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Sua descoberta no campo da lógica matemática é comparável à teoria da relatividade, de Albert Einstein, e ao princípio da incerteza, de Werner Heisenberg. Juntos, os três abalaram o mito da objetividade científica. Os teoremas de Goumldel tiveram consequumlências para o pensamento sobre a natureza da verdade, do conhecimento e da certeza, como demonstra o livro "Incompletude: A Prova e o Paradoxo de Goumldel", em que a autora, Rebecca Goldstein, conta histórias saborosas e as idiossincrasias de um gênio louco, autor de descobertas matemáticas indecifráveis, em texto acessível a leitores leigos.
Os episódios pitorescos vão desde a sua fama de mulherengo - famosa no Círculo de Viena, onde todas as vezes que aparecia uma jovem bonita, estava procurando por ele - até sua total aversão a contatos pessoais. Sobre sua vida amorosa e sexual o relato é de um casamento tão estranho quanto surpreendente para um personagem sisudo: depois da morte do pai, o austríaco casou-se com uma prostituta a quem introduziu na sociedade americana, causando espécie pelas roupas espalhafatosas, não apenas estranhas ao ambiente acadêmico como absolutamente opostas ao estilo - ou à falta de estilo - social de Goumldel.
Capaz de passar horas ao telefone, sobretudo se o assunto fosse matemática, foi um personagem introspectivo, de poucos amigos e raros contatos pessoais em Princeton, a universidade americana na qual passou a maior parte da vida acadêmica. Apesar da diferença de idades, foi com Einstein, 27 anos mais velho, que Goumledel travou a maioria das conversas, pessoais ou científicas, em caminhadas diárias, em Nova Jersey, onde ambos compartilhavam, além do interesse acadêmico, o sentimento de exílio. Colegas no então recém-criado Instituto de Estudos Avançados, haviam fugido da Europa nazista durante a Segunda Guerra Mundial e, embora fossem tidos como muito diferentes, foram amigos inseparáveis. A companhia de Einstein, que deixou registrados muitos elogios ao austríaco, amenizou a hostilidade com que os pares de Goumldel o encaravam.
"A inevitável incompletude até de nossos sistemas formais de pensamento demonstra que não existe um fundamento sólido que sirva de base a qualquer sistema", argumenta Rebecca. Ela afirma ainda que a noção de verdade objetiva é um mito socialmente construído. No Brasil, sua obra teve repercussão em 1991, quando os pesquisadores Newton da Costa e Francisco Doria, respectivamente doutores em matemática e física, demonstraram que a indecidibilidade se aplica também à teoria do caos - trabalho reconhecido como inovador pela mais importante publicação científica do mundo, a revista "Nature". "Não existe um sistema de computador que possa distinguir o caos do não-caos", explica Doria, um dos muitos cientistas que discordam da idéia de que a teoria de Goumldel possa servir para abalar a objetividade.
O filósofo Jacques Derrida se valeu dos teoremas da incompletude para marcar seu pensamento pelos indecidíveis - palavra usada por ele pela primeira vez em "Disseminação", livro de 1971 em que faz referência a Goumldel. "Uma proposição indecidível, Goumldel a demonstrou, é uma proposição que, dado um sistema de axiomas, não é nem uma consequumlência analítica ou dedutível dos axiomas, nem está em contradição com eles, não é nem verdadeiro, nem falso do ponto de vista destes axiomas", escreveu o filósofo, que dali em diante demonstraria com os indecidíveis a fraqueza dos conceitos sobre os quais se apóia o conhecimento.
Para o professor Rafael Haddock-Lobo, pós-doutorando em filosofia na USP e autor do recém-lançado "Derrida e o Labirinto de Inscrições" (editora Zouk), a indecidibilidade que aparece em "Disseminação" é um marco no pensamento do filósofo. "É quando Derrida começa a formalizar este estranho lugar do discurso da desconstrução que surge a referência à Goumldel. Se não há esta plena certeza dos lugares, então todo discurso é, de certo modo, marginal, e deve assumir esta indecidibilidade. Em sua leitura de Goumldel, Derrida vai propor que se leve em consideração não mais a lógica tradicional do "ou isto ou aquilo", que regulou todo o pensamento ocidental, mas outra lógica que embarace estes termos tão pretensamente bem definidos", explica.
Em Derrida, os paradoxos que os teoremas da incompletude apontam são incorporados e fazem parte das questões filosóficas que discute. "Esse movimento requer uma paixão pelos paradoxos e uma vontade de permanecer neles", diz Haddock-Lobo. Em Goumldel, o paradoxo dos teoremas surgiu como uma consequumlência indesejada do seu trabalho. Rebecca o classifica como o maior lógico desde Aristóteles e explica que Goumldel só chegou à idéia de incompletude porque estava trabalhando com a ambição de alcançar uma conclusão matemática que comprovasse o realismo da lógica matemática. O fato de sua obra ter entrado para a história não apenas como um paradigma anti-objetividade, mas como uma de suas forças propulsoras mais poderosas, se constitui numa imensa ironia. Ou no mais insolúvel dos paradoxos.
"Incompletude: A Prova e o Paradoxo de Goumldel". - Rebecca Goldstein