estabelecem uma data para a próxima reunião. Esse processo se repete até que o aluno e o treinador sintam que a unidade nova está sendo implementada com sucesso.
O treinamento é um aspecto importante de qualquer trabalho de desenvolvimento da equipe docente porque proporcionam um veículo em que os professores podem trabalhar juntos de uma maneira não-ameaçadora. Sob o processo de treinamento e da maioria das abordagens transacionais ou transformacionais do desenvolvimento da equipe docente e do crescimento profissional está o conceito de prática reflexivo (Schön, 1992 apud YUS, 2002, p. 252). O prático reflexivo caminha além de uma aproximação a seu trabalho, analisando esse trabalho de diversas perspectivas. O prático reflexivo vê a si mesmo como alguém que pode facilitar o aprendizado e a resolução de problemas, mais do que como um especialista com conhecimento a ser transferido aos estudantes. Também estão abertos tanto aos seus sentimentos quanto aos dos estudantes.
J. Miller e colaboradores (1990 apud YUS, 2002, p. 252) também assinalam que é possível abordar o desenvolvimento da equipe docente e o treinamento de uma maneira holística, destacando dois veículos que podem facilitar a aprendizagem holística, como a metáfora e a narrativa. Descobriu-se que os professores podem desenvolver metáforas para tornar mais clara sua própria visão de como ensinam (por exemplo: “minha classe é como uma família”, “sou o condutor de um trem”, etc.). A metáfora pode ser muito útil durante a etapa de análise do treinamento, pois estimula os professores a utilizar uma abordagem transformacional ou holística para identificar a imagem que eles têm de seu próprio ensino. Também pode ser útil para a identificação da imagem desejada sobre a implementação dos estudos integrados. Por exemplo, o efeito desejado do aprendizado integrado pode ser definido em termos de uma confluência de correntes.
A metáfora pode tornar-se parte de uma narrativa do professor. A narrativa nos permite pensar sobre a nossa vida e trabalhar como um todo. Por meio da narrativa, procuramos perceber a estrutura da vida do professor e como essa estrutura se manifesta no ensino. O uso da narrativa permite ao professor relacionar a importância dos temas em sua vida com a prática de ensino. Imagens e metáforas ajudam a dar forma aos temas, de maneira que o significado e a direção da vida se ornam mais claro.
J. Miller e colaboradores concluem que no centro de um programa integrado e de uma abordagem holística está um professor. Embora dispondo de estratégia e técnicas, podemos compreender que a integração temática está ligada à integração do professor. Se um professor está sentindo-se alienado e fragmentado, então não é razoável esperar dele ou dela que desenvolva e ensine estudos integrados de uma maneira holística. Os professores devem ser autênticos em sua abordagem e não estar representando algum tipo de papel falso que possa afastar os estudantes. Por outro lado, devem ser atentos e compassivos, o que implica certa sensibilidade com a própria vida do estudante. Nesse sentido, os autores defendem os métodos de concentração e de meditação para professores, de modo que possam despertar mais completamente sal vida interior, visto que, despertando sua vida interior, poderão simultaneamente se conectar com a vida interior de seus estudantes. Essa conexão é fundamental para o currículo holístico e para a aprendizagem integrada.
PARTE 4: LINHAS PEDAGÓGICAS SINTONIZADAS COM OS NOVOS PARADIGMAS
4.1 Teoria das Múltiplas Inteligências
Neste trabalho incluímos uma breve explanação dos estudos recentes do pesquisador Howard Gardner, psicólogo e professor da Harvard Graduate School of Education, com seus estudos sobre as Estruturas da Mente, uma vez que, é uma contribuição aos pressupostos holísticos educacionais.
Ele considera o conhecimento como uma rede interconectada, interligada ao todo, e dinâmica. A obtenção, criação de conhecimentos se dá através de várias formas de inteligência interconectadas, com sede em várias regiões distintas do cérebro, diferindo de homem para homem, de cultura para cultura.
Esse teórico tentou superar a noção de que inteligência fosse uma capacidade geral ou potencial de cada ser humano, e também questionou que a inteligência pudesse ser medida através de instrumentos verbais padronizados como respostas curtas e testes com lápis e papel. Considera que a cognição humana, ao ser estudado em totalidade, abarca competências que normalmente não são consideradas e também que não podem ser reduzidas para avaliação, através de instrumentos e habilidades apenas lógico-matemáticas ou lingüísticas. Ele diz que os testes de QI, a teoria piagetiana, e a teoria cognitivista, dão um peso exclusivista a estas capacidades, em detrimento dos aspectos biológicos, dos vários matizes da criatividade humana. Afirma que estas teorias são todas insensíveis à importância da simbolização nas atividades humanas, e a capacidade de simbolização tem sido alvo de crescente interesse entre os pesquisadores deste final de século.
Então, no estudo da cognição humana, precisamos considerar outras competências, que não só os tradicionais métodos verbais, no campo das inteligências lógico - matemática – lingüística.
Nomes como Susannne Langer, Ernst Cassier, e Alfred North Whitehead, têm citado o fato de o homem usar vários veículos simbólicos para expressar significados, é o que distingue os humanos dos outros organismos. O uso de símbolos deu origem aos mitos, à linguagem, às artes cênicas, e à ciência.
Aqui se pode falar de dois paradigmas filosóficos: O interesse dos tempos clássicos, pelos objetos do mundo físico, que foi substituído pelo culto à mente e seus objetos (Hume, Kant e outros ingleses), para no século XX, os sistemas simbólicos voltarem a ter seu valor reconhecido, como se tem observado agora em muitos trabalhos filosóficos contemporâneos, nos quais se procura o entendimento da linguagem, das artes visuais, dos gestos e outros sistemas simbólicos.
Gardner, adotando esta perspectiva simbólica, não está pretendendo negar a epistemologia do conhecimento, de Piaget. Ao contrário, ele e seus colegas usaram o método piagetiano com seus “esquemas”, para aplicá-los em sistemas simbólicos musicais, corporais, espaciais, e até pessoais.
A neurobiologia revelou recentemente que há áreas específicas no cérebro que correspondem a certas formas de cognição, por processarem as informações de diferentes formas. Deste casamento da neurobiologia, com a revisão das principais teorias psicológicas da inteligência humana, vem o arcabouço teórico de idéias que sustentam a definição de inteligência e seus atributos para este autor.
Gardner (1994) em seu livro A Criança Pré-Escolar: Como Pensa e Como a Escola Pode Ensiná-la ressalta o conceito de inteligência única, para uma visão pluralista da mente, para um feixe de habilidades, e definiu inteligência como sendo a capacidade de resolver problemas e de ser útil à sociedade.
Apesar de não achar esse número definitivo, ele classificou a princípio, sete inteligências, que coexistem no ser humano, em maior ou menor grau e proporção. Em estudos recentes, acrescentou mais duas inteligências, a naturalista e a existencial. São elas:
Lingüística Verbal: Está relacionada às palavras e à linguagem escrita e falada. Domina a maior parte do universo educacional no ocidente. A produção da linguagem através de suas diversas formas, como poesia, humor, o contar histórias, gramática, metáforas, similaridades, raciocínio abstrato, pensamento simbólico, padronização conceitual, leitura e escrita. Está presente em poetas, teatrólogos, escritores, novelistas, oradores e comediantes.
Perfil: Entendimento da ordem e do significado das palavras. Capacidade de convencer alguém sobre um fato. Capacidade de explicar, ensinar e aprender. Senso de humor. Memória e lembrança. Análise meta-linguística.
Exemplo: Monteiro Lobato.
Lógico Matemática: Associada ao raciocínio científico ou indutivo. É uma inteligência que reconhece padrões, que consegue trabalhar com símbolos abstratos (números e formas geométricas), que vê conexões entre peças separadas. Está presente nos cientistas, programadores de computadores, contadores, advogados, matemáticos, banqueiros.
Perfil: Reconhecimento de padrões abstratos, raciocínio indutivo e também dedutivo, discernimento de relações e conexões, solução de cálculos complexos.
Exemplo: Albert Einstein.
Visual Espacial: É uma inteligência que se caracteriza por ter um senso de visão apurado, e na capacidade de rápida visualização espacial de um objeto. Também inclui a capacidade de criar imagens mentais, embora sua chave seja o sentido da visão. Por isso, pessoas com essa inteligência podem ser bons jogadores de xadrez, pela habilidade de visualizar objetos a partir de diferentes perspectivas. Está relacionada com todas as artes visuais (pintura, desenho, escultura), navegação, pilotagem de carros de corrida, criação de mapas e projetos de arquitetura (pois envolve o uso do espaço e de como se locomover nele). Estão presentes nos arquitetos, artistas gráficos, pintores e escultores, cartógrafos, desenhistas de produtos industriais.
Perfil: Percepção apurada de diversos ângulos, reconhecimento de relações de objetos no espaço, representação gráfica, manipulação de imagens, descobrirem caminhos no espaço, formação de imagens mentais, imaginação ativa.
Exemplo: Ayrton Sena, Mestre Vitalino.
Música Rítmica: É uma inteligência que reconhece os padrões tonais, incluindo os sons do ambiente, e numa sensibilidade para ritmos e batidas. Engloba capacidades de manuseio avançado de instrumentos musicais. Muitos aprenderam o alfabeto através da canção do ABC. A “alteração de consciência” que a música efetua no cérebro, constitui a principal, entre todas as inteligências. É encontrada em compositores musicais dos mais variados estilos (eruditos, populares, jingles – publicitários). Também em professores de dança e música, nos músicos profissionais, em bandas de Rock.
Perfil: Reconhecimento da estrutura musical, esquemas para ouvir música, sensibilidade para sons, criação de ritmos, melodias, percepção das qualidades dos tons, habilidade para tocar instrumentos.
Exemplo: Caetano Veloso, Alceu Valença, Luiz Gonzaga.
Corporal: Está relacionada com o uso do corpo físico, com o movimento físico, com a sabedoria corporal, incluindo o córtex cerebral que controla os movimentos do corpo. Envolve a habilidade de usar o corpo para expressar uma emoção (dança e linguagem corporal), para jogar um jogo (esportes), e para criar um novo produto (invenções). “Aprender fazendo”, tem tradição como uma forma importante na educação. Nossos corpos sabem de coisas que nossas mentes desconhecem ou não podem explicar. Por exemplo, quem sabe andar de bicicleta, skate, datilografar e estacionar o carro, é o nosso corpo. Essas capacidades sinestésicas podem ser encontradas em atores, mímicos, dançarinos profissionais e inventores.
Perfil: Funções corporais desenvolvidas, habilidades miméticas, conexão corpo/mente, alerta através do corpo (sentidos), controle dos movimentos pré-programados, controle dos movimentos voluntários.
Exemplo: Isadora Duncan, Mikail Barishnikov.
Naturalista: Habilidade para reconhecer flora e fauna, para fazer distinções no mundo natural e sensibilidade em relação a ele. Atração pelo mundo natural e sensibilidade em relação a ele. Capacidade de identificação da linguagem natural e capacidade de êxtase diante da paisagem humanizada ou não
Perfil: capacidade de discernir, identificar e classificar plantas e animais; distingue diferentes espécies de plantas e suas características; demonstra a utilidade botânica e curativa das plantas.
Exemplo:Darwin, Burle Marx...
Inteligências Pessoais:
Interpessoal: Opera e baseia-se no relacionamento interpessoal e na comunicação. Envolve a habilidade de trabalhar cooperativamente com outros num grupo e de travar comunicações verbais e não verbais. Tem a capacidade de distinguir entre alterações de humor, temperamento, motivações e intenções. A pessoa pode conseguir, ler desejos e intenções do outro, podendo ter empatia por suas sensações, medos e crenças. Apresentam-se nos aconselhadores, professores, terapeutas, políticos, palestristas famosos e líderes religiosos.
Perfil: Criação e manutenção da sinergia, superação e entendimento da perspectiva do outro, trabalho cooperativo, percepção e distinção dos diferentes estados “emocionais” dos outros, comunicação verbal e não verbal.
Exemplo: Ludwig Valbez, Silvio Santos.
Intrapessoal: É característica dos estados interiores do ser, da auto-reflexão, da metacognição (reflexão sobre o refletir), da sensibilidade frente às realidades espirituais. Relaciona-se ao conhecimento dos aspectos internos do ser, como o conhecimento dos sentimentos, a intensidade das respostas emocionais, auto-reflexão, um senso avançado de intuição.
É a inteligência que nos pode levar a sermos conscientes de nossa consciência. Envolve a capacidade de experienciar a Unidade e o Todo, discernirem padrões de conexões com coisas dos sentidos, terem intuições sobre o futuro e sonhar e realizar o possível. Podem ser encontradas nos filósofos, psiquiatras, aconselhadores espirituais e pesquisadores de padrões de cognição.
Perfil: Concentração total da mente. Preocupação, metacognição, percepção e expressão de diferentes sentimentos íntimos, senso de auto conhecimento, capacidade de abstração e raciocínio.
Exemplo: Carl Gustav Jung.
Existencial: Refere-se à preocupação e formulação de perguntas sobre a vida, a morte, o universo. É a inteligência de religiosos, líderes espirituais, devotos etc.
A teoria das Múltiplas Inteligências baseia-se em pesquisas biológicas e da psicologia, mas, onde encontra seu maior campo de aplicação, e sua melhor acolhida, tem sido na área educacional.
As escolas já estão acordando para o fato de que as capacidades individuais dos alunos com seus ritmos pessoais precisam ser levados em consideração, e que também deve explorar todas as formas de conhecimentos. Elas, por muito tempo esqueceram de que a primeira via de acesso do conhecimento é o caminho dos sentidos; aquele que passa pelo corpo, e queriam que as crianças entrassem para as aulas só com suas mentes, deixando seus corpos e sentimentos do lado de fora... Ora isso, numa visão coerente de entender o aluno como ser humano integral, é inaceitável! As Teorias das Múltiplas Inteligências vêm reforçar o que muitas linhas pedagógicas de tendência holística já têm proposto, e contribuí para a mudança desse quadro, para uma educação mais compreensiva, que proporcione um continente para abarcar todos, respeitando e ajudando a desenvolver qualquer ser, sejam quais forem suas preferências, sintonias, facilidades, habilidades, competências, inteligências.
4.2 Pedagogia Antroposófica – Escolas de Waldorf
Diz Greuel, em seu artigo O Holismo e a Pedagogia Waldorf, publicado na Revista Chão e Gente (1996), que, como atualmente a realidade do homem se resolve e se explica somente na matéria, a sua existência carece de razão e finalidade maior, havendo somente a perspectiva da felicidade material transitória, que, como único consolo dessa existência aqui na Terra, leva o homem ocidental à consagrada dinâmica de consumo, em que se quer sempre algo mais e nova. A Terra, como ambiente finito que é, de recursos limitados, está exaurida em seus recursos naturais e com a natureza toda sacrificada.
Na perspectiva pedagógica, isto equivale à preparação para o mercado consumista. O bem estar do homem está hoje atrelado a sua participação competitiva no mercado, na economia. Para conseguir isto, todos devem ser muito aptos em falar inglês, saber informática, etc. Uma escola que prepara o jovem para conquistar sua parcela no mercado, no processo econômico, diz-se que se está preparando para a vida, porque vida hoje, é poder participar dos bens de consumo que ela oferece.
Mas a pedagogia holística Waldorf, trabalha com outra visão do homem. É uma corrente educacional baseada nos princípios da Antroposofia, ciência espiritual elaborada por Rudolf Steiner no início deste século. Waldorf era o nome de uma fábrica de cigarros da Alemanha. O convite de seu diretor presidente, o pensador alemão concedeu um sistema de ensino para os filhos dos operários da fábrica. Há hoje aproximadamente 700 escolas Waldorf espalhadas em diversos países, inclusive no Brasil.
Na virada do século Steiner empenhou-se em elaborar formas de conhecimentos que, apesar de não dispensarem a postura científica e não dogmática do homem moderno, permitem que o conhecimento extrapole a esfera dos fenômenos materiais e quantificáveis. Explica-se, nessa visão, que o homem tem uma existência material e transitória, para que possa desenvolver sua identidade espiritual própria e autônoma. Como o homem não nasce pronto, com suas aptidões todas desenvolvidas, ele tem que ser conduzido pelo processo educativo para encontrar-se a si mesmo.
O processo pedagógico consiste então em proporcionar, através do ensino, o amadurecimento da criança para que ela possa definir a sua própria vida. O currículo deve seguir as necessidades evolutivas de o próprio ser humano, preparando-o para ser ele mesmo. O aluno deve aprender que está no mundo, não para se submeter ao que já existe, mas para tornar possível e criar o que ainda não existe, mas, numa concepção mais espiritualista, mais completa, mais solidária. As pedagogias do mercado, no fundo, não preparam o jovem para a vida, como quer fazer crer, pois restringe o aluno ao que está em evidência no momento. Na verdade, elas atrelam os jovens ao passado.
A pedagogia que tem sua base no próprio ser humano, liberta, pois abre sua mente, suas aspirações, visando um futuro mais em harmonia com os seus semelhantes, com a natureza, com o meio ambiente, e, portanto, com si próprio. Ela ensina desenvolvendo e exercitando habilidades, e não só inculcando informações.
A pedagogia Waldorf, com uma visão holística integrada e multidimensional do ser humano, conseguiu desenvolver alternativas fascinantes e concretas para a educação ocidental, nas mais de 700 escolas que orienta ao redor do mundo. Além de considerar e utilizar o currículo oficial do país preocupa-se em adequá-lo às necessidades evolutivas do homem, preparando-o para e assumir a si mesmo, a fim de ocupar o seu lugar no mundo. O mercado e o mundo é que deveriam servir ao desenvolvimento do homem, e não o homem ter que servir ao mercado, ela prega. A prática pedagógica antroposófica busca integração entre corpo, alma e espírito, e pretende o desenvolvimento saudável do ser humano, mostrando o erro que é considerar os aspectos espirituais como um campo de indagações fúteis, não necessárias.
A Antroposofia significa “sabedoria a respeito do homem” e estuda a natureza do homem e sua relação com o universo. Aplica-se na prática em vários âmbitos da vida: Medicina, Pedagogia, Agricultura Biodinâmica, Arquitetura, Consultoria Empresarial, Artes e Terapia Artística, Fonoaudiologia, Psicologia, Assistência Social, e Literatura em Geral.
As escolas que seguem essa linha são casas com atividades aconchegantes e tranqüilas, de quintais com árvores, horta, areia, brinquedos e cercadas de amigos. Os professores, atentos e carinhosos, realizam atividades próprias e dignas de serem imitadas através de gestos e de atitudes. Os ambientes são especialmente preparados, para proporcionar o respeito ao ritmo de cada criança.
Para o brincar são utilizados materiais naturais como pedrinhas, conchas, troncos de madeira, sementes, tecidos coloridos, lãs, bonecas e bichinhos de pano sem muita caracterização fisionômica, nem traços definidos e “fechados”, etc. As Artes (desenho, pintura, música, modelagem, teatro, canto...) e os Trabalhos Manuais (tricôt, crochêt, horta, cozinha, costura...) fundamentam-se em princípios filosóficos e éticos e estruturam-se no QUERER, SENTIR E PENSAR, visando desenvolver um ser humano equilibrado em todas as suas potencialidades.
As atividades de desenhar, modelar, cozinhar, brincar, ouvir contos de fadas, são planejadas observando os ritmos diários e os maiores, como o das estações do ano, com suas festas e riquezas folclóricas. Assim, amorosa e naturalmente, as crianças pequenas adquirem as condições necessárias para a próxima fase da vida: a escolaridade, onde a arte continua ocupando lugar de destaque nesta linha pedagógica.
“A vida social saudável só é encontrada quando, no espelho de cada alma humana, a sociedade como um todo se reflete e na comunidade vive a virtude de cada um”.Rudolf Steiner
Na pedagogia Waldorf, a brincadeira ocupa lugar de destaque. Desde a sua criação. Steiner pretendeu, com sua pedagogia, preservar a “solene seriedade”, inata das crianças ao brincar, para que essa atitude fosse transferida para seu aprendizado, como um ideal. Como salvaguardar para a vida, para o aprendizado, este entusiasmo que a criança tem com o seu brinquedo?
A seriedade da vida, que começa na escola, não deveria ser aborrecida, tristonha, mas cheia de alegria, entusiasmo e fervor. Por isso, até os 7 anos, a criança é deixada livre para brincar, e é estimulada a isto, mas não diretivamente, apenas indiretamente, pelo cultivo do imaginário, pelo ambiente físico especialmente preparado para dar asas à fértil imaginação infantil, pelos contos de fada e outros, transmitidos calorosamente pela voz humana. O propósito da Educação, para a pedagogia Waldorf, é transformar o entusiasmo pelo brinquedo em entusiasmo pelo estudo; o prazer na brincadeira pelo prazer na aprendizagem.
O grande desejo de cada professor é que a criança transforme a solene seriedade com que se entrega ao brinquedo, em uma seriedade igualmente solene, porém alegre, para com o estudo e o trabalho. A única ocupação digna para uma criança até os sete anos, é o brincar, pois é como ela põe em movimento sua fantasia e com a experimentação de suas faculdades criadoras, constrói uma nova realidade.
PARTE 5: CONCLUSÃO
Nossa preocupação, ao desenvolver esta pesquisa de revisão bibliográfica, foi de compreender, por quais transformações estamos passando e o que tudo isso pode refletir no processo educacional vigente. Procurando entender esse processo, sentimos que a visão holística, seja uma nova perspectiva que pode contribuir muito as novas exigências históricas.
É difícil afirmar se estamos ou não diante de um processo de mudança de paradigma, mas o que podemos constatar é a existência de uma forte representação de reflexões a partir dos mais diversos âmbitos da cultura que nos mostra as deficiências do paradigma vigente (Yus Ramos, 1997). Diante dessas deficiências foram dadas respostas contraculturais diversas, algumas delas possivelmente transitórias até que se fixe um novo paradigma. Dentro desse conjunto de respostas encontram-se as propostas de uma visão holística do mundo.
O mesmo autor compartilha com a hipótese do filósofo Capra (1994), afirmando que estamos diante de um processo de mudança de paradigma diante de uma evidente “crise de percepção”, segundo a qual o paradigma que vem dominando o mundo ocidental, o paradigma mecanicista (também conhecido como cartesiano ou analítico), não só está deixando de ser útil para as metas atuais, como se está provocando danos consideráveis em todas as escalas (devido à onipresença de todo paradigma). Diante dessa defasagem, vai surgindo de maneira progressiva um novo paradigma, chamado sistêmico ou holístico, que começa a dar respostas mais acertadas para os problemas que temos na atualidade em terrenos da atividade humana e planetária. Em linhas gerais, o paradigma mecanicista nos proporcionou uma ferramenta poderosa para o avanço científico e tecnológico, mas isso foi à custa de uma visão distorcida da natureza (sua dimensão material), ao incentivar uma visão compartimentada do mundo, separando o homem do resto da natureza, a mente ou a alma do corpo, e conseqüentemente, exigindo uma especialização precoce no âmbito educativo, esquecendo daquelas dimensões humanas que são essenciais para uma formação integral.
O paradigma sistêmico, com sua concepção holística, pretende recompor muitas das rupturas geradas pelo paradigma mecanicista, buscando a conexão homem/natureza e mente/corpo que havíamos perdido. Para que com isso possamos nos reconectar com o todo do qual fazemos parte, e assim começar um novo tipo de relação com nossos semelhantes e com a natureza em geral.
A abordagem holística em Educação ainda está em fase embrionária, buscando construir uma teoria sistematizada que, fundamente esta prática de ensino, também não é uma proposta acabada e definitiva.
Essa abordagem defende segundo Cardoso (1995), que todo indivíduo, possui muitas potencialidades até hoje pouco ou nada desenvolvidas na escola, que estão no campo da inteligência intuitiva e criativa, e que são igualmente importantes no processo de aquisição de conhecimento. Uma aprendizagem integral deveria, portanto, englobar todas as formas de construção da realidade, inclusive as formas intuitivas e dos sentimentos, onde, “parafraseando NOGUEIRA (2001, pg.36) a idéia de sujeito integral nos levaria a conceber um conjunto de áreas em que a cognição é apenas parte desse todo e como qualquer outra aprendizagem deve expandir-se também para as áreas motoras, afetivas, social, etc”.
Certamente estes aspectos serão frutos de futuras pesquisas, mas hoje, já se tem algumas aproximações do que seja “apreensão intuitiva”. De acordo com Bruner (1973 apud CARDOSO, 1995,p.54), a intuição permite ao pensamento dar saltos, pular etapas em campo de conhecimento familiar.
Caso isso passe pelo crivo do raciocínio analítico, e se confirmem como verdade, à intuição poderia gerar hipóteses súbitas, uma ordenação provisória de informações e meios para se investigar a realidade com maior profundidade.
O sentimento é a instância da consciência onde se podem captar os conteúdos da razão analítica, dando-lhes mais profundidade e significância. Sem o sentimento, podemos entender porque um computador não está funcionando, mas não poderemos compreender os conflitos existenciais do outro.
O distanciamento que o intelecto causa entre sujeito e objeto, para poder cientificamente desenvolver uma questão, é antagônico ao sentimento que dá condições de se colocar no lugar do outro, unindo-se com ele, para melhor compreende-lo.
O ato de aprender holisticamente não só se restringe a capacitar o indivíduo para entender este mundo físico, leva-o a saber resolver questões de ordem prática, mas é principalmente um processo de auto conhecimento, em busca da plena realização do homem, que em linguagem comum podemos traduzir por alcançar a felicidade. Ser feliz é celebrar a vida. É sentir-se em comunhão com todos os seres na vida e na morte.
Holisticamente, aprendizagem é mudança de valores, implica numa conversão. A compreensão do Universo só tem um sentido ético se levar o homem para uma melhor compreensão de si mesmo. O conhecimento, além de ser um caminho pessoal de descobertas, é também, fruto de atividades cooperativas.
O conhecimento científico nesta linha, não tem finalidade em si. É um instrumento para se transpor obstáculos no mundo concreto, mas não deve ser um fardo que impeça e dificulte o caminhar. Se numa travessia de um rio, alguém se utilizar de seus conhecimentos para fazer uma jangada, ótimo! O obstáculo poderá ser superado. Se, porém, esse alguém carregar a jangada consigo, ela certamente será um empecilho.
O saber para poder, é meio, o saber para ser, é fim. A educação deve promover a integração entre o SABER e o SER.
Para a aprendizagem holística não bastam estudos interdisciplinares, na tentativa de superar a fragmentação curricular. É indispensável também a vivência globalizante dos conteúdos. É assim que o conhecimento transcenderá o reino do determinismo para o reino das possibilidades infinitas do ser. O conhecimento deve ser um instrumento para uma prática libertadora do espírito humano. A aprendizagem seria um processo pelo qual o aprendiz se colocaria no caminho do saber ser, e não só uma aquisição de conhecimentos e habilidades técnicas. E a aprendizagem não estaria centrada nem no professor e nem no educando, mas sim no encontro experiencial entre eles.
O objetivo das aquisições científicas e técnicas devem ter nesta visão a finalidade suprema de obter a felicidade do indivíduo, na comunhão com a comunidade cósmica, planetária e humana.
Em suma, a educação holística é uma visão que aposta em uma exploração mais ampla e em uma reconceituação do significado da mudança social. Esse renascimento educativo trará consigo o espírito aberto do diálogo.
Por acreditarmos em tudo isso, esse trabalho não pretende concluir a Pedagogia Holística, mas sim abrir caminho para mais pesquisas, que possam contribuir para que novos educadores compactuem e desenvolvam uma visão holística nos processos educacionais.
PARTE 6: REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRANDÃO, Zaia (Org.). A Crise dos Paradigmas e a Educação. 3ª ed. São Paulo: Cortez Editora, 1994.
CARDOSO, Clodoaldo Meneguello. A Canção da Inteireza – Uma visão holística da Educação. São Paulo – SP, Summus Editoral, 1995.
CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação. São Paulo – SP: Editora Cultrix, 1982.
CREMA, Roberto. Visão Holísitica em Psicologia e Educação. São Paulo – SP: Summus, 1991.
GATE: Global Alliance for Transforming Education. Education 2000: A Holistic Perspective. Holistic Education Review, Atlanta, Geórgia, EUA, 1991.
GARDNER, Howard. A Criança pré-escolar: como pensa e como a escola pode ensiná-la. Trad. Carlos Alberto S. N. Soares. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
GREUEL, Marcelo da Veiga. Holismo e Pedagogia. Revista Chão e Gente. Publicação do Instituto de Economia Associativa. SP-SP. Nov. pp.18-22. 1996.
KÜGELGEM, Helmut von. A Educação Waldorf. Aspectos da Prática Pedagógica. 2a. ed. São Paulo – SP: Antroposófica, 1989.
LANZ, Rudolf. A Pedagogia Waldorf – Caminho para um ensino mais humano. 6a. ed. São Paulo – SP: Antroposófica,1989.
NARANJO, C. Educando a pessoa como um todo para um mundo como um todo. BRANDÃO, D.M.S. e CREMA, Roberto (orgs.). Visão Holística em Psicologia e Educação. São Paulo , Summus, 1991.
NOGUEIRA, Nilbo Ribeiro. Pedagogia dos projetos: uma jornada interdisciplinar rumo ao desenvolvimento das múltiplas inteligências. São Paulo: Érica, 2001.
SENGE, Peter M. A Quinta Disciplina: Arte e Prática da Organização da Aprendizagem. OP Traduções. 16. ed. São Paulo – SP: Best Seller, 2004.
WEIL, Pierre. A Arte de Viver em Paz. Por uma nova Consciência, por uma nova Educação. 4ª ed. São Paulo – SP: Editora Gente,1994.
__________. Educação e Cybercultura – A Nova Relação com o Saber. Acessado em 18/10/2004, no site:
http://portweb.com.br/Pierre Levy/educaecyber.html
YUS, Rafael. Educação Integral: uma educação holística para o século XXI. Trad. Daisy Vaz de Moraes. – Porto Alegre: Artmed, 2002.
ANEXO
EDUCAÇÃO 2000: UMA PERSPECTIVA HOLÍSTICA
Na citada Conferência de Chicago (1990), também foi fundada o GATE (Global Alliance for Transforming Education), que elaborou um importante documento que pretende aglutinar as inquietações de todos os educadores holísticos do mundo: Educação 2000: uma perspectiva holística. Nesse documento estão dez princípios que atualmente servem de referência a todos os educadores holísticos do mundo.
A Aliança Global pela Educação Transformadora (GATE) é uma organização internacional cuja missão declarada é “proclamar e promover uma visão da educação que fomente o crescimento da pessoa, da justiça social e do desenvolvimento sustentável”. Esse objetivo é cumprido com a criação de círculos GATE por todo o mundo, onde as pessoas se reúnem para discutir a implementação da visão exposta no documento:Educação 2000: uma perspectiva holística. Essa declaração nasceu em uma reunião integrada por oito educadores de sete países que teve lugar em Chicago, Illinois (junho de 1990), no VIII Congresso Internacional de Educadores Holísticos, para “criar uma Visão Comum para a Educação Holística”.
Somos educadores, pais e cidadãos de diversas procedências e movimentos, que manifestam um interesse comum pelo futuro da humanidade e de toda a vida na Terra. Acreditamos que os problemas sérios que afetam os sistemas educacionais modernos refletem uma profunda crise em nossa cultura: a incapacidade da visão dominante do mundo industrial/tecnológico de abordar de uma forma humana e vitalmente positiva os desafios sociais e planetários com os quais hoje nos deparamos.
Acreditamos que nossos valores e nossas práticas dominantes, que incluem a preponderância da competitividade sobre a cooperação, do consumo sobre o uso sustentável dos recursos e da burocracia sobre uma interação autenticamente humana, têm sido destrutivos para a saúde do ecossistema e também para o bom desenvolvimento humano.
Conforme analisamos essa cultura em crise, também vemos que nossos sistemas de educação são anacrônicos e não-funcionais. Em grande contraste com o uso convencional da educação mundial, cremos que nossa cultura deve recuperar o significado do mundo, que ainda está “por fazer”. Nesse contexto, a educação significa preocupar-se por fazer brotar a grandeza que existe no interior de cada pessoa.
O propósito dessa declaração é proclamar uma visão alternativa da educação, uma visão que seja resposta democrática e vitalmente afirmativa aos desafios dos anos 90 em diante. Como valorizamos a diversidades e incentivamos uma grande variedade de métodos, aplicações e práticas, essa é uma visão que os educadores podem aplicar de diversas maneiras. Não existe unanimidade completa, mesmo entre os que assinam esse documento, sobre todas as afirmações apresentadas aqui. A visão vai além de nossas diferenças e nos aponta uma direção que oferece uma solução humana para a crise da educação moderna.
Princípio I: educar para o desenvolvimento humano
Afirmamos que o primeiro, além de fundamental, princípio da educação é nutrir as possibilidades inerentes do desenvolvimento humano. As escolas devem ser lugares que facilitem o aprendizado e do desenvolvimento global de todos os alunos. A aprendizagem deve envolver o enriquecimento e o aprofundamento das relações consegue mesmo, com a família e com os membros da comunidade, com o planeta e com o cosmos. Essas idéias foram expressas e postas em prática de maneira eloqüente por grandes pioneiros da educação como Pestalozzi, Froebel, Dewey, Montessori, Steiner e muitos outros.
Infelizmente, a educação pública nunca viu o desenvolvimento humano completo como primeiro propósito. A literatura histórica deixa claro que os sistemas escolares foram organizados para aumentar a produtividade nacional, incutindo hábitos de obediência, fidelidade e disciplina. A literatura “reestruturante” e “excelente” dos anos 80 e 90 continua permitindo um interesse pela produtividade e competitividade da economia nacional, e busca utilizar as habilidades e os sonhos da próxima geração como único objetivo para o desenvolvimento econômico. Cremos que o desenvolvimento humano deve ser atendido antes que o desenvolvimento econômico.
Queremos um reconhecimento renovado dos valores humanos que foram ressaltados pela cultura moderna: harmonia, paz, cooperação, comunitarismo, honestidade, justiça, igualdade, compaixão, compreensão e amor. O ser humano é mais completo e mais global do que seus papéis como trabalhador e cidadão. Se uma nação, por meio de suas escolas, suas normas de bem-estar infantil e sua competitividade fracassa em nutrir a autocompreensão, a saúde emocional e os valores democráticos, então, os sucessos econômicos finais serão minados por um colapso moral da sociedade.
No entanto, isso já está acontecendo, conforme mostra a epidêmica dependência de drogas e os terríveis problemas do crime, alcoolismo, abuso infantil, corrupção política e corporativa, alienação e suicídio, e a violência nas escolas. Devemos nutrir seres humanos sadios para termos uma sociedade e uma economia sadias. Com toda certeza o sistema econômico exige uma força de trabalho especializada a realmente treinada.
Podemos garantir melhor essa força de trabalho tratando primeiro os jovens como seres humanos e depois como futuros trabalhadores. Somente as pessoas que vivem de maneira plena e significativa podem ser verdadeiramente produtivas. Exigimos um maior equilíbrio entre as necessidades da vida econômica e esses ideais humanos que transcendem o econômico e que são necessários para uma ação responsável.
Princípio II: respeitar aos alunos como indivíduos
Desejamos que cada aluno jovem e adulto seja reconhecido como único e valioso. Isso significa aceitar as diferenças pessoais e fomentar em cada aluno um sentido de tolerância, de respeito e de consideração pela diversidade humana. Cada individuo é inerentemente criativo, tem necessidades e habilidades físicas, emocionais, intelectuais e espirituais únicas, além do que possui uma capacidade ilimitada para aprender.
É preciso uma revisão profunda das qualificações, avaliações e provas padronizadas. Acreditamos que a função primeira da avaliação é proporcionar a realimentação para o aluno e para o professor, para evidenciar os problemas do aprendizado. Sugerimos que as notas “objetivas” realmente não servem para a aprendizagem e o bom desempenho dos alunos. Estivemos tão atarefados medindo o mensurável que negamos aqueles aspectos do desenvolvimento humano que são incomensuravelmente mais importantes.
Junto ao esquecimento das importantes dimensões de todos os alunos, as provas padronizadas também servem para eliminar aqueles que não podem ser padronizados. Em escolas de sucesso e inovadoras em todo o mundo, as provas e a notas padronizadas foram substituídas por avaliações pessoais, que fazem com que os alunos consigam conduzir-se internamente. O resultado natural dessa prática é o desenvolvimento do autoconhecimento, da autodisciplina e do autêntico entusiasmo pelo aprendizado.
É necessária uma maior aplicação do enorme conhecimento que hoje temos sobre os estilos de aprendizagem, as inteligências múltiplas e as bases biofísicas da aprendizagem. Não há mais desculpas para impor tarefas de aprendizado, métodos e materiais em amassa quando sabemos que qualquer grupo de alunos precisará aprender de diferentes formas, com diferentes estratégias e atividades. O trabalho realizado sobre as inteligências múltiplas demonstra que uma área de força como a sinestesia corporal, musical ou espacial-visual pode ser revelada para construir uma área frágil como a lingüística ou a lógico-matemática.
Questionamos o valor de categorias educativas, tais como “talentoso”, “com dificuldades de aprendizado” e “de risco”. Os alunos de todas as idades diferem muito por um espectro completo de habilidades, de talentos, de inclinações e de antecedentes. A colocação desses rótulos não descreve as potencialidades pessoais do aluno, define apenas uma relação às expectativas arbitrárias do sistema.
O termo “de risco” é especialmente pernicioso. Serve para fomentar os objetivos competitivos e homogeneizadores do sistema educacional, ignorando as experiências e as percepções que se encontram por trás de um determinado aluno.
Sugerimos, em seu lugar, que a escolaridade deveria ser transformada, respeitando a individualidade de cada pessoa e construindo uma verdadeira comunidade de aprendizado em que as pessoas aprendam com as diferenças dos demais, estaremos ensinando a valorizar suas próprias qualidades pessoais e incentivando que se ajudem. Como resultado, deve-se considerar as necessidades de cada aluno.
Princípio III: o papel central da experiência
Afirmamos o que os educadores mais perceptivos têm argumentado durante séculos: a educação é uma questão de experiência. A aprendizagem é um encadeamento ativo e multisensorial entre um indivíduo e o mundo, um contato mútuo que estimula o aprendiz e revela a rica significatividade do mundo. A experiência e dinâmica e esta sempre em crescimento. O objetivo da educação deve ser nutrir de maneira natural e saudável o crescimento por meio de experiência, e não apresentar um “currículo” limitado, fragmentado e pré-digerido como caminho para o conhecimento e a sabedoria.
Acreditamos que a educação deveria conectar o aluno com as maravilhas do mundo real por meio de abordagens experienciais que já os insiram na vida e na natureza. A educação deveria conectar o aluno com os trabalhadores do mundo social por meio de um contato real com a vida econômica e social da comunidade. E a educação deveria colocá-lo em contato com seu próprio mundo interior por meio das artes, do diálogo honesto e dos momentos de reflexão tranqüila; sem esse conhecimento de si mesmo, todo conhecimento é superficial e sem propósito.
Princípio IV: educação holística
Queremos a globalidade dos processos educativos e a transformação das instituições educativas e das regulamentações exigidas para alcançar essa meta. A globalidade implica que cada disciplina acadêmica proporciona somente uma perspectiva diferente sobre o rico, complexo e integrado fenômeno da vida. A educação holística celebra e torna construtivo o uso do desenvolvimento, das visões alternativas da realidade e das múltiplas formas de conhecimento. Não são somente os aspectos intelectuais e vocacionais do desenvolvimento humano que precisam ser alimentados e guiados, mas também os aspectos físicos, sociais, morais, estéticos, criativos e, em um sentido não sectário, os espirituais. A educação holística considera o mistério da vida e do universo além da realidade experiencial.
O holismo é um paradigma emergente, baseado em uma rica herança de muitas áreas escolares, afirma a interdependência inerente da teoria evolutiva, da pesquisa e da prática. O holismo está enraizado na idéia de que o universo é um conjunto integrado em que todas as coisas estão conectadas. Esse assumir a globalidade e a unicidade está em direta oposição com o paradigma da separação e da fragmentação que prevalece no mundo contemporâneo.
O holismo corrige o desequilíbrio das visões reducionistas por meio de sua ênfase em uma concepção ampla da ciência e das possibilidades humanas. O holismo traz consigo implicações significativas para a ecologia e para a evolução humana e planetária.
Princípio V: o novo papel dos educadores
Desejamos uma nova compreensão do papel dos professores. Cremos que o ensino é essencialmente uma vocação ou um chamado que requer uma combinação de sensibilidade artística com uma prática cientificamente assegurada. Muitos dos educadores de hoje chegaram a cair na armadilha do profissionalismo competitivo: credenciais e certificados fragilmente controlados, jargões e técnicas especiais, e uma frieza profissional com os temas espirituais, morais e emocionais inevitavelmente envolvidos nos processos de crescimento humano.
Afirmamos que esses educadores devem ser facilitadores da aprendizagem, que é um processo orgânico e natural e não um produto que pode ser mudado de acordo com a demanda. Os professores exigem autonomia para a elaboração e implementação de ambientes de aprendizagem que sejam apropriados para as necessidades particulares de seus alunos.
Ansiamos por novos modelos de formação de professores que incluam o cultivo do próprio interior dos professores e seu despertar criativo. Quando os educadores estão abertos para seu próprio ser, conseguem uma co-aprendizagem e alguns processos de co-criação com o aluno. Nesses processos, o professor é aluno, e o aluno é professor. O que o ensino requer é uma sensibilidade especial para os desafios do desenvolvimento humano, não um pacote de métodos e materiais pré-determinados.
Desejamos professores centrados no aluno que mostrem uma reverência e um respeito pelos indivíduos. Os educadores deveriam ser conscientes e estar atentos para as necessidades, diferenças e habilidades, e serem capazes de responder ás necessidades em todos os níveis. Os educadores têm de considerar sempre cada indivíduo nos contextos da família, da escola, da sociedade, da comunidade global e do cosmos.
Queremos a desburocratização dos sistemas escolares, de forma que as escolas (assim como as casas, os parques, o mundo natural, o local de trabalho e todos os locais de aprendizagem) possam ser espaços de encontro humano autêntico. A literatura reestruturante de hoje enfatiza a “taxação”, colocando o professor a serviço dos administradores e dos elaboradores de normas.
Acreditamos firmemente que o educador é responsável, acima de tudo, pela busca dos jovens por uma compreensão significativa do mundo que algum dia lhe será inerente.
Princípio VI: liberdade de escolha
É necessário que haja oportunidades significativas para a escolha real em todos os estágios do processo de aprendizado. A educação genuína somente pode ocorrer em um clima de liberdade. A liberdade de pesquisa, de expressão e de crescimento pessoal é plenamente exigida. Em geral, os alunos deveriam poder realizar escolhas autênticas sobre sua aprendizagem. Eles deveriam ter uma voz significativa na determinação do currículo e dos procedimentos disciplinares, de acordo com sua habilidade para assumir tal responsabilidade.
Não obstante, reconhecemos que algumas abordagens ligadas ao ensino irão permanecer por muito tempo guiado pelo adulto, devido às convicções filosóficas ou porque servem para grupos de alunos especiais. O fato é que as famílias e os alunos precisam ter liberdade para escolher tais abordagens, e não a tem.
As famílias deveriam ter acesso a um amplo leque de opções educativas nos sistemas de escola pública. Em vez do sistema corrente, que oferece um pacote de “alternativas”, a educação pública poderia englobar inúmeras opiniões. A missão da educação pública não deveria ser a de impor uma cultura homogeneizada em uma sociedade diversa.
Existe já uma necessidade de escolas não-públicas, que tendem a ser mais receptivas para desenvolver inovações e que são capazes de imbuir-se de valores de uma religião particular ou de outras comunidades estreitamente unidas. As famílias deveriam ter a liberdade de educar suas crianças em casa, sem a devida interferência das autoridades públicas. A escolaridade em casa mostrou-se ser educativa, social e moralmente nutridora para muitas crianças e famílias.
Princípio VII: educar para uma democracia participativa
Queremos um modelo de educação verdadeiramente democrático para possibilitar que todos os cidadãos participem de forma significativa na vida da comunidade e do planeta. A construção de uma verdadeira sociedade democrática significa muito mais do que permitir que as pessoas votem em seus líderes; significa possibilitar que os indivíduos tenham uma participação ativa nos assuntos da comunidade. Uma verdadeira sociedade democrática é mais do que a “regra da maioria”; é uma comunidade em que todos são ouvidos e que as questões humanas são atendidas. È uma sociedade aberta à mudança construtiva, seja ela social ou cultural.
Para garantir esses ideais elevados, os cidadãos têm de ser capacitados para pensar de maneira crítica e independente. A verdadeira democracia depende de que o povo seja capaz de discernir a verdade da propaganda, os interesses comuns dos slogans partidários. Em uma era em que a política está sendo conduzida pelos bytes de som e pelas relações públicas enganosas, a reflexão crítica é mais importante do que nunca para a sobrevivência da democracia.
Essas são todas as tarefas educativas. Os processos de ensino/aprendizagem já não podem fomentar esses valores a não ser que sejam completamente assumidos por eles. A aprendizagem ambiental deve voltar-se para a empatia, para as necessidades humanas compartilhadas, para a justiça e para a estimulação de um pensamento original e crítico. Ela é a essência da verdadeira educação; é o ideal socrático, que raramente tem sido realizado nos sistemas educacionais.
Princípio VIII: educar para uma cidadania global
Acreditamos que cada um de nós, percebendo ou não, é um cidadão global. A experiência humana é muito mais ampla do que os valores ou as formas de pensamento de qualquer cultura. Na comunidade global emergente, estamos sendo colocados em contato com diversas culturas e visões do mundo como nunca antes na história.
Pensamos que este é o momento em que a educação deve favorecer-se da enorme diversidade de experiência humana e dos potenciais perdidos ou ainda não considerados dos seres humanos. A educação em uma era global precisa voltar-se para o que é mais completo mais universalmente humano na jovem geração de todas as culturas.
A educação global está baseada em uma visão ecológica, que enfatiza a conectividade e a interdependência da natureza e da vida humana e sua cultura. A educação global facilita a tomada de consciência do papel de um indivíduo na ecologia global, o que inclui a família humana e outros sistemas da Terra e do Universo. Um dos objetivos da educação global é abrir mentes. Isso acontece por meio de estudos interdisciplinares, experiências que estimulam a compreensão, a reflexão, o pensamento crítico, e a resposta criativa.
A educação global nos lembra que toda educação e toda atividade humana precisa repousar em princípios que governem com sucesso os sistemas ecológicos. Esses princípios incluem a utilidade da diversidade, o valor da cooperação e do equilíbrio, as necessidades e os direitos dos participantes, e a importância da sustentabilidade a partir do sistema.
Outros componentes importantes da educação global incluem a compreensão das causas dos conflitos e a experimentação de métodos de resolução de conflitos. Ao mesmo tempo, temas de análise social, tais como os direitos humanos, a justiça, as pressões populares e o desenvolvimento são essenciais para uma compreensão adequada das causas da guerra e das condições para se alcançar a paz.
Como as religiões e as tradições espirituais do mundo têm grande impacto, a educação global incentiva sua compreensão e a apreciação de seus valores universais, incluindo o estudo do significado, do amor, da compaixão, da sabedoria, da verdade e da harmonia. Assim, a educação em uma era global está voltada para o que é mais completo e universalmente humano.
Princípio IX: educar para a alfabetização da Terra
Cremos que a educação tem de brotar organicamente de uma profunda reverência com a vida em todas as suas formas. Devemos despertar uma relação entre o mundo humano e o mundo natural que seja nutridora e não exploradora. Isso está no centro mais profundo de nossa visão no século XXI. O planeta Terra é um sistema complexo e vasto, entretanto fundamentalmente unitário, um oásis de vida no véu escuro do espaço.
A ciência pós-newtoniana, a teoria de sistemas e outros avanços recentes no pensamento moderno reconheceram o que algumas antigas tradições espirituais e mitológicas mostraram durante séculos: o planeta, e toda forma de vida existente nele, formam um conjunto interdependente.
As instituições econômicas, sociais e políticas devem ter um profundo respeito por essa interdependência. Todos têm de reconhecer a importância fundamental da cooperação global e da sensibilidade ecológica, isso se a humanidade quiser sobreviver neste planeta. Nossas crianças precisam de um planeta sadio para viver, aprender e crescer. Elas precisam de ar puro, de água, de luz solar, de solo fértil e de todas as formas vivas que fazem parte do ecossistema Terra. Um planeta doente não admite crianças sadias.
Pedimos uma educação que promova a alfabetização da terra para incluir uma consciência da interdependência planetária, a congruência do bem estar pessoal e global, o papel e o leque de responsabilidades do indivíduo. A educação precisa estar enraizada em uma perspectiva global e ecológica, com o objetivo de cultivar nas gerações mais jovens um apreço pela profunda ligação entre todas as formas de vida.
A educação da Terra implica uma valorização holística de nosso planeta e dos processos que sustentam todo tipo de vida. Centrais para esse estudo são os conhecimentos de sistemas de apoio básicos para a vida, o fluxo de energia, os ciclos, as inter-relações e a mudança. A educação da Terra é uma área integradora que inclui processos de mudança do tipo político, econômico, cultural, histórico, pessoal e social.
Princípio X: espiritualidade e educação
Acreditamos que todas as pessoas são seres espirituais na forma humana, que expressam sua individualidade por meio de seus talentos, suas habilidades, suas intuições e suas inteligências. Assim como o indivíduo se desenvolve física, emocional e intelectualmente, cada pessoa também se desenvolve espiritualmente.
A experiência e o desenvolvimento espiritual manifestam uma profunda conexão consigo mesmo e com os demais, um sentido de significado e de propósito na vida diária, uma experiência de globalidade e de interdependência da vida, um alívio para a atividade frenética, para a pressão e a superestimulação da vida contemporânea, a plenitude da experiência criativa e um profundo respeito com os mistérios ignominiosos da vida: A parte mais importante e valiosa da pessoa é seu interior, sua vida subjetiva e ou sua alma.
A ausência da dimensão espiritual é um fator crucial no comportamento autodestrutivo. O abuso de drogas e do álcool, a sexualidade vazia, o crime e a ruptura familiar, tudo é fonte de uma busca errada da conexão, do mistério e do significado, e uma fuga devido ao pânico de não ter uma fonte autêntica de plenitude.
Cremos que essa educação deve nutrir o crescimento sadio da vida espiritual, não violenta-la por meio da avaliação e da competição constantes. Uma das funções da educação é ajudar os indivíduos a se tornarem conscientes da conectividade de toda forma de vida. É fundamental para essa consciência de globalidade e de conectividade a ética expressada em todas as tradições do mundo: “Não fazer aos outro o que não quero que façam a mim”.
Também fundamental para o conceito de conectividade é a consideração do indivíduo. Se tudo está ligado com todo o mundo e também como qualquer coisa, então o indivíduo deve ter e tem sua singularidade.
Estimulando um sentido profundo de ligação com os demais e com a Terra em todas as suas dimensões, a educação holística promove um sentido de responsabilidade consigo mesmo, com os demais e com o planeta. Acreditamos que essa responsabilidade individual, grupal e global se desenvolve fomentando a compaixão que causam os indivíduos que querem aliviar o sofrimento dos demais, instalando a convicção de que a mudança é possível, e oferecendo as ferramentas para tornar essas modificações viáveis.
Por Adriana Soares Lourenço dos Santos
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~ Educação
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