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17 de set. de 2011

Rupert Sheldrake e os campos morfogenéticos:

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Category:Other


Rupert Sheldrake é um dos biólogos mais controversos de nosso tempo. As suas teorias não só estão revolucionando o ramo científico de seu campo (a biologia), mas estão transbordando para outras áreas ou disciplinas como a física e a psicologia.
No seu livro Uma Nova Ciência da Vida (A New science of life, 1981), Sheldrake toma posições na corrente organicista ou holística clássica, sustentadas por nomes como Von Bertalanffy e a sua Teoria Geral de Sistemas ou E. S. Russell, para questionar de um modo definitivo a visão mecanicista, que dá por explicado qualquer comportamento dos seres vivos mediante o estudo de suas partes constituintes e sua posterior redução para as leis químicas e físicas.
Sheldrake propõe a idéia dos campos morfogenéticos, os quais ajudam a compreender como os organismos adotam as suas formas e comportamentos característicos.
Morfo vem da palavra grega morphe que significa forma; genética vem de gêneses que significa origem. Os campos morfogenéticos são campos de forma, campos padrões, estruturas de ordem. Estes campos organizam não só os campos de organismos vivos, mas também de cristais e moléculas. Cada tipo de molécula, cada proteína, por exemplo, tem o seu próprio campo mórfico – hemoglobina, insulina, etc. De um mesmo modo cada tipo de cristal, cada tipo de organismo, cada tipo de instinto ou padrão de comportamento tem seu campo mórfico. Estes campos são os que ordenam a natureza. Há muitos tipos de campos porque há muitos tipos de coisas e padrões dentro da natureza.
A contribuição de Sheldrake foi juntar noções vagas sobre os campos morfogenéticos (Weiss 1939) e os formular em uma teoria demonstrável. Desde que escrevera o livro no qual apresenta a Hipótese da Ressonância Mórfica, em 1981, foram feitas numerosas experiências que, em princípio, deveriam demonstrar a validade, ou a invalidade destas hipóteses. Você encontrará algumas mais relevantes ao término deste artigo.
Três enfoques sobre o fenômeno vital
Tradicionalmente houve três correntes filosóficas sobre a organização da natureza biológica da vida: vitalismo, mecanicismo e organicismo.

VITALISMO
O vitalismo sustenta que em toda forma de vida existe um fator intrínseco, evasivo, inestimável e não sujeito a medidas que ativa a vida. Hans Driesch, biólogo e filósofo alemão precursor principal do vitalismo depois da mudança de século, chamou a esse fator causal misterioso enteléquia, que se fazia especialmente evidente em aspectos do desenvolvimento do organismo como a regulação, regeneração e reprodução.
A forma clássica do vitalismo como foi exposta por numerosos biólogos no princípio de século, especialmente por Driesch, foi criticado severamente pelo seu caráter acientífico: o fator causal (enteléquia) era incerto e não pôde ser demonstrado de modo algum.
Ernest Nagel, filósofo da ciência escreveu em 1951, no seu livro Filosofia e Investigação Fenomenológica: “O grosso do vitalismo [...] é agora uma questão extinta [...] não tanto talvez para a crítica filosófica e metodológica que se há revelado contra a doutrina, mas para a infertilidade do vitalismo em guiar a investigação biológica e pela superioridade heurística de focos alternativos.”

MECANICISMO
Embora numerosos biólogos identifiquem-se como vitalistas, na prática eles são mecanicistas, determinados pelas experiências de laboratório e as exigências da investigação científica de mostrar as experiências com parâmetros que possam ser medidos na física e química. Sheldrake afirma que o fracasso do vitalismo é devido principalmente a sua inabilidade para fazer predições demonstráveis e para apresentar experiências novas.
No momento, o enfoque ortodoxo da biologia vem determinado pela teoria mecanicista da vida: os organismos vivos são considerados como máquinas físico-químicas e todos os fenômenos vitais podem ser explicados, em princípio, com leis físico-químicas. Na realidade, isto é a posição reducionista que sustenta que os princípios biológicos podem ser reduzidos às leis fixas destes dois ramos da ciência.
A ortodoxia científica adere a esta teoria porque oferece um marco de referências satisfatórias, onde numerosas perguntas sobre os processos vitais podem ser respondidas e porque já muito tem se investido nela. As raízes do mecanicismo são mesmo profundas. De acordo com Sheldrake inclusive se admitir-se que o enfoque mecanicista está severamente limitado não só nas práticas, mas nos princípios, não pode ser abandonado e no momento é o único método disponível para a biologia experimental. Sem dúvida continuará a ser usado até outra(s) alternativa(s) mais positiva(s) surgir(em).

ORGANICISMO OU HOLISMO
O organicismo ou holismo recusam que os fenômenos da natureza possam ser reduzidos exclusivamente às leis físico-químicas, pois estas isoladas ou conjuntamente não podem explicar a totalidade dos fenômenos vitais. Por outro lado reconhece a existência de sistemas hierarquicamente organizados com propriedades que não podem ser entendidas por meio do estudo de partes isoladas, mas em sua totalidade e interdependência. Daí o termo holismo, da palavra whole = todo em inglês.
O organicismo foi desenvolvido através das influências de diversos sistemas filosóficos como os de Alfred North Whitehead e J. C. Smuts, psicologia Gestalt, conceitos como os campos físicos e parte do mesmo vitalismo de Driesch.
“O organicismo trata os mesmos problemas que Driesch disse que eram insolúveis em termos mecanicistas, mas enquanto ele propôs a enteléquia não física para explicar a totalidade e diretividade dos organismos, os organicistas propõem o conceito do campo morfogenético (ou embriônico ou de desenvolvimento)”. (Sheldrake 1981).

CAMPO MORFOGENÉTICO
“Os campos morfogenéticos ou campos mórficos são campos que levam informações, não energia, e são utilizáveis através do espaço e do tempo sem perda alguma de intensidade depois de ter sido criado. Eles são campos não físicos que exercem influência sobre sistemas que apresentam algum tipo de organização inerente.”
“[...] centrada em como as coisas tomam formas ou padrões de organização. Deste modo cobre a formação das galáxias, átomos, cristais, moléculas, plantas, animais, células, sociedades. Cobre todas as coisas que têm formas e padrões, estruturas ou propriedades auto organizativas.”
“Todas estas coisas são organizadas por si mesmas. Um átomo não tem que ser criado por algum agente externo, ele se organiza só. Uma molécula e um cristal não são organizados pelos seres humanos peça por peça se não que cristalizam espontaneamente. Os animais crescem espontaneamente. Todas estas coisas são diferentes das máquinas que são artificialmente montadas pelos seres humanos.”
“Esta teoria trata sistemas naturais auto-organizados e a origem das formas. E eu assumo que a causa das formas é a influência de campos organizacionais, campos formativos que eu chamo de campos mórficos. A característica principal é que a forma das sociedades, idéias, cristais e moléculas dependem do modo em que tipos semelhantes foram organizados no passado. Há uma espécie de memória integrada nos campos mórficos de cada coisa organizada. Eu concebo as regularidades da natureza como hábitos mais que por coisas governadas por leis matemáticas eternas que existem de algum modo fora da natureza.” (Sheldrake, 1981).

COMO FUNCIONAM OS CAMPOS MORFOGENÉTICOS?
Os campos morfogenéticos agem sobre a matéria impondo padrões restritivos em processos de energia cujos resultados são incertos ou probabilísticos. Por exemplo, dentro de um determinado sistema um processo físico-químico pode seguir diversos caminhos possíveis. O que o sistema faz para optar para um deles? Do ponto de vista mecânico esta eleição estaria em função de diferentes variáveis físicas e químicas que influenciam no sistema: temperatura, pressão, substâncias presentes, polaridade, etc., cuja combinação decantaria o processo para determinado caminho. Se fosse possível controlar todas as variáveis em jogo você poderia predizer o resultado final do processo. Porém, não é deste modo, mas o resultado final é sujeito ao acaso probabilístico, algo quantificável só por meio de análise estatística. O Campo Morfogenético relacionado com o sistema reduz consideravelmente a amplitude probabilística do processo, levando o resultado em uma direção determinada.
“Os Campos Mórficos funcionam , tal como eu explico em meu livro, a presença do passado, modificando eventos probabilísticos . Quase toda a natureza é inerentemente caótica. Não é rigidamente determinada. A dinâmica das ondas, os padrões atmosféricos, o fluxo turbulento dos fluidos, o comportamento da chuva, todas estas coisas são corretamente incertas, como são os eventos quânticos na teoria quântica. Com o declínio do átomo de urânio você não é capaz de predizer se o átomo declinará hoje ou nos próximos 50.000 anos. É meramente estatístico, Os Campos Mórficos funcionam modificando a probabilidade de eventos puramente aleatórios. Em vez de uma grande aleatoriedade, de algum modo eles enfocam isto, de forma que certas coisas acontecem em vez de outras. É deste modo como eu acredito que eles funcionam “. (Sheldrake, 1981).

ONDE SE ORIGINAM OS CAMPOS MORFOGENÉTICOS?
Um campo morfogenético não é uma estrutura inalterável, mas que muda ao mesmo tempo, que muda o sistema com o qual está associado. O campo morfogenético de uma samambaia tem a mesma estrutura que os campos morfogenético de samambaias anteriores do mesmo tipo. Os campos morfogenéticos de todos os sistemas passados se fazem presentes para sistemas semelhantes e influenciam neles de forma acumulativa através do espaço e o tempo.
A palavra chave aqui é “hábito”. Este é o fator que origina os campos morfogenéticos. Através dos hábitos os campos morfogenéticos vão variando sua estrutura dando causa deste modo às mudanças estruturais dos sistemas em que estão associados.
Por exemplo, em uma floresta de coníferas é gerado o habito de estender as raízes mais profundamente para absorver mais (e/ou melhores) nutrientes. O campo morfogenético da conífera assimila e armazena esta informação que é herdada não só por exemplares no seu entorno, mas em florestas de coníferas em todo o planeta por efeitos da ressonância mórfica.

EXPERIÊNCIAS
De acordo com Sheldrake, um modo simples para demonstrar a existência dos campos morfogenéticos é criando um novo campo mórfico para logo observar seu desenvolvimento.

Código Morse
O Dr. Arden Mahlberg, psicólogo de Wisconsin, realizou experimentos que analisam a capacidade de duas pessoas para aprender dois códigos Morse diferentes. Um deles é o padrão clássico e o segundo, inventado por ele variando as seqüências de pontos e linhas de modo que fosse igualmente difícil (ou fácil) aprender o código. A pergunta é: será mais simples aprender o verdadeiro Morse que o inventado porque milhões de pessoas já aprenderam isto? A resposta, aparentemente, é sim.

Ratos em labirinto
Esta é uma das primeiras experiências realizadas por Sheldrake, recuperada do tempo em que ele começou a considerar os campos morfogenéticos. Consiste em ensinar a um grupo de ratos determinada aprendizagem, por exemplo, sair de um labirinto, em certo lugar, para logo observar a habilidade de outros ratos em outros lugares, deixarem o labirinto. Esta experiência já foi levada a cabo em numerosas ocasiões dando resultados muito positivos.

Organização dos cupins
Mesmo separando um cupinzeiro, alterando sua forma, criando uma espécie de ferimento, os cupins, mesmo cegos reconstroem a forma original. Explicação: há um campo morfogenético que dá forma ao cupinzeiro. Os campos estão presentes em todos os sistemas vivos e/ou organizados, incluindo-se os humanos (lembraram das células tronco?)
Muitas outras pesquisas são propostas pelo biólogo Rupert Sheldrake e outros biólogos organicistas (holistas), que enfatizam a contextualização da Biologia e das pesquisas relacionadas às ciências biológicas, psicologia, física, medicina e outras.

REFERÊNCIAS
www.fatimaborges.com.br/artigo.phd?code=84
Wikipedia.org/wiki/campo_morfogenetico
www.scribd.com/
www.pontodetransiçao.com.br/biblioteca/campos_morfogeneticos.pdf
Antonio Silvio Hendges, articulista do EcoDebate, é Professor de Biologia e Agente Educacional no RS. Email: as.hendges{at}gmail.com
EcoDebate, 14/03/2011
http://www.ecodebate.com.br/2011/03/14/a-teoria-dos-campos-morficos-do-biologo-rupert-sheldrake-artigo-de-antonio-silvio-hendges/

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Uma contribuição à teoria dos arquétipos

Autor: Jackson José de Jesus Ferreira Junior
Universidade Federal do Amazonas – Departamento de Psicologia


Objetivo

O presente artigo tem como finalidade uma breve exposição acerca das similaridades, e de uma possível convergência, entre as teorias elaboradas pelo biólogo inglês Rupert Sheldrake e as construídas pelo médico suíço Carl Gustav Jung. Na década de 80, final do séc. XX, quando Sheldrake propôs sua inovadora teoria sobre a Ressonância Mórfica e a Causalidade Formativa, tal correlação surgiu de imediato. Porém, o próprio autor, apesar de ciente da teoria Junguiana, não seguiu adiante em possíveis correlações, visto que não era este seu objetivo. Nas idéias que se seguem, tentaremos dar maior amplitude a tais correlações, visando sempre à integração do conhecimento, atitude ressaltada por Jung como de fundamental importância para a Psicologia.
A motivação para este trabalho ocorreu-me logo após meu primeiro contato, por indicação de um grande amigo, com as idéias de Sheldrake acerca dos Campos Morfogenéticos. Porém, pela limitação de minhas compreensões, evitei qualquer aventura escrita a respeito. Por ser um conhecimento um tanto quanto novo, e por exigir uma reflexão um pouco mais “ousada” por parte daqueles que a apreciam, a teoria acerca dos Campos de Sheldrake não encontra, ainda, em nosso meio acadêmico (refiro-me ao meio no qual vivo, ou seja, Norte do Brasil), certa repercussão. Tal fato julgo ser devido, se não a total, mas a grande incompreensão e desconhecimento acerca da mesma. Vivemos um momento de grande atraso no pensamento. Os integrantes de nosso mundo acadêmico andam impregnados por um entendimento antiquado do conhecimento científico. Basta dizer que a maioria ainda julga ser os avanços da Física mera ficção científica. Sem dúvida, tal fato não ocorre por acaso. Contra todo e qualquer avanço do entendimento, sempre há de trabalhar os mais fortes e recônditos motivos afetivos capazes tornar a vida um pouco mais “segura”. A nossa psicologia está atordoada. Perdida no torvelinho das vaidades, já se esqueceu da unidade de seu objeto de estudo, e da pluralidade na existência do mesmo. Lamentavelmente, ainda existem aqueles que pregam a escolha de um único caminho aos que pretendem por ela caminhar, sem se dar conta que todo e qualquer caminho contempla a totalidade apenas parcialmente, daí ser complemento de todos os outros, e não definitivo em si. Como se sabe, tal estado de coisas não é novidade. Porém, como sempre aconteceu no decorrer de toda a história, são as novas idéias que trazem consigo a possibilidade de se olhar para fora da caixa, para além de elaborações equivocadas, “secretamente” elaboradas na sombra do entendimento de certos tipos de pessoas. Neste ponto, Sheldrake e Jung partilham do mesmo papel. Cada um há seu tempo, vieram mostrar novas possibilidades, expandir novas fronteiras. No caso do presente trabalho, enfocaremos como a teoria de Sheldrake pode descortinar novos entendimentos acerca de problemas propostos pela teoria Junguiana, e vice-versa. A seguir explanaremos sobre tal teoria, apontando no contínuo do raciocínio do autor inglês as conexões com a Psicologia Analítica.

Mas afinal, de quê trata Sheldrake? E em que uma teoria da Biologia poderia ter a ver com a Psicologia Analítica?
Pois bem, a proposta do autor inglês pode ser resumida, ainda que parcamente, da seguinte forma: Existe um princípio diretor, ainda não reconhecido pela Física e nem pela Química, que ordena toda e qualquer organização, de todo e qualquer sistema material. Exemplo: a organização dos elementos físico-químicos em átomos, moléculas, tecidos, órgãos etc. Por que tais estruturas se dão de uma forma tão específica e estável? De milhares de possibilidades de combinações de DNA, por que apenas uma determinada organização se dá, e de forma tão característica? Qual é causa disso? Rupert Sheldrake se ocupa do problema da morfogenia, ou seja, como e porque certos elementos se agregam para dar origem a sistemas específicos e com uma forma característica, como por exemplo, um coração humano.

Esse princípio diretor é chamado por Sheldrake de Campo Morfogenético. Em seu livro A New Science of Life (London: Blond & Briggs, 1981; pág. 13), o autor, em um primeiro momento, esboça o que seria tal campo: “These fields order the systems with which they are associated by affecting events which, from an energetic point of view, appear to be indeterminate or probabilistic; they impose patterned restrictions on the energetically possible outcomes of physical processes”. Porém, Sheldrake não demora a expandir este conceito. Para o autor, um campo morfogenético associado a determinado sistema, por exemplo, um tecido muscular esquelético, direciona a dinâmica do funcionamento de tal sistema, em todos os níveis de complexidade. Na verdade, este campo é formado pela soma de uma série de outros campos que controlam desde a dinâmica molecular dos íons de cálcio, até o deslizamento que ocorre entre as microfibras ocasionando a contração muscular. Tal organização dessas estruturas diretoras se dá hierarquicamente, permitindo que cada campo morfogenético oriente o sistema ao qual está associado não apenas em relação a si mesmo, mas em consonância com a globalidade do processo em que está inserido. No mesmo livro citado (pág. 87), Sheldrake esclarece: “In living organisms, as in the chemical realm, the morphogenetic fields are hierarchically organized; those of organelles – for example the cell nucleus, the mitochondria and chloroplasts – act by ordering physico-chemical processes within them; these fields are subject to the higher-level fields of cells; the fields of cells to those of tissues; those of tissues to those of organs; and of organs to the morphogenetic field of the organism as a whole”.

Podemos indicar aqui um primeiro ponto de encontro entre Jung e Sheldrake. Ambos elaboram um conceito central que tem por finalidade a coordenação dos fenômenos por eles pesquisados. A teoria junguiana vê no arquétipo não só um elemento formador, mas também um princípio norteador de todo o psiquismo humano. Nas palavras de Jung: “… o arquétipo representa o elemento autêntico do espírito, mas de um espírito que não se deve identificar com o intelecto humano, e sim com o seu spiritus rector [espírito que o governa]. O conteúdo essencial de todas as mitologias e religiões, e de todos os ismos é de natureza arquetípica.” (A Natureza da Psique, Editora Vozes, 2000; pág.143).

Dessa forma, estabelecemos uma primeira correlação entre as teorias aqui citadas. De acordo com Jung, o simples fato de se procurar um princípio ordenador, seja qual for o fenômeno em que isto se faça, já é por si só uma apreensão arquetípica deste aspecto da realidade. A psique há de criar sempre formas espontâneas, estruturas primordiais, que nos permitam fundamentar a nossa existência, preenchendo-a de sentido. Da mesma forma, diz Sheldrake a respeito de todo e qualquer sistema material. A este haverá sempre um campo morfogenético conectado, originando-o, organizando-o, dirigindo-o.

Juntamente com idéia de campo morfogenético, Sheldrake elabora outro conceito de fundamental importância para sua teoria. Fazendo isso, o autor visava compreender a razão pela qual os sistemas materiais existentes no passado, como, por exemplo, uma árvore de carvalho, continuam a se organizar da mesma forma hoje em dia. Rapidamente, poderíamos dizer que tal fato seria devido à transmissão genética. Mas, o próprio Sheldrake adverte que isso não responderia a questão, pelo contrário, apenas a deslocaria. Atualmente, a ciência ainda não conseguiu identificar os mecanismos que controlam e determinam a atividade genética. Para Sheldrake, tal fenômeno ocorre pelo simples fato de que os novos sistemas surgidos se associam com o mesmo campo morfogenético que orientava o sistema anterior. Porém, esta conclusão leva o autor a um novo questionamento: Como e por que os campos morfogenéticos existentes hoje se dão da mesma forma que no passado? Como este princípio diretor sobrevive através do espaço e do tempo?

De forma um tanto resumida (por não ser o aprofundamento dessa teoria o enfoque do presente trabalho), o autor afirma que, entre todo e qualquer campo morfogenético semelhante, ou seja, entre aqueles que orientam sistemas materiais semelhantes, ocorre um fenômeno pelo qual os campos se comunicam. A este fenômeno Sheldrake chama de Ressonância Mórfica. Segundo ele: “Morphic resonance takes place through morphogenetic fields and indeed gives rise to their characteristic structures. Not only does a specific morphogenetic field influence the form of a system (…), but also the form of this system influences the morphogenetic field and through it becomes present to subsequent similar systems”. (A New Science of Life (London: Blond & Briggs, 1981; pág. 96)

Sheldrake esclarece que nem o campo, nem a sua ressonância são algum tipo de energia, mas, se comportam nos moldes dos campos energéticos e de suas ressonâncias. Para o autor, tais princípios agem sobre a matéria, mas não fazem parte da mesma. Portanto, ambos os fenômenos estão livres das leis que governam o movimento das partículas, dos corpos e das ondas. A principal conseqüência disso será que todo campo, e principalmente sua ressonância, não serão atenuados por nenhum tipo de separação espaço-temporal. Assim, estaria esclarecida, segundo a teoria de Sheldrake, a conexão que permite a viagem da informação, o campo morfogenético, através do espaço e do tempo.

Sem dúvida, o que foi dito acima é pouco para esclarecer as idéias do autor inglês. Mas, acreditamos ser suficiente para os fins deste texto. Relembrando, nosso objetivo aqui é relacionar tais idéias com as de Jung, e para isso escolhemos uma breve exposição dos conceitos de Sheldrake, já que este não é tão conhecido quanto o primeiro. Feita tal descrição dos dois conceitos que julgamos serem fundamentais para o nosso trabalho, seguiremos a partir de agora em direção a segunda pergunta, feita ainda no início deste texto. Como relacionar tais conceitos com a Psicologia Analítica?

Primeiramente, vale citar como Sheldrake sinaliza a importância de suas idéias para a psicologia em geral: “… an understanding of behaviour presupposes an understanding of morphogenesis. For example, even if all the behaviour of a relatively simple lower animal, say a nematode worm, could be understood in detail in terms of the ‘wiring’ and physiology of its nervous system, there would still be the problem of how the nervous system with this characteristic pattern of ‘wiring’ came into being in the animal as it developed” ( A New Science of Life (London: Blond & Briggs, 1981; pág. 24).

Na medida em que todo comportamento, considerando aqui apenas o aspecto orgânico deste fenômeno, engloba necessariamente o movimento, seja este do organismo em geral, ou apenas das suas estruturas internas; e que este movimento se dá, exclusivamente, através das modificações morfológicas nas estruturas responsáveis por tal ação (da menor organela celular, até os órgãos ditos involuntários); podemos concluir que todo e qualquer comportamento depende necessariamente da ação morfogenética.

Por exemplo, os instintos controladores da alimentação, da adaptação, da regeneração, da regulação do organismo, e da reprodução do mesmo são em última análise orientados pelos campos morfogenéticos responsáveis não só pelas estruturas especializadas em cada ação (sistemas digestivo, circulatório, sexual etc.), mas também pelo comportamento enquanto uma entidade global. Ou seja, respeitando a idéia de que os campos são organizados hierarquicamente, existe um campo morfogenético responsável por cada tipo de comportamento. Tal campo controla e direciona os sub-campos que orientam as estruturas responsáveis por este mesmo comportamento, e assim sucessivamente em todos os níveis de complexidade da estrutura do organismo.

Agreguemos a mais esta expansão do conceito de Sheldrake a idéia de Ressonância Mórfica. A partir daí, podemos fazer uma série de conclusões: Primeiro, se todo comportamento é orientado por um campo morfogenético, então, pela influência de sua ressonância, todo e qualquer indivíduo que se conectar a tal campo será capaz de acessar as “informações” que dirigem tal comportamento, e assim também realizá-lo. Segundo, a partir do momento que um comportamento surge pela primeira vez, todo e qualquer indivíduo da mesma espécie tende a apreendê-lo mais rapidamente devido a sua ressonância. Terceiro, como foi dito acima, a ressonância de um campo age para além do espaço e do tempo. Sendo assim, todo comportamento que surge pode ser apreendido em qualquer lugar, e em qualquer momento da história. O campo morfogenético responsável por tal comportamento continua existente, mesmo após o fim de tal ação, e com isto sua ressonância, permitindo que outros indivíduos se conectem ao mesmo campo. Quarto, para que outros indivíduos possam assumir determinado comportamento, basta que entrem em contato com o campo diretor do mesmo. Sheldrake afirma que quanto mais indivíduos perpetrarem um determinado comportamento, mais forte e intensa se torna a ressonância de seu campo, fazendo com que mais e mais indivíduos entrem em sintonia com o mesmo, e assim se comportem da mesma forma.

As implicações do que foi mencionado são claras para a psicologia em geral. Problemas como as “epidemias psíquicas” citadas por Jung, a transmissão transgeracional de um comportamento em um grupo de indivíduos, e outras questões poderiam encontrar novas possibilidades de compreensão através desta teoria. Por outro lado, com o transcorrer desta elaboração, fica cada vez mais clara uma possível conexão entre Jung e Sheldrake. Teríamos no Arquétipo o correlato do Campo Morfogenético, e na ressonância mórfica uma possível resposta para o problema da transmissão dos arquétipos. É importante termos em mente que cada autor trabalha sobre um determinado aspecto do mesmo fenômeno. Sheldrake contempla a materialidade do comportamento, e Jung seu psiquismo. Porém, Jung sinaliza a inevitável união destes aspectos, já que na verdade ambos são um só. Jung afirma: “É exatamente como formula a filosofia clássica chinesa: yang (o princípio luminoso, quente, seco e masculino) contém em si o germe do yin (o princípio escuro, frio, úmido e feminino), e vice-versa. Assim sendo descobrir-se-ia na matéria o germe do espírito, e no espírito o germe da matéria” (Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo, Editora Vozes 2007, pág. 115). No que segue, ampliaremos ainda um pouco mais as possíveis correlações entre as teorias.

É oportuno dizer que Jung não se ateve unicamente ao comportamento humano, ele também expandiu sua teoria em relação ao comportamento em geral. No livro A Natureza da Psique (Editora Vozes 2000, parágrafos 268 e 277), afirma:
“A questão de onde provêm os instintos e como foram adquiridos é extremamente complexa. O fato de eles serem invariavelmente herdados não traz nenhuma contribuição para explicar sua origem. O caráter hereditário dos instintos apenas remete o problema para nossos ancestrais. É por demais conhecida a opinião segundo a qual os instintos se originaram de um determinado ato repetido da vontade, inicialmente individual e posteriormente generalizado. Esta explicação é plausível, visto que podemos observar cada dia como certas atividades aprendidas laboriosamente se tornam gradualmente automáticas pelo exercício constante. Por outro lado, convém sublinhar que o fator aprendizagem falta inteiramente nos instintos mais maravilhosos, observados no mundo animal. Em muitos casos é impossível imaginar como tenha podido haver algum tipo de aprendizagem e exercitação. Seja por ex., o instinto de reprodução extremamente refinado da Pronuba yuccasella, a mariposa da iúca. Cada flor da iúca se abre apenas por uma única noite. A mariposa tira o pólen de uma dessas flores e o transforma em bolinha. A seguir procura uma segunda flor, corta-lhe o ovário e, pela abertura, deposita seus ovos entre os óvulos da planta; vai em seguida ao pistilo e enfia a bolazinha de pólen pelo orifício, em forma de funil, do ovário. A mariposa só executa esta complicada operação uma única vez em sua vida.
(…) Da mesma forma que somos obrigados a formular o conceito de um instinto que regula ou determina nosso comportamento consciente, assim também, para explicar a uniformidade e a regularidade de nossas percepções, precisamos de um conceito correlato, de um fator que determina o modo de apreensão. É precisamente a este fator que eu chamo de arquétipo ou imagem primordial. (…) Do mesmo modo como a apreensão consciente imprime forma e finalidade ao nosso comportamento, assim também, a apreensão inconsciente determina a forma e a destinação do instinto, graças ao arquétipo. Assim como dizemos que o instinto é refinado, assim também a intuição, que põe em ação o instinto, isto é, a apreensão mediante o arquétipo, é de incrível precisão. Por isso, a mariposa da iúca, acima mencionada, deve trazer dentro de si, por assim dizer, uma imagem daquela situação que provocou o seu instinto. Esta imagem dá-lhe a capacidade de reconhecer as flores da iúca e a sua estrutura”.

Para Sheldrake, o que orientaria o comportamento da mariposa seria o campo morfogenético responsável pela sua reprodução. Apesar de só se realizar uma única vez em toda a vida da mariposa, isto já é suficiente, pois o que importa não é a quantidade de vezes que o comportamento se repete, mas sim o fato de o mesmo estar em ressonância com o campo que dirige tal ação. Tal campo surgiu em tempos imemoriais, e persiste através do tempo e do espaço graças à ressonância mórfica.

Arquétipo e Campo Morfogenético seriam, como estruturas reflexas, cada uma em sua dimensão (materialidade e psiquismo), que têm como função nortear o processo vital em todos os seus níveis de complexidade. Desse modo, não poderíamos de imediato afirmar que o campo morfogenético estaria armazenado, assim como o arquétipo, na psique. Afinal, aquele faz parte de outra dimensão do processo vital, a saber, a matéria. Porém, tais dimensões são aspectos de uma mesma unidade, qual seja o indivíduo. Daí não abrirmos mão de nenhuma possibilidade. Seguramente, da mesma forma que arquétipo sempre estará presente na vida do indivíduo, o campo morfogenético também.

De qualquer forma, é válido ressaltar um pensamento de Jung a respeito: “Tanto a matéria como o espírito aparecem na esfera psíquica como qualidades que caracterizam conteúdos conscientes. Ambos são transcendentes, isto é, irrepresentáveis em sua natureza, dado que a psique e seus conteúdos são a única realidade que nos é dada sem intermediários” A Natureza da Psique (Editora Vozes 2000, pág. 153).

Por fim, é importante comentar a série de experimentos elaborados por Sheldrake, bem como os realizados pela Física, que de fato revelam indícios de um princípio norteador dos fenômenos da natureza. Tais avanços são “inexplicavelmente” pouco comentados, e até mesmo ignorados. Todos estes confirmando várias idéias e previsões de Jung.

Referências Bibliográficas

Jung, Carl Gustav – Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo – 5ª. Edição, Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

Jung, Carl Gustav – A Natureza da Psique – 5ª. Edição, Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

Sheldrake, Rupert – A New Science of Life: the hypothesis of morphic resonance - London: Blond & Briggs, 1981.